Vê os problemas maiores do que são? Como reconhecer e abandonar essa visão
Resumo da notícia
- Valores e crenças universais e individuais impactam nossa visão de mundo e o modo como reagimos aos problemas
- Uma perspectiva pessimista e catastrófica está muito associada ao relato que se faz de um problema e a maneira como cada um o experimenta
- A manutenção desses comportamentos pode trazer diversos prejuízos à saúde mental e levar ao desenvolvimento de transtornos psíquicos
- Mesmo diante de situações difíceis de conciliar é importante promover uma análise e buscar adaptar-se com a melhor solução possível no momento
Muitas vezes quando nos vemos diante de uma situação que foge de controle, nos pega de surpresa ou parece difícil de solucionar, acabamos paralisados e incapazes de agir. Problemas corriqueiros ganham então uma dimensão muito maior do que realmente possuem e podem acarretar sofrimento, ansiedade e outros prejuízos na vida pessoal e profissional.
De acordo com Waldo Hoffmann, psiquiatra e psicanalista, membro da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e da SBPSP (Sociedade Brasileira de Psicanálise - Regional São Paulo), dentre os valores compartilhados historicamente pela sociedade existem duas tendências que podem impactar nossa visão dos fatos. A primeira delas é a visão apocalíptica, que criaria um desejo de que a vida e o mundo acabem, em especial diante de uma dificuldade.
A segunda é a sensação descrita por Freud em seu livro "O Mal-Estar da Civilização", quando, de acordo com os valores judaico-cristãos da culpa, desenvolvemos uma sensação de mal-estar ao sentir qualquer tipo prazer. Essa culpa resultaria então em um castigo divino, que pode muito bem vir em forma de um "problemão" difícil de resolver.
"Essa sensação de culpa implica em um certo anseio de acabar com esse mal-estar. E o único modo de acabar com ele é o 'fim do mundo' ou o 'fim da minha vida'", explica o psiquiatra. Assim, olhar para um problema corriqueiro e enxergar um problema muito maior seria, portanto, um vislumbre desse fim, ou do esperado castigo divino, e a pessoa acaba naturalizando e aceitando sua ocorrência sem questioná-lo.
Um mesmo evento pode ser percebido de formas diversas por diferentes pessoas. "Essa maneira específica de ver e interpretar o mundo está diretamente ligada às nossas crenças, que são desenvolvidas e reforçadas ao longo de toda nossa vida" contrapõe Márcia Calixto dos Santos, doutora em Psicologia pela PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica de Campinas) e coordenadora do curso de Psicologia da Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo). A psicóloga adiciona que esse conjunto de crenças, que influencia nossos pensamentos a todo momento, nem sempre é racional e, muitas vezes, pode nos prejudicar ao enfrentarmos situações adversas.
"De modo geral, todas as pessoas atribuem um significado próprio aos acontecimentos" opina Ilíada Alves, psicóloga clínica membro do Ambulim do Ipq - HC/FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e preceptora da Residência em psiquiatria do Hospital de Clínicas Dr. Radamés Nardini. Para Alves, a forma como interpretamos uma situação é o que nos afeta, e não a situação em si, e assim: "um evento específico pode despertar pensamentos catastróficos se o indivíduo acreditar que o pior vai acontecer, ou que ele não será capaz de lidar ou resolver o problema em questão", conclui.
Entenda os sinais
Os sinais de que alguém está exagerando em sua percepção de um problema podem variar muito de pessoa para pessoa e mesmo de acordo com o tipo de desafio em questão. Para Hoffmann, a análise da situação costuma estar muito associada ao tipo de relato que se faz dela. O psiquiatra considera que: "como somos seres da linguagem, fazemos diferentes espécies de relato, avaliando o passado e o futuro" e como essas avaliações são muito subjetivas elas podem acarretar interpretações um pouco distantes da realidade, a depender das experiências e da maneira como nos relacionamos com determinado fato ou objeto.
Além disso, Santos avalia que: "é importante refletir sobre todos os aspectos objetivos do problema, como por exemplo: o que de fato ocorreu, quem está envolvido, o que depende de mim para a resolução do problema e o que é papel do outro nesse contexto", pondera. A psicóloga explica que "algumas pessoas tendem a exagerar mais do que outras as eventuais ameaças e perigos, principalmente quando estão em situações novas e que julgam que não teriam capacidade de solucioná-las", adiciona. Ela também ressalta que muitas vezes, não é a situação em si que promove o sofrimento, mas a nossa forma distorcida de percebê-la, que pode trazer muito desconforto e limitações.
"A intolerância à incerteza e/ou às emoções envolvidas também são considerados elementos importantes que podem atuar como sinalizadores", complementa Alves. Concentrar-se demais nos pontos negativos dos acontecimentos, pode ampliar ainda mais as dificuldades existentes", pontua a psicóloga. "Maximizar as dificuldades também fomenta pensamentos de ruminação mais pautados nas ameaças imaginárias e com menos embasamento nos riscos factuais", finaliza.
Consequências para a saúde mental
Para Alves e Santos, a tendência a exagerar sobre a gravidade dos problemas pode desencadear diversos prejuízos à saúde mental, uma vez que diante desta visão os indivíduos mantêm-se em constante quadro de alerta. A situação pode evoluir para quadros avançados tensão, estresse, transtornos de ansiedade e até mesmo transtornos de humor depressivo. Alves ainda alerta sobre sintomas fisiológicos como agitação, aceleração dos batimentos cardíacos, sudorese e calafrios que podem indicar transtorno de ansiedade com dificuldade de adaptação.
É importante ressaltar também que "para desenvolver um transtorno psicológico mais acentuado, depende-se de muitos fatores, como aspectos biológicos, ambientais, personalidade, entre outros", alerta Santos. A psicóloga também adverte que a maneira de perceber o mundo, exagerando a gravidade das adversidades, acaba impactando em capacidades fundamentais para a resolução de problemas, como a criatividade, o otimismo e a iniciativa.
Segundo Hoffmann, no entanto, o comportamento somente é considerado fora da norma se não for funcional ao contexto em que está inserido. Para ele, um olhar sobre o problema depois que ele passou, pode ser um termômetro importante sobre o sofrimento causado e também um novo marco para olhar os problemas futuros.
E quando a solução é realmente difícil?
"É importante questionar as evidências de que o problema não poderá ser resolvido de alguma forma. Geralmente, nos preocupamos com coisas que não necessariamente temos algum poder de mudança ou influência. E, na verdade, quando não temos a possibilidade de uma ação concreta em um determinado problema, a preocupação exagerada pode ser muito improdutiva", aconselha Santos.
Segundo ela, também é importante refletir quais seriam as possíveis ações a serem tomadas e quais os recursos a pessoa teria para resolver o problema. "Uma questão importante que a pessoa pode se fazer ao enfrentar um problema é: quais dos meus pensamentos me ajudam e quais me atrapalham na resolução desse problema? Se a pessoa tende a exagerar os problemas, será possível encontrar uma lista grande de pensamentos que costumam não a ajudar", instrui a especialista.
Alves ainda lembra que resolver problemas é uma habilidade que pode ser aprendida e desenvolvida com a ajuda de um psicólogo. Para ela "especificar a dificuldade e definir um objetivo na situação auxilia a clarificar as possibilidades de resolução", ainda que ela seja de fato difícil.
Especializadas em TCC (Terapia Cognitivo Comportamental), Alves e Santos apontam que é fundamental observar as evidências práticas que circundam e perceber se "confirmam ou contrariam os pensamentos ou crenças apresentadas pela pessoa em um determinado problema", como explica Santos. Ainda de acordo com Alves, a TCC trabalha com um método de resolução de problemas composto por cinco fases: orientação do problema; definição e formulação; geração de soluções alternativas; tomada de decisões; execução e verificação.
A psicóloga ainda explica que essas etapas incluem aspectos como "adotar uma postura mais adaptativa frente ao problema, checar se este é passível de resolução, coletar informações relevantes, comparar prós e contras dos diferentes tipos de solução, reformulação de crenças, bem como o aprendizado de novas habilidades de enfrentamento", finaliza.
Mudança de perspectiva
Para conseguir conciliar uma mudança de olhar ou de perspectiva, "quando uma pessoa acredita estar sem saída, que o seu futuro parece sem esperança ou fadado de desastres, ela precisa treinar a flexibilidade cognitiva, considerando a possiblidade de outros cenários" argumenta Alves.
De acordo com a psicóloga, a ideia não é desenvolver uma visão otimista, mas uma avaliação justa e realista. Alves também orienta que as pessoas exercitem a sua criatividade para construir respostas alternativas ao seu modo de pensar ou mesmo para lidar com as suas dificuldades considerando múltiplas formas de interpretar uma mesma situação. "Você pode aprender a ajudar a si mesmo usando essas habilidades, entre outras que podem ser aprendidas na psicoterapia" conclui.
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