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Covid-19: campanha de desinformação sobre vacina avança no Brasil

Grupos antivacina usam redes sociais para dar eco a conteúdo falso e gerar desconfiança sobre futura campanha de vacinação, mostra estudo de instituições ligadas à USP Ribeirão Preto - Getty Images
Grupos antivacina usam redes sociais para dar eco a conteúdo falso e gerar desconfiança sobre futura campanha de vacinação, mostra estudo de instituições ligadas à USP Ribeirão Preto Imagem: Getty Images

Thaís Cardoso

Jornal da USP

27/08/2020 10h13

Enquanto o mundo vive em meio à pandemia de uma doença grave e mortal, outra pandemia, mais sutil, vem se desenvolvendo, com efeitos igualmente perigosos. Trata-se de uma onda de desinformação envolvendo tanto a covid-19 quanto os esforços da ciência para encontrar, o quanto antes, uma vacina que possa preveni-la.

Um levantamento produzido pela UPVacina (União Pró-Vacina), um grupo de instituições ligadas à USP Ribeirão Preto que busca esclarecer informações falsas sobre vacinas, identificou um aumento de 383% em postagens com conteúdo falso ou distorcido envolvendo a vacina contra a covid-19 - ou seja, a desinformação quase quintuplicou em dois meses.

As preocupações trazidas pelo levantamento são reforçadas por um estudo recente realizado pelo grupo ativista Avaaz. Ele revelou que, entre 2019 e 2020, a desinformação ligada à saúde disseminada no Facebook foi acessada 3,8 bilhões de vezes em cinco países: Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Itália. Esse conteúdo tem um alcance quatro vezes maior que informações confiáveis provenientes de dez grandes instituições de saúde, entre elas a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA.

"Apesar da análise ser específica de grupos anti-vacina, a hipótese é que essas campanhas de desinformação continuarão se espalhando pelas mídias sociais conforme avançam as pesquisas das vacinas. Esses grupos representam apenas uma peça na engrenagem, mas se somam a outras redes de desinformação consolidadas durante a pandemia, constituindo um mecanismo muito mais complexo e abrangente. A preocupação é que o efeito da ação desse mecanismo coloque em risco futuras campanhas de vacinação contra a covid-19 e até mesmo a confiança geral nas vacinas", afirma o analista de comunicação do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP João Henrique Rafael Junior, que também integra a UPVacina.

O tamanho da desinformação

O tamanho da desinformação -  Flaticon e Freepik -  Flaticon e Freepik
A análise da UPVacina foi feita com base em postagens dos dois principais grupos antivacina brasileiros no Facebook
Imagem: Flaticon e Freepik

A análise da UPVacina foi feita com base em postagens dos dois principais grupos antivacina brasileiros no Facebook, os quais já haviam sido objeto de outro estudo da entidade em março. Entre os dias 1º de maio e 31 de julho, foram identificadas no total 155 postagens ligadas à vacina em desenvolvimento contra a covid-19. O volume de interações chama a atenção: foram 3.282 reações, 1.141 comentários e 1.505 compartilhamentos.

O ritmo do crescimento das postagens ao longo do tempo também impressiona. Durante todo o mês de maio, apenas 18 postagens abordavam assuntos ligados à vacina contra a covid-19. Em junho, elas chegaram a 50 e, em julho, a 87.

Analisando os números por períodos, em dois, há uma frequência maior na disseminação de conteúdo falso: entre 11 e 20 de junho e entre 21 e 31 de julho. Os picos coincidem com informações bastante difundidas pela imprensa e ligadas à temática. Entre elas estão o anúncio da parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac Life Science para a produção de uma vacina contra a covid-19; o início dos testes dessa vacina no País; e os primeiros testes, no Brasil, de outra vacina para combater a doença, desenvolvida pela Universidade de Oxford, do Reino Unido.

Assim como na análise anterior da UPVacina nos mesmos grupos, há um pequeno número de pessoas produzindo a maior quantidade das postagens. De acordo com a pesquisa, 56 autores foram responsáveis por todas as 155 postagens. Cinquenta deles publicaram 52% (81) do total e os outros seis, 48% (74).

A rede de desinformação envolvendo vacinas e a pandemia ultrapassa as fronteiras brasileiras - Flaticon e Freepik - Flaticon e Freepik
A rede de desinformação envolvendo vacinas e a pandemia ultrapassa as fronteiras brasileiras
Imagem: Flaticon e Freepik

Outro fato destacado pelo estudo foi a ampliação do idioma das postagens. Embora a maior parte (65,16%) seja de conteúdos em português, outras línguas como inglês (22,58%), espanhol (7,74%), italiano (1,94%) e até mesmo russo (1,29%) também aparecem. Isso comprova a tese de que a rede de desinformação envolvendo vacinas e a pandemia ultrapassa as fronteiras brasileiras.

Esmiuçando o conteúdo

A análise feita pela UPVacina mostrou que a grande maioria das postagens gira em torno de possíveis perigos e ineficácia das vacinas (24,52%), além de uma variada gama de teorias da conspiração (27,10%).

Porém, outras temáticas também se destacam pelo grau de desinformação que trazem. Uma delas já era bastante citada pelos grupos antivacina: a de que vacinas podem alterar o DNA dos seres humanos, que aparece em 14,84% das postagens.

A informação já foi objeto de checagem por várias agências especializadas. Uma das tecnologias mais recentes usa uma molécula geneticamente modificada para produzir determinada parte de um microrganismo dentro do corpo humano, estimulando, dessa forma, a produção de defesas. Utilizada na vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, a técnica é segura e não tem a capacidade de interferir no DNA humano.

Dados mostram assuntos abordados por grupos anti-vacina da Covid-19 em rede social  - Flaticon e Freepik - Flaticon e Freepik
Dados mostram assuntos abordados por grupos anti-vacina da Covid-19 em rede social
Imagem: Flaticon e Freepik

Outro alvo tradicional de grupos antivacina que está sendo utilizado como tema em 14,19% das postagens é o empresário americano Bill Gates. Conhecido por ser um dos fundadores da Microsoft, ele também fomenta pesquisas e o desenvolvimento de vacinas, patrocinando estudos por meio da Fundação Bill and Melinda Gates. As postagens geralmente associam essa atividade a um possível controle populacional realizado a partir das vacinas ou até mesmo a teorias da conspiração envolvendo o controle da mente humana usando chips implantados com a aplicação dos imunizantes.

Embora as empresas responsáveis pela gestão de redes sociais como o Facebook, o Instagram e o YouTube afirmarem que estão se esforçando para combater a veiculação de notícias falsas, o que se percebe na pesquisa realizada pela UPVacina é que as ações não têm sido eficazes. Do total de 155 postagens analisadas, apenas 17, ou seja, aproximadamente 11%, foram marcadas pelo Facebook como conteúdo falso.

Combatendo a desinformação

Um dos objetivos das instituições envolvidas na UPVacina ao criar essa iniciativa foi justamente combater os efeitos da desinformação gerada por conteúdos falsos na rede. Por isso, foi criado um manual para esclarecer as principais informações falsas encontradas durante a pesquisa e também outras relacionadas à temática geral das vacinas.

A confecção do manual ficou sob responsabilidade de Wasim Syed e Nathália Pereira da Silva Leite, que, além de integrantes da UPVacina, são estudantes dos cursos de Farmácia e Biologia da USP Ribeirão Preto. O resultado é um material abrangente e de linguagem compreensível para quem não tem conhecimento técnico na área, que está disponível em uma versão interativa e outra em formato de guia. Posts feitos a partir dele também serão compartilhados semanalmente nas mídias sociais do grupo e da Vidya Academics

Há muita informação sendo publicada sobre vacinas – Crédito arte: Flaticon e Freepik - Flaticon e Freepik - Flaticon e Freepik
Há muita informação sendo publicada sobre vacinas
Imagem: Flaticon e Freepik

Para Nathália, o momento é crucial para a publicação de um manual como esse.

"É um cenário em que há muita informação sendo publicada sobre vacinas, então gera um interesse da população em saber o que está acontecendo. As publicações resultantes de estudos em formato de artigo científico não são produzidas pensando em alcançar todo tipo de leitor e acabam ficando à mercê da interpretação de terceiros sobre elas. É fundamental que haja produção de conteúdo científico de qualidade que também converse com todas as pessoas", afirma.

Wasim acredita que o documento servirá de base para um diálogo com pessoas afetadas pela desinformação e com os que ainda rejeitam a ideia de se vacinar. "Algo interessante nessa pesquisa foi descobrir que a desinformação sobre vacinas, em geral, é recorrente há anos e sempre é reciclada, utilizando novos elementos para a narrativa. Refutando esses argumentos e disponibilizando os dados corretos ao público, esperamos que o debate seja mais informado e rico, além de ajudar a combater o avanço das redes de desinformação em saúde e de grupos antivacina no Brasil, especialmente nas redes sociais", destaca.