Aumenta interesse da população por informações sobre aborto legal
O caso da menina de 10 anos que engravidou após ser vítima de estupro e realizou, na semana passada, a interrupção da gestação em um hospital de Pernambuco, ganhou repercussão nacional e reacendeu a discussão sobre o aborto no País. Com mais de 500 mil buscas, o assunto foi o terceiro mais pesquisado no Google no dia 16 de agosto, quando teve destaque nos noticiários.
A busca por termos relacionados - como estupro e gravidez - cresceu mais de 800% nos últimos sete dias na comparação com o período anterior. Os números evidenciam a necessidade de informação sobre o procedimento médico e o que determina a legislação brasileira sobre o tema.
"O abortamento é uma questão de saúde pública. É preciso que as pessoas entendam como é o procedimento, os riscos que ele apresenta e seu impacto no sistema público de saúde", explica o ginecologista Eduardo Zlotnik, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde) o abortamento é caracterizado pela perda do embrião ou feto (chamados de conceptos ou produtos da concepção) em até 22 semanas de gestação ou, na impossibilidade de definição do período, quando ele tiver até 500 gramas. Ele pode ocorrer de forma espontânea ou induzida e sua classificação médica acontece segundo a avaliação clínica da paciente, ou seja, a gestante.
Os abortos espontâneos ou naturais, tipos mais comuns de perda de gravidez, geralmente acontecem por problemas no desenvolvimento do feto e sangramento da gestante. São registrados em cerca de 10% das gestações.
Já o abortamento induzido ou provocado é permitido por lei no Brasil em apenas três situações: quando a gravidez apresenta risco à vida da gestante, quando é resultante de violência sexual e em casos confirmados de anencefalia fetal, ou seja, má formação do cérebro do bebê.
Os números no Brasil e mundo
De acordo com o Ministério da Saúde, entre janeiro e junho deste ano foram realizados 1.024 abortos legais no país. Enquanto isso, a estimativa é que, por ano, ocorra 1 milhão de procedimentos de forma clandestina.
Segundo o Mapa Aborto Legal, iniciativa criada para monitorar e compartilhar informações sobre as interrupções de gravidez permitidas por lei, hoje 76 hospitais brasileiros estão autorizados a realizar o procedimento nesses casos.
São Paulo é o estado com maior número de hospitais que realizam a técnica. Um deles é o Hospital Pérola Byington, na capital. Enquanto isso, para toda a região Norte há somente dois serviços de aborto legal.
No mundo, segundo estudo realizado pelo Instituto Guttmacher e publicado em 22 de julho pela revista científica The Lancet, foram 71 milhões de abortos inseguros entre 2015 e 2019.
Abortamento Inseguro
De acordo com a OMS, o abortamento inseguro é uma das principais causas das mortes maternas no mundo - cerca de 50 mil ao ano. Ele ocorre quando o procedimento é executado por pessoas sem as habilidades necessárias e em ambientes em desacordo com padrões médicos. Ou seja, quando não oferecem segurança às mulheres.
"Hemorragia intensa, aumento da dor pélvica, febre depois de 24 horas, corrimento com odor, trauma no colo do útero são alguns sintomas de complicações nestes procedimentos e que podem levar à morte", explica Zlotnik.
Segundo a OMS, os países gastam anualmente cerca de US$ 930 milhões por perda de renda por morte ou invalidez decorrentes de aborto. E o custo anual dos tratamentos de complicações menores do aborto são na ordem de R$ 23 milhões.
Atendimento Humanizado
Para melhorar a qualidade do atendimento de mulheres em situação de abortamento, em 2005 o Ministério da Saúde publicou a norma técnica Atenção Humanizada no Abortamento. O documento é um guia para profissionais da saúde com informações que vão dos aspectos ético-profissionais sobre o tema até informações sobre como receber as mulheres e oferecer a elas o melhor cuidado.
O mesmo documento define três tipos de procedimentos para esvaziamento uterino: abortamento farmacológico, aspiração manual intrauterina e curetagem uterina. Os três tipos podem ser utilizados nos dois primeiros trimestres de gestação.
Porém, pelo tamanho do embrião, no segundo trimestre é recomendado o uso de medicamento e depois a complementação com aspiração ou curetagem (cuja adoção deve ser reavaliada após o uso de medicação, pois nem sempre acontece o esvaziamento completo do útero).
- Abortamento farmacológico - uso de medicamentos, nas doses e frequências indicadas e de acordo com avaliação clínica da mulher, para interrupção da gravidez;
- Aspiração intrauterina -. Utiliza uma cânula acoplada a uma seringa que aspira os restos ovulares;
- Curetagem - é a raspagem da cavidade uterina para retirada de todo o material concebido.
Saiba mais:
- Não existe aborto legal sem consentimento da mulher. É preciso que ela autorize o procedimento. A exceção única é caso a continuidade da gravidez ofereça risco de morte e a mulher esteja impossibilitada de manifestar sua vontade;
- Não é necessário apresentar boletim de ocorrência, exame dos Institutos Médicos Legais ou autorização judicial para comprovar o estupro e ter direito ao aborto. Basta procurar uma unidade de saúde que realize o procedimento;
- Em casos de meninas com menos de 18 anos, a realização do aborto deve ser autorizada por um dos pais ou pelo responsável legal. A exceção é quando a vida da gestante está em risco;
- Diante de abortamento espontâneo ou provocado, o médico ou qualquer profissional de saúde não pode denunciar o fato à autoridade policial, judicial ou ao Ministério Público. O sigilo na prática profissional da assistência à saúde é dever legal e ético e o não cumprimento desta norma legal pode resultar no procedimento criminal, civil e ético-profissional contra quem revelou a informação, respondendo por todos os danos causados à mulher.
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