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Hidroxicloroquina é ineficaz para covid-19, diz maior estudo brasileiro

 John Phillips/Getty Images
Imagem: John Phillips/Getty Images

Giulia Granchi

Do VivaBem, em São Paulo

23/07/2020 17h34

A pesquisa nomeada de Coalizão COVID-19 Brasil, feita em conjunto por alguns dos principais hospitais do país, apresentou hoje os resultados de análises de medicamentos contra o novo coronavírus, entre eles, a hidroxicloroquina, droga que chegou a ser considerada a principal esperança de tratamento no início da pandemia.

O estudo aponta que o uso de hidroxicloquina, sozinha ou associada com azitromicina, não mostrou efeito favorável na evolução clínica de pacientes adultos hospitalizados com formas leves ou moderadas de covid-19.

A larga análise é resultado de uma aliança para condução de pesquisas formada por Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, o B(CRI Brazilian Clinical Research Institute) e BRICNet (Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva).

Como o estudo foi feito

A primeira pesquisa, nomeada Coalizão I, avaliou se a hidroxicloroquina associada ou não à azitromicina, poderia trazer benefícios a pacientes adultos hospitalizados com formas leves a moderadas de COVID-19. Os resultados do estudo foram publicados no periódico científico New England Journal of Medicine, nesta quinta-feira (23). O estudo contou com apoio da farmacêutica EMS, que forneceu os medicamentos, e foi aprovado pela Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

  • Entre 29 de março e 2 de junho, os pesquisadores acompanharam os dados de 667 pacientes com quadros leves ou moderados (que não precisavam de oxigênio ou necessitavam de, no máximo, 4 litros por minuto de oxigênio suplementar), em 55 hospitais brasileiros;
  • Por meio de randomização (sorteio) os pacientes receberam combinação de hidroxicloroquina, azitromicina mais suporte clínico padrão (217 pacientes); hidroxicloroquina mais suporte clínico padrão (221 pacientes); ou apenas suporte clínico padrão (grupo controle, 227 pacientes);
  • A hidroxicloroquina foi usada durante 7 dias na dose de 400 mg a cada 12 horas e a azitromicina 500mg a cada 24h por 7 dias. O suporte clínico padrão foi de acordo com a equipe médica que assistia os pacientes, mas não poderia incluir hidroxicloroquina ou azitromicina;
  • A avaliação do efeito do tratamento com hidroxicloroquina, com ou sem azitromicina, considerou como resultado principal o status clínicos dos pacientes 15 dias após a inclusão. O status clínico foi caracterizado em 7 níveis, do melhor para o pior (1. paciente em casa sem limitações às atividades habituais; 2. paciente em casa com limitações às atividades habituais; 3. paciente hospitalizado sem necessidade de oxigênio; 4. Pacientes hospitalizado com necessidade de oxigênio; 5. Pacientes hospitalizado necessitando de ventilação mecânica não invasiva ou cânula de alto fluxo; 6. Paciente hospitalizado necessitando de ventilação mecânica invasiva; 7. Óbito).

O que aconteceu com os pacientes envolvidos no estudo?

O status clínico aos 15 dias foi similar nos grupos tratados com hidroxicloroquina e azitromicina, hidroxicloroquina isolada ou grupo controle. Por exemplo, após 15 dias, estavam em casa sem limitações respiratórias:

  • 69% dos pacientes do grupo hidroxicloroquina + azitromicina + suporte clínico padrão;
  • 64% dos pacientes do grupo hidroxicloroquina + suporte clínico padrão;
  • 68% dos pacientes do grupo suporte clínico padrão.

De acordo com a interpretação dos pesquisadores responsáveis, a utilização dos medicamentos não promoveu melhoria na evolução clínica dos pacientes.

Efeitos adversos

No que diz respeito aos efeitos adversos, a pesquisa evidenciou dois pontos que merecem destaque:

  1. Alterações em exames de eletrocardiograma (aumento do intervalo QT, que representa maior risco para arritmias) foi mais frequente nos grupos que utilizaram hidroxicloroquina, com ou sem azitromicina, comparada ao grupo que recebeu apenas suporte padrão.
  2. Alteração de exames que podem representar lesão hepática (aumento de enzimas TGO/TGP detectado no sangue) foi mais frequente nos grupos que utilizaram hidroxicloroquina, com ou sem azitromicina, comparada ao grupo que recebeu apenas suporte padrão.

Não houve diferenças para outros eventos adversos, como arritmias, problemas hepáticos graves ou outros. O número de óbitos em 15 dias foi semelhante entre os grupos, em torno de 3%.

Características específicas do estudo

  • Os pacientes incluídos no estudo tinham idade em torno de 50 anos;
  • Pouco mais da metade deles era do sexo masculino;
  • Foram incluídos apenas pacientes recém-admitidos ao hospital (até 48h) e que tivessem sintomas iniciados, no máximo, até sete dias antes;
  • 40% dos pacientes eram hipertensos, 21% eram diabéticos; 17% eram obesos;
  • Vale destacar que estes resultados não são aplicáveis a outras populações, a exemplo de pacientes ambulatoriais com formas mais leves e iniciais de covid-19. Para estes pacientes, é necessário aguardar estudos randomizados robustos em andamento.

Opinião de especialistas

Para Luciano Cesar Pontes de Azevedo, médico intensivista pesquisador e superintendente do Sírio-Libanês Ensino e Pesquisa e integrante do Comitê Executivo da Coalizão, o trabalho em conjunto permitiu agilidade ao andamento da investigação. "A possibilidade de realizarmos estudos em aliança com os diversos hospitais e institutos que fazem parte da coalizão maximizou recursos humanos e materiais e possibilitou termos respostas rápidas e confiáveis em curto espaço de tempo", afirma.

"Esses resultados são importantes para a ciência global e coloca o Brasil na vitrine cientifica do mundo. É apenas o começo do que esse grupo Coalizão do Brasil poderá contribuir para a literatura médica e avanço da medicina que irá além da covid-19", reforça Renato D. Lopes, cardiologista, pesquisador e professor da Universidade Federal de São Paulo e da Duke University, diretor do Brazilian Clinical Research Institute.

O médico Álvaro Avezum, diretor do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, afirma que "o estudo Coalizão I avaliou de forma robusta a eficácia e a segurança de hidroxicloroquina associada ou não à azitromicina por meio de união eficiente com hospitais brasileiros fornecendo informações clinicamente úteis para a prática médica em pacientes com covid-19 hospitalizados".

Os outros estudos da Coalizão COVID-19 Brasil em andamento

Coalizão II - Avaliou casos de covid-19 mais graves que necessitaram de maior suporte respiratório. Todos os pacientes receberam hidroxicloroquina, e de forma aleatória (sorteio), os pacientes foram alocados em dois grupos: um que recebia adicionalmente azitromicina, e outro que não recebia azitromicina (grupo controle). Todos os pacientes receberam tratamento padrão que incluía hidroxicloroquina. Em breve os resultados serão divulgados.

Coalizão III - Avalia a efetividade da dexametasona para casos de covid-19 com síndrome respiratória aguda grave. A dexametasona é uma medicação com ação anti-inflamatória. Inclusão de pacientes encerrada com 299 casos em 40 centros. Resultados devem ser publicados brevemente.

Coalizão IV - Está avaliando se a anticoagulação plena com rivaroxabana traz benefícios para pacientes com covid-19 com risco aumentado para eventos tromboembólicos. Foram incluídos 10 de um total previsto de 600 pacientes em 40 centros.

Coalizão V - Está avaliando se a hidroxicloroquina previne o agravamento da covid-19 em pacientes que não precisam de internação hospitalar. Foram incluídos 454 de um total previsto de 1300 pacientes em 68 centros.

Coalizão VI - Avaliou se o tocilizumab, um inibidor da interleucina 6, é capaz de melhorar a evolução clínica de pacientes hospitalizados com covid-19 e fatores de risco para formas graves inflamatórias da doença. Inclusão de pacientes encerrada com 129 casos em 12 centros. Atualmente os pacientes estão sob acompanhamento clínico e os resultados deverão ser publicados em breve.

Coalizão VII - Está avaliando o impacto a longo prazo, após alta hospitalar, incluindo qualidade de vida, de pacientes que tiveram covid-19 e foram participantes dos demais estudos da Coalizao. Em andamento. Foram incluídos 529 pacientes.

Coalizão VIII - Avaliará, em mil pacientes se anticoagulação com rivaroxabana previne agravamento da doença com necessidade de hospitalização em pacientes não-hospitalizados com formas leves da covid-19. Previsão de início de inclusão em agosto.

Coalizão IX - Avaliará se drogas antivirais isoladas e/ou em combinação entre si são efetivas para tratar casos de covid-19 hospitalizados com doença moderada. Os antivirais a serem testados são atazanavir, daclatasvir e daclatasvir associados a sofosbuvir. Previsão de início na primeira quinzena de agosto.

*Com informações da assessoria de imprensa do Hospital Sírio Libanês e da Agência Einstein