Conhecer como interagem a ansiedade e a raiva pode te ajudar a sofrer menos
Você já pensou como a raiva e a ansiedade podem andar juntas? Apesar de serem emoções distintas, elas podem interagir de diversas formas e uma potencializar a outra. Se entendermos essas interações, podemos evitar o clímax dessas emoções, sofrendo menos e, consequentemente, lidando melhor com a situação e com nós mesmos.
Conter a raiva contribui para o aumento da ansiedade. Irritabilidade, por exemplo, que é muito comum na raiva, acontece no transtorno de ansiedade generalizada (TAG) com frequência. Hostilidade e raiva internalizada pioram muito os sintomas do TAG. É possível que a raiva e a ansiedade tenham então raízes comuns.
Por outros lado, é comum a ansiedade preceder uma experiência de raiva, como um sentimento de antecipação: a sensação de que uma cena que implica num risco, perigo ou desagrado está prestes a ser vivida e frente a qual podemos vir a perder o nosso controle pode levar a um sentimento de indeterminação de nós mesmos. A ansiedade, nesses casos, se dá como um alerta de que nossa consciência não está tão no controle da situação como gostaríamos.
Isso ocorre com muita frequência, por exemplo, com quem sofre com pensamentos e ruminações obsessivas: a briga que não pode ser esquecida, o desentendimento que poderá vir a ocorrer e, por causa disso, é ansiosamente repetido e repensado, e de novo, e de novo, e de novo. A ansiedade, nesses casos, é prima-irmã da raiva, anunciando a sua presença silenciosa e alertando que suas formas de contenção estão prestes a se romper. Por outro lado, também é bastante comum que um certo tipo de raiva seja vivida após as experiências de angústia e ansiedade: trata-se do sentimento de culpa.
Freud dizia que o sentimento de culpa é uma forma que temos de converter a raiva contra o outro ou um objeto em especial —ou contra a sociedade e o mundo — de forma indeterminada, protegendo-os ao trocar seu alvo. Ou seja, para evitar que a nossa raiva cause prejuízos e ações sem retorno, substituímos o seu alvo pelo nosso próprio eu, que acaba sendo agredido e humilhado como forma de proteção do que nos cerca, mas também, assegurando que a raiva pode vir a encontrar uma ação que lhe dê vazão. Nesse sentido, em vez de se questionar sobre as circunstâncias que levaram a uma cena de sofrimento a partir da ansiedade e da angústia, o sujeito acaba se culpando por ser aquele que é acometido repetidamente por esse sentimento, valendo menos ou merecendo menos do que outros.
Se invertemos a equação, podemos perceber como o diagnóstico individualizado da ansiedade em algumas situações é muito mais protetor da situação que provoca estresse e leva pessoas ao seu limite (como no caso de determinadas instituições, formas de trabalho, famílias ou certas relações afetivas), do que necessariamente da pessoa que mereceria o devido cuidado —como se a cena no entorno não tivesse também responsabilidade sobre a ansiedade de alguém, e como se a ansiedade fosse apenas um sinal de fraqueza daqueles que não suportam o peso de uma experiência qualquer).
Identificar os sentimentos ajuda a lidar com eles
O que sentimos ensina muito sobre nós mesmos, são caminhos para um enfrentamento de nosso inconsciente. Sentir raiva ou ansiedade é ser afetado por algo que não está necessariamente posto em palavras, mas isso não quer dizer que essas experiências não falem por outros meios, que não exponham algum tipo de verdade que ainda não foi bem dita. Em vez, portanto, de considerar que esses afetos são resultantes de qualquer tipo de desarmonia na produção de substâncias em nossos cérebros ou corpos, se pergunte sobre o que poderia, nessas circunstâncias, estar causando raiva ou ansiedade.
Transformar a ansiedade e a raiva em enigmas a serem questionados e assumirmos a responsabilidade de não evitar esse aprendizado é uma apropriação que faremos de nossa própria história. O sofrimento tende se repetir em sua forma e conteúdo e é por meio de nossas análises e descobertas dos nossos afetos e padrões de comportamento que podemos interferir em como direcionar os sentimentos e minimizar nossas dores.
Resiliência é a chave para contornar obstáculos
Isso nos torna resilientes. Resiliência é um processo de negociação interior, autogerenciamento e adaptação em situações significativas aumento de estresse. É a habilidade de um indivíduo se ajustar as adversidades, manter o equilíbrio e continuar a viver de uma maneira positiva. Ter resiliência é uma das mais importantes ferramentas para controle dos sentimentos.
Evite catastrofizar os acontecimentos. Por mais difícil ou sofredor que seja o momento pelo qual você esteja passando, não alimente pensamentos ruins ou fique pensando fixamente no seu problema ou sofrimento, faça apenas o que tiver de ser feito, se houver algo a se fazer. "Tudo passa" é o mote do resiliente.
Também influenciam a resiliência o autoconhecimento, a respiração profunda, escrever sobre o que está sentindo, as atividades físicas, meditação (que pode ser uma oração), contemplar uma obra de arte, uma música ou quadro, por exemplo, tomar um banho, conversar com uma pessoa de sua confiança ou até mesmo pedir ajuda profissional. Não existe, porém, resiliência sem conflitos, sem problemas, sem sentir raiva e medo.
Transformar a ansiedade e a raiva em enigmas a serem questionados e assumir a responsabilidade de não evitar esse aprendizado são caminhos ensinados pela clínica psicanalítica. Esse tipo de apropriação que fazemos de nossa própria história quando ousamos começar a ler os capítulos censurados, ela se torna protetora frente aos processos de repetição de nosso sofrimento. Pois, quem sofre de ansiedade sabe muito bem disso, o sofrimento tende à repetição em sua forma e conteúdo, logo, também cabe a nós aprendermos a ler as cifras de nossas experiências afetivas e, a partir disso, reconstruir nossa forma de sermos sujeito no mundo.
Fontes: Tiago Ravanello, psicólogo e professor de psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS; Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP, membro da Associação Americana de Psiquiatria (APA); e Ana Paula Sant'Anna Mendes, psicóloga.
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