Tem falado sozinho? Hábito ajuda a organizar pensamentos e regular emoções
Flagrar alguém falando sozinho na rua, no transporte público ou mesmo em casa costuma gerar um misto de estranhamento e curiosidade. "Com quem ele está conversando? Será quem tem algum transtorno mental?", quem vê fica querendo saber. Já a pessoa que é pega no pulo pensando em voz alta pode ficar sem graça, afinal, não é algo aceito socialmente. Mas a verdade que o hábito de falar sozinho é mais comum e benéfico do que muita gente imagina.
Quase todo mundo fala sozinho, ainda que muitas vezes a gente não perceba como a conversa começou e que ela seja silenciosa, só com o movimento da boca. "O pensamento humano é estruturado pela linguagem. Verbalizar o que está na mente é um recurso psicológico natural para organizar o fluxo de pensamentos, aliviar a sobrecarga mental e ganhar autoconsciência", fala Ricardo Wainer, professor do curso de psicologia da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
Como falar sozinho pode nos ajudar?
Na infância e na adolescência, falar sozinho faz parte do processo de desenvolvimento e aprendizagem e da formação da identidade. "Quando uma criança conversa com um brinquedo ou um amigo imaginário, está estimulando a si mesma: organizando o mundo como vê, estruturando pensamentos e criando as próprias referências", diz Juliana Graciano, professora de psicologia da FMU. "O mesmo acontece com os adolescentes: quando se expressam na frente do espelho, por exemplo, estão se afirmando, primeiro, para si mesmos, para então se colocar coletivamente, o que faz parte do amadurecimento psíquico."
Na vida adulta, o comportamento pode ser útil, por exemplo, quando você se sente ansioso ou angustiado porque precisa tomar uma decisão ou resolver um problema. "As áreas cerebrais ativadas pela fala não são as mesmas das emoções. Quando você coloca em palavras o que está sentindo e consegue escutar a si mesmo, alivia o peso na área emocional e sai da ruminação mental que causa sofrimento", explica Franciele Maftum, psicóloga e mestre em neurociência cognitiva pela Universidade de Reading, no Reino Unido.
Assim, perguntar-se "por que estou tão irritado?" ou "o que é isso que estou sentindo?" quando está num dia ruim é uma boa estratégia para chamar a atenção para si mesmo, suas sensações físicas e mentais e começar a se sentir melhor.
Ouvir os próprios pensamentos também é um recurso de memorização, já que o som da fala ativa a atenção e favorece a fixação e a recuperação de informações no cérebro. É por isso que repetir em voz alta o conteúdo antes de uma prova ou a mensagem que deseja passar em uma apresentação importante ou uma conversa difícil ajuda a ganhar autoconfiança.
Mas fique atento ao que você fala para si mesmo
Seguindo a mesma lógica, é importante ficar atento para não exagerar nas críticas e falas negativas, já que também ficarão gravadas no cérebro, prejudicando a autoestima.
Na psicologia do esporte, a repetição de palavras, frases e até da descrição verbal de determinadas ações e movimentos é bastante utilizada como recurso para aumentar a concentração, a confiança e a motivação e melhorar o desempenho em treinos e provas. Se nunca notou o comportamento de tenistas, nadadores e atletas de elite nos minutos antes do início de uma competição, preste atenção: muitos travam diálogos internos bastante animados antes de pular na piscina ou ouvir o apito de largada.
Recurso para momentos de estresse
A psicóloga Juliana Graciano comenta que, em isolamento por causa da pandemia, talvez muita gente se perceba falando mais sozinha do que de costume, o que não só é normal como pode ser saudável. "Estamos mais estressados, preocupados, ansiosos e, para completar, menos ativos fisicamente. É natural que a mente fique mais agitada, pensando muito. Nessa situação, os diálogos internos são uma espécie de desabafo, ajudam a aliviar a tensão e até a encontrar repostas e soluções. São um recurso de autoconhecimento", diz.
É verdade que falar sozinho também pode ser sinal de doença mental, como esquizofrenia, ou de que a pessoa está tendo um surto psicótico. "O limite da normalidade é o autocontrole. Se o indivíduo não se dá conta ou não consegue conter o pensamento em voz alta, ou mesmo quando se isola conversando consigo como se houvesse outra pessoa, pode haver uma patologia. Quando diz que está respondendo a vozes que ouve internamente também é o caso de procurar orientação de um médico psiquiatra", sugere Juliana.
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