Sabe aquele amigo que some? Frequência afetiva ajuda a entendê-lo melhor
Resumo da notícia
- O intervalo de tempo que leva para rever pessoas que gostamos tem sido chamado de "frequência afetiva"
- Costuma ser utilizado para explicar que distanciamento não se trata de desprezo, e sim de diferenças no que o outro tem ou não para oferecer
- Interagir e se relacionar é uma dinâmica que envolve diversos fatores
- Cada um tem um jeito de ser e reagir, que pode variar de acordo com o humor ou mesmo as circunstâncias
"Dizem que demoro para responder, concordo". "Não é porque eu tô online, que tô online". "Pra bom entendedor, uma mensagem visualizada e não respondida basta". "Visualiza e não responde? Tomara que o canudinho do seu achocolatado afunde!". Essas frases brincam com um dos grandes assombros para muitos usuários de internet: a espera na resposta de uma mensagem. E basta acionar o botão de enviar para começar a tortura da ansiedade.
Em tempos de quarentena, a maioria das nossas relações ficou concentrada nos meios digitais, e foi onde passamos a medir a presença das pessoas queridas em nossas vidas. Mas assim como fora das redes, cada um tem um jeito de ser e reagir, que pode variar de acordo com o humor ou mesmo as circunstâncias.
Assim como encontramos certos amigos várias vezes no mesmo mês, outros só conseguimos ver uma vez por ano, e olhe lá. Tem aqueles que atendem ao chamado virtual de imediato, os que demoram e os que até esquecem de responder de volta. Só que isso não é necessariamente um meio saudável de mensurar o nível de afeto que eles sentem por você.
Quanto tempo tenho pra matar essa saudade
Apesar de ter funcionado com o Eduardo e Mônica, que se encontravam todo dia, numa vontade que só crescia, muitas vezes é difícil equilibrar nossas demandas afetivas com as dos outros. Isso fica evidente quando o intervalo de tempo que leva para rever pessoas que gostamos se prolonga mais do que desejamos, numa ausência que pode ser incômoda para muita gente.
Tanto é que surgiu um conceito para definir esse período de distância, nomeado de "frequência afetiva" e classificado em "baixa" ou "alta". Apesar de não existir na literatura médica, o termo é usado para distinguir quem consegue estar presente na vida do outro com maior ou menor regularidade. O que chama atenção nessa abordagem é o constante uso para explicar que esse distanciamento não se trata de desprezo ou de má vontade, e sim de diferenças no que o outro tem ou não para oferecer.
Muitos são os fatores que podem levar alguém a ser mais ausente ou presente afetivamente numa relação. Conseguir harmonizar distância e proximidade, demanda e entrega, é fundamental para manter bons relacionamentos. Ser próximo de outra pessoa nos deixa mais vulneráveis, mas faz parte das tensões de sermos uma espécie altamente social, que gosta de andar em grupos, estabelece contatos com facilidade e tem necessidades sociais e emocionais.
Nem a força do tempo irá destruir
Interagir e se relacionar é uma dinâmica que envolve um mundo de sensações. Dar e nutrir afeto, conforto, intimidade e reciprocidade, influenciar e se deixar ser influenciado, são processos que contribuem para o desenvolvimento humano. Nossas habilidades de conectar e cooperar com os outros coletivamente nos torna mais poderosos, mas essa abertura também nos deixa mais sensíveis a danos e desgastes. Tem a ver com os limites que conseguimos sustentar e oferecer, junto com a necessidade de termos os nossos anseios atendidos, sem que chegue a exaustão ou esgotamento de nenhuma das partes.
A frequência do comportamento social está ligada com reações no nosso sistema neurobiológico e como ele processa as informações recebidas, por meio de uma lógica de recompensa. Alguns estímulos são chamados de reforçadores, ou consequências positivas, e provocam aumento da produção de neurotransmissores que causam prazer e bem-estar. Nesse princípio da motivação, quanto mais positiva uma situação ou uma interação pessoal, maior a chance de ocorrer novamente.
O contrário também bem que pode acontecer. Quando o nível desses reforçadores positivos é baixo, ou então os estímulos negativos, aversivos ou punidores são muito altos, a tendência é evitar repetir esses encontros ou comportamentos.
Vale destacar ainda que esse padrão de interação mais baixo pode vir de indivíduos considerados mais tímidos ou introvertidos, o que não significa que suas conexões vão ser de pior qualidade. Afinal, esse termômetro pouco tem a ver com a frequência do contato, pois mais variáveis entram na conta.
Mais certo das horas incertas
De um modo geral, a forma como vivenciamos as trocas com o outro é o que vai ditar as regras das nossas relações. Por isso a importância de identificar as emoções sentidas, além de observar se a cumplicidade é uma via de mão dupla e se a demonstração de vulnerabilidades ocorre de ambos os lados. É uma prática essencial para descobrir se o relacionamento está te fazendo bem.
Quando temos a chance de sermos nós mesmos, mostrando todas nossas fortalezas e fraquezas, e o outro consegue nos acolher e aceitar por inteiro, sem desprezar ou punir nossas fragilidades, é possível dizer que estamos numa relação saudável e de intimidade. Quando há desequilíbrios, é comum que ocorra problemas como depender ou esperar demais do próximo. Mas é um indício que precisa ser analisado com cuidado, já que duas pessoas num mesmo cenário podem ter interpretações diferentes sobre os significados das atitudes de cada um.
Por isso é fundamental observar com calma e tentar perceber se existem outras explicações possíveis, se o nosso olhar pode estar distorcido e quais as razões que levariam a isso. A maneira como nos conectamos afetivamente tem a ver com a nossa história enquanto indivíduos e é resultado de como fomos cuidados, machucados e nos recuperamos de outras interações. Se hoje somos mais próximos ou distantes, fomos moldados por todas as pessoas que passaram em nossas vidas.
Dicas para desvendar o gelo do próximo
- Observe se o distanciamento é uma atitude regular ao longo da convivência;
- Procure respeitar as características comportamentais dos envolvidos na interação;
- Entenda que algumas pessoas simplesmente gostam de ficar sozinhas, e isso não significa que não se importam;
- Considere que há quem busque mais ou menos contato e esse traço não define a qualidade da relação;
- Aprimore o autoconhecimento para saber quais suas reações mais comuns diante dos outros;
- Esteja atento como fica seu emocional em diferentes situações, nossos sentimentos nos dão pistas sobre a relação;
- Analise se a sua demanda por afeto, atenção e cuidado pode ser a razão do afastamento do outro;
- Desenvolver entendimento prévio de como o próximo reage diminui bastante a chance de desequilíbrios, desentendimentos e frustrações.
Fontes: André Gellis, psicanalista e professor do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da UNESP - Campus de Bauru (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho); Claudia Oshiro, professora doutora do Departamento de Psicologia Clínica da USP (Universidade de São Paulo); Lucas Cordeiro Freitas, professor-adjunto do departamento de Psicologia e da Pós-Graduação em Psicologia da UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei); Paulo Boggio, psicólogo e coordenador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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