Marina Amaral: "Autismo explicou minha obsessão pela colorização digital"
Aos 26 anos, a colorista Marina Amaral é dona de um talento raro —e fruto de muito treino. Em um processo que exige muita pesquisa e bastante atenção aos detalhes, ela dedica seus dias a devolver cores para fotos tiradas em diferentes períodos históricos.
O que é hoje seu ofício começou como hobby quando ela encontrou, em 2015, uma coleção de fotos colorizadas da Segunda Guerra Mundial. Apaixonada por história e com uma boa noção de Photoshop —software de edição de imagens—, já que passava horas assistindo a tutoriais desde os 12 anos de idade, ela decidiu tentar aprender o método por conta própria.
"Fiquei encantada e, desde esse dia, nunca mais parei de praticar", diz Marina, que conta ter passado noites em claro explorando técnicas. Para escolher quais tons serão colocados em cada parte da imagem, uma pesquisa minuciosa é feita pela artista.
"Me dediquei intensamente desde o primeiro minuto, de uma forma tão profunda que me esquecia até de fazer tarefas comuns, como dormir. Tinha uma urgência para evoluir, estudar, aprender técnicas novas, alcançar resultados cada vez melhores", conta. Foi só recentemente que ela descobriu que a obsessão, que antes atribuía à paixão, é um dos sinais de autismo, chamado de hiperfoco.
Diagnóstico veio na vida adulta
Foi com a ajuda de sua amiga Andréa Werner, que é ativista e mãe do Theo, um menino de 11 anos com autismo, que Marina chegou ao seu próprio diagnóstico.
"Quando comecei a encontrar a Marina pessoalmente, que antes era minha amiga virtual, notei, pelo comportamento dela e por relatos que ela fazia, alguns sinais claros de quem está no espectro. Sutilmente, fui introduzindo o assunto e ela foi muito receptiva", diz Andréa, que se dedicou a fundo ao assunto por causa do filho, e hoje é ativista pela defesa do direito dos autistas e pessoas com deficiências.
Depois de consultas com uma psiquiatra, Marina recebeu o diagnóstico de autismo tipo 1, o mais leve. "Foi, e ainda está sendo, bem transformador, mas de uma maneira absolutamente positiva. Acredito que alguns dos sinais sempre foram bastante claros desde a minha infância. Passei por diversos psicólogos e psiquiatras ao longo da vida, tanto pela minha ansiedade, que sempre foi extremamente forte, quanto por outras dificuldades, principalmente no quesito interações sociais", explica Marina.
Autismo é subnotificado em mulheres, especialmente adultas
O diagnóstico do autismo é feito de forma totalmente clínica (por observação e relatos das características), e separado em três classificações, de acordo com o nível e o suporte que o paciente requer —pacientes com grau três, por exemplo, são aqueles que precisam de supervisão total. Somente há pedidos de exames neurológicos quando o psiquiatra suspeita de outros quadros.
No caso do autismo leve, a identificação é difícil. Os sintomas são sutis, especialmente no sexo feminino. De acordo com um estudo feito na Suécia, a estimativa chega a ser de 10 meninos diagnosticados para cada menina. Isso é demonstrado, inclusive, na representação cultural. Quando os seriados e filmes apresentam protagonistas autistas, geralmente são homens, como em Rain Man, The Good Doctor (O Bom Doutor) e Atypical.
"Isso por que há diferenças neurológicas entre os cérebros masculinos e femininos. As mulheres, em geral, tendem a verbalizar mais seus pensamentos e sentimentos, e são mais atentas às reações das pessoas à sua volta, o que as torna mais competentes no âmbito da reciprocidade social", aponta Raquel Del Monde, psiquiatra especializada em Infância e Adolescência pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
O contexto social, de acordo com a especialista, aumenta essa camuflagem feminina. "Os interesses dos meninos também costumam divergir mais dos colegas na infância. Muitos têm hiperfoco em ventiladores, aspirador de pó, placas de trânsito... Enquanto as meninas não destoam tanto", explica.
O caso de Marina segue a lógica dessa estatística —de acordo com ela, ninguém foi capaz de juntar os pontos e perceber antes. "Os sinais são frequentemente confundidos com TDAH, ansiedade generalizada, esquizofrenia. É preciso encontrar um profissional muito capacitado."
Preconceito e tabus sobre autismo ainda são comuns
Antes do diagnóstico, Marina conta que tinha certo preconceito, assim como muita gente que não conhece muito sobre o autismo, porque se baseava em estereótipos mostrados em filmes. "Autistas são normalmente retratados como gênios, e é um erro muito grande aceitar essas generalizações", diz.
Para outros, o quadro é sinônimo de incapacidade. "Também escutei muitas vezes que era impossível eu estar no espectro porque 'autista não trabalha, não estuda, não tem amigos.' É tudo muito extremo. As pessoas não compreendem que existem muitas nuances, e que cada autista tem sua história e sua individualidade. Falar de neurodiversidade é o primeiro passo para uma sociedade mais inclusiva e menos ignorante", afirma Marina.
O que devemos ter em mente, de acordo com a psiquiatra Raquel Del Monde, é que o autismo é formado por muitas características diferentes, sendo mais ou menos fortes dependendo de cada pessoa. "As configurações atípicas não são melhores nem piores, são apenas diferentes", explica.
Diagnóstico é identidade
Uma criança que tem o diagnóstico cedo, explica Raquel, recebe direcionamento e é poupada de frustrações —para o pequeno e para os pais. "Conhecendo o autismo, a família ganha capacidade para se ajustar. Percebemos a mudança gerada só pelo simples fato de os pais entenderem que não estão falhando. Muitos deles carregavam culpa. É algo transformador", esclarece Del Monde.
Para a colorista, a descoberta não foi um choque, nem motivo para tristeza. "Foi um alívio, na verdade, porque explicou muitas questões particulares que antes não faziam sentido. Tenho certeza de que se o autismo não fosse parte de quem eu sou, não teria nem o talento, nem a oportunidade, nem essa obsessão que tive para desenvolver minhas técnicas", afirma Marina.
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