Dilema entre manter e tirar o silicone: o que dizem médicos e pacientes
"Penso que se ajudar uma pessoa, uma mulher que tenha passado por isso, a identificar o problema, para mim já está valendo a pena. Foram anos de sofrimento sem saber o que eu tinha". Esse trecho do vídeo gravado pela jornalista Mayra Santos, de Belo Horizonte, explica em poucas palavras o motivo dela estar divulgando na internet o que viveu nos últimos 10 anos.
Problemas diversos de saúde, e aparentemente desconexos, a fizeram buscar inúmeros especialistas até que, no último dia 23 de julho, ela resolveu retirar o silicone aplicado nos seios. A partir disso, relata que se sente melhor a cada dia e não tem dúvidas de que as próteses a prejudicaram muito.
A SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), por sua vez, no que parece ser uma leve mudança de postura, admite que esse tipo de aplicação precisa ser melhor estudada e, pela primeira vez, divulgará dados de retiradas de implantes. A entidade, porém, reafirma o posicionamento de que esses procedimentos são, em sua maioria, seguros.
Exames normais e sem diagnóstico
A jornalista mineira colocou silicone pela primeira vez em 1990. Depois, foram outras quatro aplicações. A última, em 2016. Mayra sentia que algo não ia bem com sua saúde, em especial nos últimos dez anos. Fadiga extrema, perda de memória, formigamentos, queda e ressecamento de cabelo, unhas fracas, zumbidos no ouvido e dificuldade de interação social.
Há um ano e meio, o quadro piorou, com erupções na pele e dificuldade para respirar. "Ia a médicos e não tinha diagnóstico porque todos os meus exames davam normais", ela conta. Problemas emocionais eram o apontamento mais comum dos especialistas, até que um deles mostrou uma listagem com os mais de 40 sintomas da Síndrome Asia, causada, entre outras coisas, por essas próteses, de acordo com estudos atuais.
Mayra, então, resolveu retirar os 500 ml de silicone que tinha em cada seio. No vídeo em que gravou, ela mostra como ficaram. "Elas estão aparentemente íntegras, mas você nota espaços dentro. Ou seja, elas vazam".
Órgãos reguladores
De acordo com a jornalista, o modelo que utilizou na última aplicação estava reprovado pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), o que ela só descobriu ao pesquisar na internet recentemente, quando desconfiou que estaria com a síndrome.
Consultado pela reportagem, o Inmetro informou que "entre os ensaios realizados estão os de alongamento, tração, resistência, contaminação, entre outros", mas que a divulgação das marcas proibidas de serem comercializadas é de responsabilidade da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), órgão regulamentador do produto.
Segundo a Anvisa, qualquer prótese mamária sem registro na agência está proibida. O site para consulta é o http://portal.anvisa.gov.br/produtos/consultas. Há casos de modelos com registro ou parte de lotes suspensos por algum problema sanitário. Nesse caso, é possível saber em http://portal.anvisa.gov.br/produtos-irregulares#/.
Número de cirurgias
Não é possível afirmar, porém, que uma marca sem restrições não causará problemas. Para entender quais as recomendações oficiais aos cirurgiões plásticos, a reportagem conversou com a SBCP. A estimativa é que de cada 10 reconstruções de mama, por exemplo, 8 são feitas com as próteses em questão.
Anne Groth é membro titular da entidade e reforça a necessidade de mais estudos a respeito do tema. "Nem todos os implantes são iguais, é difícil generalizar. Não colocaria o rótulo de que é uma cirurgia perigosa. Não é exatamente isso. O que digo para as minhas pacientes é que, por exemplo, essa síndrome (Asia), até 2011, nem se comentava".
Os sintomas relatados por mulheres siliconadas são, em grande parte, inespecíficos, ela diz, podendo estar relacionados a outras causas. Groth cita um estudo realizado nos Estados Unidos pela Sociedade Americana de Cirurgia Plástica (ASPS, na sigla em inglês) sobre a satisfação de quase 100 mil mulheres, revelando números de implantes e explantes em 2019.
O levantamento apontou 299 mil colocações de silicone contra 33 mil retiradas. Comparando com 2018, por exemplo, houve queda de 4% no primeiro procedimento e aumento de 15% no segundo.
No Brasil, o censo da SBCP não informa quantas mulheres decidiram não usar mais as próteses. De acordo com Groth, isso deverá ser feito pela primeira vez no próximo levantamento. Sobre as aplicações, os números de 2019 ainda serão divulgados, e a estimativa é de 250 mil.
Caso a previsão se confirme, terá sido o segundo ano com o maior número de procedimentos em uma década, porém, com queda sobre 2018, quando foram feitas 275 mil cirurgias dessas.
É seguro?
O posicionamento atual da entidade é encarar o silicone como algo seguro para a maioria das pessoas, mas casos de retiradas por causa de complicações são um alerta. "É seguro para a grande maioria das pessoas, mas ele não é inerte talvez como a gente pensasse antes. A gente sabe que existem pacientes que reclamam de problemas com implantes", explica a cirurgiã plástica.
Ela própria recebe pacientes querendo retirar a prótese, mas relata também outros casos. "Tenho algumas pacientes que referiram melhoras depois da retirada do implante. E tem paciente que fez o explante, passou três anos e colocou de novo".
Ainda que os números de implantes dos dois últimos anos de indiquem um mercado aquecido no Brasil, o procedimento não tem mais tanto apelo assim, na avaliação do cirurgião plástico William Itikawa. As vantagens da retirada têm sido divulgadas a cada dia entre as mulheres. Itikawa continua realizando a colocação, mas em número bem menor, para casos de reconstrução de mama.
Ele lembra que é necessário trocar a cada 10 ou 12 anos, o que pode ser um impedimento para muitas, em especial em idades mais avançadas. E coloca em xeque a ideia de qualidade de vida para essas pessoas, além dos riscos.
"Ainda é um dispositivo médico seguro, legalizado, mas tem seus riscos". Por isso, prefere não fazer mais implantes.
Vejo muita complicação, muitas pacientes com problemas nas próteses. Não colocaria na minha filha, por que vou colocar na filha dos outros?
O cirurgião, no entanto, corrobora o entendimento da SBCP de que é necessário realizar mais pesquisas sobre os perigos. Segundo ele, a prótese tem um vazamento mínimo, que chama de microvazamento ou o "suor da prótese", e que pode ser absorvido pelo organismo.
Há, porém, dúvidas sobre os efeitos disso, com relatos de possíveis doenças autoimunes, síndrome Asia e linfoma, que são cânceres das células do sistema imunológico. "As próteses não são indicadas para pacientes com doença autoimune, com alguma alteração no sistema imunológico. Pode ter risco, mas não há uma contraindicação formal", explica.
No caso de problemas ou até mesmo suspeitas, é necessário retirar o silicone, não havendo como manipulá-lo no interior do corpo.
Professora demorou a aceitar que precisava retirar o implante
A professora Larissa de Almeida, de Fortaleza, colocou silicone em 2012, pois queria ter outra aparência estética, se sentia muito "magrinha".
Há dois anos, a memória já estava falhando constantemente em sala de aula, não conseguia mais fazer atividade física, sentia muita fadiga, problemas oculares e reprodutores. O médico disse ser raro e recomendou massagens nas mamas, mas não adiantou.
Com 36 anos e um filho, ela conta que demorou alguns meses para "aceitar" a necessidade do explante, até que decidiu retirar, em fevereiro do ano passado. "Quando tirei, minha qualidade de vida voltou, não tenho mais nenhum episódio como antes. Tenho disposição o dia inteiro".
Agora, ajuda a administrar dois grupos na internet de pessoas interessadas em conhecer o assunto, por curiosidade ou necessidade, o Doença do Silicone - Apoio ao Explante (Facebook), e, no Instagram, o @explantedesilicone. "Dá vontade de gritar para o mundo inteiro para não colocarem, para acreditarem na gente. Até passar e sentir tudo isso, a gente só acredita quando vive".
Cuidados ao decidir colocar silicone
Uma cirurgia plástica é um procedimento cirúrgico como qualquer outro e precisa de cuidados específicos, sendo portanto necessário escolher com muita atenção não só a clínica em que o procedimento será realizado, mas também o cirurgião plástico que fará o procedimento.
A SBCP-SP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - Regional São Paulo) recomenda que sejam procurados cirurgiões plásticos devidamente qualificados e serviços credenciados. O melhor caminho para esclarecer qualquer dúvida sobre procedimentos de cirurgia plástica é com um cirurgião plástico. O cirurgião tem a obrigação de explicar com detalhe os riscos associados à cirurgia.
Sinta-se livre para fazer perguntas. É natural sentir ansiedade, seja pela emoção pelo seu novo visual ou pelo estresse pré-operatório. E vale ressaltar que a parceria com o cirurgião não acaba quando termina a cirurgia. A relação deve continuar, mesmo porque os resultados da maioria dos procedimentos plásticos cirúrgicos são permanentes, porém podem ocorrer mudanças com o passar do tempo.
Referências: SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) e SBCP-SP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - Regional São Paulo).
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