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Ginecologista: mulheres sentem-se mais acolhidas quando médico é da sua cor

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Imagem: Istock

Priscila Carvalho

Do VivaBem, em São Paulo

26/08/2020 12h02

"Quando estou ali, na prática, percebo que há preconceito, seja no SUS ou em consultórios particulares. Falta acolhimento, empatia. Algumas mulheres já relataram se sentir mais acolhidas quando o médico é da sua cor", essa afirmação é de Fátima Iyetunde Oladejo, ginecologista e obstetra com pós-graduação em medicina legal e perícias médicas pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo)

A falta de médicos negros reacende ainda mais o debate do racismo nos ambientes de saúde. De acordo com o CFM (Conselho Federal de Medicina), não há dados que mostrem quantos médicos negros atuam no país.

Oladejo ressalta que há casos, sim, de racismo nesse ambiente, mesmo que seja silencioso. "O racismo é discreto nesses ambientes de trabalho e podemos ver como age na saúde da população negra. A covid-19 é um grande exemplo, já que mais pessoas pardas e negras estão morrendo".

Outro ponto de atenção é a saúde das gestantes negras. Segundo Oladejo, a mulher preta tem mais índices de doença hipertensivas específicas da gravidez, aumentando o risco de mortes fetais e maternais.

Ou seja, o tratamento e o acolhimento durante o pré-natal são cruciais. "A própria violência obstétrica com mulheres negras pode ser mais comum devido a estereótipo. Já ouvi de outros médicos que mulher negra 'aguenta' mais porque tem quadril largo", afirma a ginecologista.

Realidade na pele

A paulista Thaysa Ferreira Araujo, 30, sentiu na pele a diferença de tratamento. "No meu último parto ouvi da médica que não podia gritar, que estava assustando outras mães. Em uma outra gestação, cheguei a ver uma outra mulher, mais negra do que eu que, ao tocar no jaleco do médico, pedindo para aliviar a dor, foi tratada de forma grosseira e ríspida", afirma.

Ela conta ainda que por ser mulher negra e morar na periferia a maioria de seus pré-natais são feitos em hospitais-escola e, muitas vezes, a paciente vira um "rato de laboratório". "Sempre sinalizo que minha gravidez é de risco e, quase sempre, recebo questionamentos se bebo, fumo, uso entorpecentes. É bem constrangedor".

A busca por referências também é quase impossível quando o desejo é por um atendimento de médico negro. "Nunca fui atendida por um, acho que o único profissional de saúde negro com quem tive contato foi, no máximo, uma enfermeira", finaliza.

Estudo

Um estudo publicado no periódico PNAS mostrou que a probabilidade de um bebê negro morrer é maior se o médico for branco. A pesquisa, feita por médicos dos Estados Unidos, mostrou que recém-nascidos negros morrem três vezes mais que os recém-nascidos brancos.

Para chegar a essa conclusão, os médicos analisaram os resultados dos exames de 1,8 milhão de nascimentos hospitalares no estado da Flórida entre 1992 e 2015, sugerindo um aumento significativo na taxa de mortalidade de bebês negros.

Para Larissa Cassiano, ginecologista, obstetra e colunista de VivaBem, embora o trabalho científico tenha trazido um ponto importante para a discussão do racismo no ambiente hospitalar, ele apresenta algumas falhas.

É um estudo retrospectivo, o que pode gerar dados errados na elaboração, já que na maioria das vezes é feito por meio de análise de questionários. Pode ser tendencioso, ou usando dados para corroborarem para o resultado que os autores querem.

A especialista ressalta ainda que os entrevistados podem responder sem comprometimento, principalmente se houve exemplo traumático ou impacto direto no tratamento. Nesse caso, a ginecologista ressalta que o mais indicado são estudos prospectivos, no qual há um acompanhamento dos bebês negros, dos brancos e seu desenvolvimento.

"O trabalho não conseguiu achar a causa dessa diferença entre a mortalidade de bebês negros e brancos. Mas claro que serve de alerta para ver como os recém-nascidos são tratados durante o pré e o pós-parto. Como médica negra, vejo que o trabalho reacende um debate e temos que pensar na questão social e no acolhimento desses bebês e mães", afirma.

Oladejo também concorda com as falhas do estudo, mas ressalta que essa é uma realidade constante nos atendimentos de mulheres negras no país.