Autoperdão: entenda por que é tão difícil desenvolvê-lo e seus benefícios
Perdoar, em geral, não é algo fácil para a maioria das pessoas, por envolver muitos sentimentos: raiva, decepção, frustração, mágoa, rancor... Porém, após fatores como tempo, maturidade e diálogo entrarem em ação, é possível superar a dor e seguir em frente. No entanto, há muita gente que até consegue superar o sofrimento causado pelos outros, mas emperra na hora de desculpar a si mesmo por alguma atitude ruim ou omissão. Por que perdoar a si mesmo é ainda mais difícil do que perdoar alguém?
Segundo Silvia Cury Ismael, gerente de psicologia do HCor (Hospital do Coração), em São Paulo (SP), quando perdoamos nos propomos a esquecer aquilo que aconteceu e deixamos de estar presos emocionalmente a quem nos fez mal. "Já o autoperdão tem a ver com a autoexigência que praticamos conosco e como encaramos os erros que cometemos. Se errar significa falhar, ser incompetente ou fraco, então fica difícil o perdão para nós mesmos", explica.
Pessoas com excesso de autocrítica e sensibilidade à culpabilização têm maior dificuldade em relevar e desculpar os próprios deslizes. "Em alguns casos, é como se colocassem uma lente de aumento no erro cometido. Há uma supervalorização da falha e, consequentemente, uma elevação da crítica. A culpa, nessas circunstâncias, assume a função de autoflagelo, diferentemente da função positiva de reparação que poderia desempenhar", observa Natalia Novaes Pavani Araújo, psicóloga do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, também na capital paulista.
O sentimento de culpa, associado à empatia, é fundamental para o desenvolvimento humano e para todo o processo de autoperdão. De acordo com Araújo, faz parte da natureza humana a testagem dos comportamentos e, em boa parte das situações, não é possível prever resultados. "Cometemos enganos e faltas ao longo da vida. Em contextos em que uma determinada postura gera um problema, a culpa surge como um mecanismo de aprendizado, ou seja, sua função é a reparação. A culpa gera um sentimento ruim, que nos mobiliza a pedir perdão, seja a alguém ou a nós mesmos, e nos faz adotar uma nova postura", esclarece a profissional.
A psicóloga Cristina Borsari, membro do corpo clínico da BP (A Beneficência Portuguesa de São Paulo), lembra que a culpa é um sentimento doloroso, mas necessário para o movimento de autoperdão. "Ela promove aprendizagem e estimula o crescimento pessoal e emocional. É claro que não é fácil identificar e reconhecer erros, mas a reflexão conduz a uma melhor consciência das próprias atitudes", explica. E esse movimento vale para os comportamentos futuros.
Não se perdoar é ficar refém do passado
As pessoas que não se perdoam tendem a eternizar alguns momentos e experiências. É como se ficassem presas ao que passou, num círculo infinito de dor e penitência. A vida parece que não evolui. "Quando o sentimento de culpa não é ressignificado e transformado em aprendizado, ele tira a alegria de viver. O autoperdão é um jeito de evoluir e mudar esse cenário. E mais: passar dia após dia sob o peso da culpa é um caminho para desenvolver transtorno de ansiedade e até depressão", pontua Borsari.
Nos casos que a culpa é utilizada como um castigo há uma deturpação do seu uso. Em vez de a culpa servir como disparadora de um novo posicionamento, um jeito mais maduro de lidar com um problema, ela funciona como punição em um ciclo vicioso: quanto mais culpa se sente, maior dificuldade de se perdoar e assim por diante.
O processo de perdoar é colocar o passado em seu devido lugar. "Se você recorre ao episódio problemático para trazer com ele toda a sua bagagem negativa, não está fazendo bem o exercício de posicionar o problema no passado. É como se ele e suas falhas aumentassem de tamanho e ficassem tão grandes que não existiria mais espaço simbólico para um bom presente e a possibilidade de um futuro saudável. Não existem ervas daninhas que precisamos cuidar, senão elas prejudicam plantas saudáveis? Sentimentos são semelhantes", compara Araújo.
Na opinião de Ismael, alguns pontos da vida podem ficar estagnados. "A pessoa não evolui naquele contexto. Isso a impede de crescer com seus erros e insucessos e de evoluir. E pode, ainda, levá-la a ficar mais agressiva e impulsiva em situações nas quais se sente fragilizada ou exposta", comenta.
Como desenvolver o autoperdão?
O primeiro passo para o autoperdão é fazer um exercício honesto de reflexão sobre o que realmente se deseja: seria a reparação, seja ela algo objetivo ou algo simbólico, ou a permanência num estágio anterior de culpa, correndo o risco de comportar-se de maneira vitimista? "Identificado o desejo de seguir adiante, pode-se fazer uma lista de ações de reparação. O que me ajudaria no autoperdão? Como eu gostaria de me sentir se já tivesse me perdoado? O que eu poderia fazer para me sentir dessa forma agora? Esses são alguns questionamentos que podem trazer respostas valiosas", fala Araújo.
"Se aceitar como um ser humano falho também é fundamental. A compreensão de que todo mundo é passível de erros é essencial para assumir as respostas pelos próprios atos e aprender com isso. Nos perdoar significa limpar a própria mente e sintonizar com a melhor parte de nós, abandonando a vitimização", endossa Borsari.
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