Cientistas testam rejuvenescer órgãos para viabilizá-los para transplante
Os órgãos de pessoas mais velhas, que normalmente são descartados ou não utilizados para transplantes, agora podem passar por um processo que os deixariam viáveis. A pesquisa foi publicada hoje (27) na revista Nature Communications. Os pesquisadores do Brigham and Women's Hospital estão avaliando uma nova classe de medicamentos, os senolíticos, que eliminam as células velhas.
Usando estudos clínicos e experimentais, a equipe apresentou evidências de que as drogas senolíticas podem ajudar a rejuvenescer órgãos mais velhos, o que pode aumentar o número de órgãos elegíveis para doação.
"Se pudermos utilizar órgãos mais antigos de forma segura com resultados comparáveis, daremos um passo substancial para ajudar os pacientes", disse Stefan G. Tullius, autor do estudo, chefe da Divisão de Cirurgia de Transplante do Brigham.
À medida que os órgãos envelhecem, as células senescentes (processo metabólico ativo associado ao processo de envelhecimento), se acumulam. Essas células, que não se dividem mais, escapam dos meios usuais do corpo para destruir células mais velhas e desnecessárias.
As células senescentes liberam DNA mitocondrial livre de células (mt-DNA), que também se acumula em órgãos mais velhos. Durante essa pesquisa, os cientistas identificaram as células senescentes como a principal fonte de mt-DNA e mostraram evidências de que o acúmulo de mt-DNA provoca uma resposta imunológica que leva à falha e rejeição de órgãos.
Nesse aspecto, as drogas senolíticas forçam as células senescentes de volta ao ciclo celular, permitindo que o corpo as elimine. Partindo dessa perspectiva, os pesquisadores examinaram se as drogas senolíticas poderiam ser usadas para melhorar os resultados.
Como foi feito o estudo?
A pesquisa foi feita em camundongos. Eles trataram doadores de órgãos com uma combinação das drogas senolíticas dasatinibe e quercetina. As drogas reduziram o número de células senescentes, os níveis de mt-DNA e diminuíram a inflamação.
E o mais importante: a sobrevivência de órgãos velhos tratados com senolíticos era comparável à de órgãos originados de doadores jovens.
No entanto, vale ressaltar que, como os autores realizaram seus experimentos em um modelo de camundongo, são necessários mais estudos para avaliar se as drogas senolíticas podem ter os mesmos efeitos em humanos doadores mais velhos e o mesmo sucesso na eliminação de células senescentes.
Os pesquisadores já deram os primeiros passos em humanos e determinaram que níveis aumentados de mt-DNA circulam em doadores de órgãos mais velhos.
"Ainda não testamos os efeitos clinicamente, mas estamos bem preparados para dar o próximo passo em direção à aplicação clínica usando um dispositivo de perfusão para fazer o fluxo de drogas senolíticas sobre os órgãos e medir se há ou não melhorias nos níveis de células senescentes", disse Tullius.
"O objetivo é ajudar a fechar a lacuna entre a disponibilidade de órgãos e a necessidade de muitos pacientes atualmente em listas de espera para transplante", conclui.
E no Brasil, como estão os transplantes?
O número de transplantes de rins, fígado, coração e pâncreas registrado em abril de 2020 é 34% menor do que no mesmo período do ano passado. Os dados são da ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos), que relaciona a queda à pandemia do novo coronavírus.
Atualmente há 45.636 pessoas na lista de espera por transplantes de órgãos no país, Desde que a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou pandemia, em março deste ano, os transplantes de rim, que representam 66.89% da lista de órgãos doados, foram os que registraram maior queda. Este ano foram 477 - 33 a menos que no mesmo período do ano passado. Para transplantes de coração, o número de procedimentos realizados no mês de março caiu para 25 - em 2019 haviam sido 37.
Segundo a ABTO, colaboram para a diminuição dos transplantes, entre outros fatores, o medo de pacientes e doadores de se contaminarem no deslocamento até os hospitais, a falta de leitos específicos em UTIs, - já que a maior parte está reservada para pacientes com a covid-19, e dificuldade de acesso às famílias de possíveis doadores.
Além disso, com exceção das cirurgias de urgências, muitos transplantes foram praticamente paralisados nos últimos meses. Ou seja, só estão sendo transplantados os pacientes que realmente não conseguem esperar.
Em abril desse ano, o Ministério de Saúde e a Anvisa também emitiram uma nota técnica em que consta a recomendação de não realizar transplantes de órgãos retirados de pessoas que morreram em decorrência de covid-19.
Negativa da família é outro problema
De acordo com a ABTO, a negativa familiar é um dos principais motivos para que um órgão não seja doado no Brasil. No ano passado, 43% das famílias recusaram a doação de órgãos de seus parentes após morte encefálica comprovada.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, no ano passado, das 6.476 entrevistas familiares para autorização de doação, houve 2.716 negativas, somando 42%, número que vem se mantendo praticamente constante ao longo dos anos.
"O transplante só pode ocorrer se houver doação de órgãos. Se eu estivesse na lista [de espera por órgão], eu iria gostar de receber [o órgão]. Então, por que não doar? A doação é uma troca. E há muito mais possibilidade de uma pessoa estar na fila [por um transplante] do que ser um doador, três a quatro vezes mais possibilidade", lembra Valter Duro Garcia, médico responsável pelos transplantes renais na Santa Casa de Porto Alegre e editor do Registro Brasileiro de Transplantes, além de membro do Conselho Consultivo da ABTO.
O médico afirma que uma das razões para a recusa dos parentes em doar órgãos é a falta de conhecimento sobre o que é a morte encefálica, um processo "absolutamente irreversível".
*Com informação de reportagens dos dias 11/05/2020 e 26/05/2020.
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