Mãe corre empurrando a filha cadeirante: "É ela quem me conduz"
Na metade da gestação, a professora de educação infantil Claudia Schaefer, 52, descobriu que teria uma filha especial. Beatriz Schaefer Pineda, 24, nasceu surda, com deficiência física e mental. Assim que a viu, Claudia sabia que teria muito trabalho pela frente, mas tinha em mente um único objetivo: fazer a filha feliz, não importando as limitações que tivesse. E foi correndo e empurrando a filha na cadeira de rodas que ela viu o semblante de alegria da Bia. Juntas, elas já participaram de centenas de corridas e ganharam mais de 400 medalhas.
"Com quatros anos de casada, engravidei da Beatriz. Minha gestação foi normal, mas, no quinto mês, fiz um ultrassom e apareceu uma mancha no cérebro dela. No morfológico do segundo trimestre, foi constatado que ela tinha uma malformação, uma anomalia no cérebro, mas não dava para saber exatamente o que era.
Ao descobrir isso, era como seu já soubesse. Na minha adolescência, sonhava com frequência que cuidava de uma criança especial. Era como se estivesse sendo preparada espiritualmente. Quando se confirmou, não fiquei revoltada, pelo contrário, fiquei tranquila, sabia que essa seria a minha missão. Tinha 24 anos na época.
Médico deu 6 meses de vida, hoje ela tem 24 anos
A Beatriz nasceu no dia 11 de maio de 1995. Quando a vi pela primeira vez, pensei: 'Vai ser difícil, vou ter muito trabalho pela frente, mas vou conseguir. Só tinha um objetivo: fazer de tudo para minha filha ser feliz, não importava se ela iria andar ou falar. Quando a levei para casa, senti medo do desconhecido. A gente não sai da maternidade com uma bula ensinando como cuidar de um bebê especial.
Tinha minhas inseguranças, mas também tinha a certeza de uma coisa: ia batalhar e não ia medir esforços para ela ter qualidade de vida.
A Bia nasceu sem diagnóstico fechado, com deficiência física, mental e auditiva. O médico suspeita que, durante a gestação, eu tenha contraído um vírus da água, que contaminou o feto, mas essa hipótese nunca foi confirmada.
Nos primeiros meses de vida, a Bia era uma bebê muita parada, apática, quase não chorava. Ela era molinha, não conseguia segurar o tronco. Com dois meses, ela fez uma ressonância magnética, o médico viu o resultado, disse que ela teria uma desmielinização dos neurônios, que isso era degenerativo e que ela teria, no máximo, seis meses de vida. Ouvi isso sozinha, a carregando no colo. Foi um choque, saí do consultório desesperada.
Me acalmei e busquei a opinião de um segundo especialista. Fui no Instituto da Criança, no Hospital das Clínicas, na USP. A médica examinou a Bia por duas horas e viu a ressonância. Ela disse que o prognóstico do médico estava errado, me tranquilizou afirmando que a Bia ia viver e muito.
Ela disse que ela teria um atraso global no desenvolvimento físico e mental, mas que, através de estímulos, ela poderia melhorar. Ela começou a fazer fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia.
Com um ano, percebi que a Bia não respondia aos estímulos auditivos quando falava com ela. Ela não virava quando eu colocava brinquedos com barulho no berço. Ela fez um exame e foi constatado que era surda. Ela já tinha deficiência mental, física e agora auditiva? Fiquei apavorada pensando como ia me comunicar com ela.
Foi então que resolvi fazer uma pós-graduação em deficiência auditiva. Além de me comunicar com ela, posso dar aula para surdos.
Quando a Bia tinha sete anos, eu e o pai dela nos separamos, mas nos tornamos bons amigos. Ele é um pai presente, pega ela todos os sábados e arca com todos os gastos dela.
Começamos a correr para fazer ela se movimentar
Depois que me divorciei, passava muito tempo dentro de casa com ela, não aguentava mais essa rotina. Em 2010, passei a levá-la ao parque por uma necessidade de fazer ela se movimentar e também pela minha vontade de praticar uma atividade física. Gostava de correr. Naquela época, a Bia passava muito tempo sentada, ela quase não andava, não tinha resistência muscular.
Todo mundo olhava e me achava louca de correr empurrando a cadeira de rodas dela.
Ao longo desse ano, passei a participar de corridas de ruas sozinha, deixava a Bia com a minha mãe e ia correr. Me inscrevi para uma prova no Parque Ecológico do Tietê. No dia em que fui retirar o kit, falei para a atendente que não ia conseguir participar da competição. Expliquei que minha filha era cadeirante e que minha mãe não ia poder ficar com ela.
Ela me perguntou: 'Por que você não corre com ela?'. Seriam 10 km empurrando uma cadeira de rodas e tinha uma parte do trajeto que era de pedregulho. Fiquei pensativa. Ela me encorajou: 'Por que você não tenta?'. Eu pensei: 'Tá bom, o máximo que pode acontecer é eu não aguentar'.
Fomos Deus, eu e minha filha para a prova. Corria devagar. 1, 2, 3, 4, 5 6, 7... No 8º km a cadeira começou a pesar e fui ficando cansada. Um rapaz se aproximou e disse que ia ficar perto da gente para nos dar uma força moral.
Nós fomos as últimas a passar na linha de chegada. Todos nos aplaudiram de pé. Terminei a prova chorando, foi muito emocionante.
Encontrei na corrida uma forma de deixar minha filha feliz
Ao longo da prova, notei uma fisionomia de liberdade na Bia, ela estava curtindo a brisa batendo no rosto dela. O olhinho dela brilhou e ela fez sinal em libras de que estava gostando. Ela ficou alegre e se sentiu livre. Foi aí que descobri que esse era o caminho para ela, para nós. Encontrei na corrida uma forma de deixá-la feliz. Nós ganhamos nossa primeira medalha juntas. Hoje temos mais de 400.
Correr é algo que vicia, nunca mais paramos. Nesse processo fizemos muitas amizades e a corrida deixou de ser um esporte individual para se tornar coletivo. Em 2012, um amigo, o Roberto Itimura, criou um grupo no Facebook chamado KlaBhia Team Run, que reúne vários corredores, entre eles, outros pais que correm com filhos com algum tipo de deficiência. Depois migramos para outros grupos, o Empresto Minhas Pernas e o Pernas de Aluguel.
Já participamos da São Silvestre e de meias-maratonas
Um rapaz que tinha uma oficina de handbike entrou em um dos grupos, se sensibilizou com a nossa história e disse que ia construir um triciclo para eu correr com a minha filha. O primeiro modelo não ficou legal, mas o segundo ficou bom. O triciclo tem uma estrutura com uma cadeira de rodas, com duas rodas atrás e uma menor na frente, e um freio. Acrescentei um retrovisor, um aparelho de som e um microfone para colocar música e animar o pessoal.
Lá, também levo água gelada e bala para distribuir para o grupo. A cada km, nós nos revezamos para empurrar o triciclo da Bia. Quando ela ganha algum troféu, dou para o corredor voluntário que a ajudou como forma de gratidão.
No começo, a Bia era mais introspectiva ficava de cabeça baixa, agora ela fica super animada, sorri toda vez que passamos por um corredor, levanta o polegar indicando que está legal e que está gostando, interage com o pessoal.
Passamos a treinar duas vezes na semana antes de ela ir para a escola e aos sábados à noite. Faço o treino empurrando o triciclo por meia hora. E depois a tiro, e faço ela caminhar com as próprias pernas, ela já chegou a caminhar 1 km. Ela gosta de se movimentar.
Fizemos a nossa primeira São Silvestre em 2013, foi difícil, demoramos duas horas para terminar. Depois participamos de mais quatro edições. Também já viajamos para outras capitais, Florianópolis, Rio de Janeiro, Vitória, Brasília, para participar de meias-maratonas, e como costumamos dizer, para brincar de correr.
O final da prova é sempre emocionante. Faltando 500 m, tiro a Bia do triciclo e ela caminha até a linha de chegada. É o momento dela, ela fica alegre e sorridente. Quando temos mais um amiguinho especial na corrida, vamos todos juntos levantando a bandeira da inclusão, da união e da igualdade.
Além de mãe e filha, somos melhores amigas
Encontrei na corrida o caminho da felicidade para a minha filha. Ela faz em libras o sinal de amar, eu sei que ela amar correr. Correr empurrando o triciclo da Bia é dar liberdade a ela. Me sinto tão realizada em fazer isso por ela que digo que é ela quem me conduz e não o contrário.
Sei que ela tem gratidão por mim. Todos os dias deito minha cabeça no travesseiro com o sentimento de que estou fazendo o melhor que posso para ela, de que estou cumprindo a minha missão.
Nós temos uma ligação muito forte, além de mãe e filha, somos melhores amigas. Me sinto feliz toda vez que a faço feliz".
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