Muito barulho está ligado ao estresse: como usar o silêncio a seu favor
Buzinas de carros, obras no bairro, música alta vindo do apartamento vizinho... Os incômodos que alguns barulhos causam é algo praticamente impossível de controlar, pelo menos para quem não tem a sorte de viver e trabalhar em uma pacata cidadezinha do interior (e olhe lá!) ou condições de se refugiar do mundo com a ajuda de janelas antirruído. Nas metrópoles, a poluição sonora está por toda parte e é preciso aprender a conviver com ela. Porém, existem sons no dia a dia que também podem atrapalhar o rendimento e causar estresse.
Provavelmente muita gente se deu conta disso durante o período de quarentena, por causa da necessidade cumprir as demandas profissionais em casa, dividindo as atenções com as aulas online dos filhos, as tarefas domésticas, as notícias da TV e todos os demais sons de um lar em plena movimentação. Tanta barulheira, obviamente, tem seu ônus: falta de foco, diminuição da concentração e uma dificuldade constante de "ouvir" os próprios pensamentos, ou seja, entrar em contato com sentimentos e emoções. Encontrar meios de incutir momentos de silêncio, ainda que curtos, na rotina é algo fundamental segundo especialistas.
De acordo com Henrique Bottura, psiquiatra e médico responsável pela área de ensino do Amjo (Ambulatório do Jogo Patológico e Outros Transtornos do Impulso) do Ipq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), nosso cérebro é afetado drasticamente pela poluição sonora local. "O organismo é uma 'máquina' de perceber o ambiente e utiliza as informações ao redor para escolher ações que o protejam ou favoreçam seu melhor funcionamento. Muitos ruídos configuram um excesso de estímulo que dificultam a tarefa do cérebro de focar no que é mais relevante e mais importante para ele naquele exato momento", explica.
Já a neurocientista Thaís Gameiro, sócia-proprietária da Nêmesis Neurociência Organizacional, no Rio de Janeiro (RJ), completa que ruídos constantes presentes em nosso ambiente acabam disparando uma resposta de estresse em nosso cérebro, produzindo hormônios como o cortisol. "Em excesso, ele prejudica nossa capacidade de concentração e retenção das informações. Além disso, a resposta de estresse provocada por ruídos considerados desagradáveis pode reduzir a quantidade de dopamina no córtex pré-frontal do cérebro, região importante para o desempenho eficiente de nossas funções cognitivas e executivas, como aprendizado, planejamento e tomada de decisão", diz Thaís, que também atua como professora convidada de Neurociências na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), na FGV (Fundação Getúlio Vargas) e na FDC (Fundação Dom Cabral), todas na capital carioca.
Eletrônicos colaboram neste cenário
O nível de exigência do sistema auditivo aumentou nos últimos anos, lembra Henrique Bottura, sobrecarregando o nosso sistema nervoso central com muitos estímulos concorrentes. "Um exemplo: durante os intervalos comerciais, o volume da TV fica mais alto. Hoje, se a geladeira ficar aberta toca uma campainha. Todo eletrônico desenvolvido tem uma estratégia sonora para engajar mais o usuário, o que diminui o silêncio", fala o psiquiatra.
As notificações de mensagens de celulares e computadores também são um tipo de interferência sonora que causam danos à produtividade, nos deixando num estado praticamente permanente de alerta. "Eles promovem a distração e a perda de foco, dificultando o aprofundamento cognitivo naquilo que se faz naquele momento. Sempre costumam orientar a todos os meus pacientes para que fujam das notificações sonoras ou vibratórias nos aparelhos eletrônicos", descreve Bottura.
O especialista explica que nossa consciência tem como prioridade estabelecer prioridades. "Se estou, por exemplo, dando uma entrevista e o celular vibra avisando que a tia Mariazinha está dando 'bom dia' no grupo da família no WhatsApp, perco a minha conexão com o propósito do que estou fazendo. E o que penso e sinto para compartilhar uma informação perde força", observa.
O uso excessivo dos eletrônicos faz com que não tenhamos praticamente nenhum momento livre de informações a serem processadas. "Não apenas o silêncio é menos desfrutado, mas qualquer possibilidade de deixar o cérebro entrar no estágio conhecido como 'ócio criativo'. Precisamos de instantes em que não fazemos nada, momentos contemplativos nos quais apenas deixamos a mente fluir livremente. São nesses períodos que criamos novas conexões e permitimos que novos rumos e ideias apareçam. Mas se estamos conectados 24 horas por dia, 7 dias por semana, essa possibilidade se torna cada vez mais remota", pontua Gameiro.
Como usar o silêncio para se acalmar
Silenciar a mente e realinhar a conexão com o nosso organismo é um processo importantíssimo para se ter autoconsciência. De maneira geral, as pessoas são menos treinadas em observar aspectos mais introspectivos, exigindo uma capacidade ainda maior de manter a atenção em elementos internos. O corpo, com suas sensações físicas e percepções, dialoga com a nossa consciência através de sentimentos e emoções que precisamos captar para ponderarmos, raciocinarmos e tomarmos decisões.
Limpar a poluição de estímulos que turvam a nossa mente do que é relevante ou não é um aprendizado que deve se converter em uma prática diária. Ficar em silêncio, às vezes até com uma musica de fundo, ajuda a termos consciência dessa complexa máquina que é o nosso organismo e onde a nossa vida acontece
Henrique Bottura, psiquiatra
Cinco minutos por dia são o período mínimo diário para que a ação de ficar em silêncio e em estado de relaxamento possam ajudar a "acalmar" a mente. "A prática da meditação também é interessante, já que reduz o estresse e a ansiedade, ameniza a dor, reduz a pressão arterial sanguínea, melhora a qualidade do sono, auxilia nas relações interpessoais e estimula o desempenho cognitivo. Este último atua na atenção e na memória de trabalho, que é aquela em que você decora números telefônicos para repetir depois", afirma Marcel Simis, diretor da APAN (Associação Paulista de Neurologia).
É importante procurar identificar em qual horário do dia sua rotina é mais calma e livre de imprevistos. "Defina um horário para fazer essa pausa, ache um lugar confortável em que você esteja seguro, possa fechar os olhos e se desconectar de todos os estímulos sonoros. Se preciso, use um fone ou tampão para os ouvidos. O importante é insistir e perceber como você se sentirá com a prática, pois ao notar mudanças positivas, será mais fácil manter o novo hábito", sugere Gameiro. Silenciar pela manhã para começar um novo dia ou mesmo para se preparar para uma boa noite de sono também podem ser bastante funcionais. O tempo necessário pode depender de técnica para técnica e de pessoa para pessoa.
Vale lembrar, conforme Gameiro, que os sons são estímulos sensoriais processados pelo nosso cérebro, assim como gostos, cheiros e imagens aos quais somos expostos a todo momento. Nosso cérebro tem uma capacidade limitada de processar todos esses estímulos que chegam a todo instante e, por isso, ele precisa priorizar aqueles que serão processados com maior precisão.
"Quando, de alguma forma, conseguimos reduzir uma dessas fontes de estímulos, como é o caso de ficar em silêncio, oferecemos ao nosso cérebro a oportunidade de prestar atenção e processar outras coisas, inclusive emoções e pensamentos que acabam ficando abafados pelo excesso de informação que chega a todo momento. Especialmente para os indivíduos que vivem nas grandes cidades, momentos de silêncio são raridade. Por isso, o silêncio pode trazer uma sensação de relaxamento, aliviando o estresse e aumentando o bem-estar", avisa a neurocientista.
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