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Covid: população de cidades com redução na infecção tem queda de anticorpos

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Carlos Madeiro

Colaboração para VivaBem, em Maceió

31/08/2020 04h00

Cidades que registraram as primeiras reduções no ritmo das infecções da covid-19 já percebem em inquéritos sorológicos que os moradores apresentam cada vez menos anticorpos para o novo coronavírus.

O índice medido nessas pesquisas é o IgG, anticorpo produzido na fase tardia da infecção e geralmente detectável a partir do 15º dia de sintomas. É ele que defende o organismo de uma reinfecção.

A temporalidade da imunidade era algo esperado, e os casos de reinfecções confirmados pelo mundo mostram que ainda temos muito a entender sobre imunidade —que não se resume a anticorpos— no caso de covid-19.

Cidades no Norte e Nordeste

Em Teresina —capital que realiza o inquérito sorológico mais antigo (que já está na 18ª etapa) e completo do país—, a pesquisa entre os dias 24 e 26 de julho estimou em 107.587 o número de moradores que tinham infecção remota, ou seja, com anticorpo IgG positivo e IgM (reagente indica que a infecção está na fase ativa) negativo.

A partir dali, cada pesquisa posterior foi apresentando queda no percentual de pessoas com os anticorpos até que, na última etapa, entre 21 e 23 de agosto, esse número caiu para 34.594, menor patamar desde o início de junho.

Apesar de ter realizado apenas duas fases do inquérito, movimento semelhante ocorreu em outra capital que foi uma das primeiras a sair do pico da epidemia: Fortaleza. Na primeira fase da testagem, que investigou 3.300 pessoas entre 2 e 15 de junho, 14,2% dos fortalezenses já tinham anticorpos contra a covid-19. Entre 13 e 20 de julho, esse percentual caiu para 13,1%.

Outro levantamento que mostra queda de IgG é a Epicovid, coordenada pela UFPel (Universidade Federal de Pelotas) —a pesquisa é hoje o maior inquérito nacional que faz análises em 83 cidades ao mesmo tempo. No caso da região Norte —primeira que começou a ter queda no número de novos casos e mortes no Brasil— é perceptível que algumas cidades que saíram do pico mais cedo apresentam queda nos percentuais de IgG.

Em Manaus, por exemplo, a população estimada com esse tipo de anticorpo caiu de 14,6%, na fase 2 (entre 4 e 7 de junho), para 8% na fase 3 (entre 21 e 24 de junho).

A queda em todos esses locais pode ser associada ao tempo de infecção médio da maioria da população e do grau de redução da epidemia.

IgG é apenas parte da imunidade

Apesar de ainda estarmos longe de entender como será a imunidade humana para o novo coronavírus, a experiência e os estudos apontam que esse anticorpo IgG desaparece entre três e quatro meses. Apesar de pouco tempo, pesquisadores afirmam que não há motivo para desespero e que ainda faltam muitas respostas —que só virão com o tempo.

Para Alessandro Farias, professor de imunologia e coordenador da área de diagnóstico da força-tarefa da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o IgG deve ser visto apenas como uma parte da defesa do corpo, e que seu "sumiço" não quer dizer que a pessoa está suscetível a uma nova infecção.

Existem dois tipos de resposta: uma é essa de anticorpo, que é mais fácil de entender e medir; outra é pela memória celular. E parece que a resposta de memória desse vírus celular é melhor que a por anticorpo e dura mais tempo.

A memória celular funciona como uma espécie de "treinamento" feito durante a primeira infecção. Assim, em caso de uma reentrada do vírus no organismo, o corpo reage de forma mais célere e eficiente contra um inimigo que ele enfrentou e expulsou.

A maior dúvida hoje é saber por quanto tempo essa memória seguirá ativa. "O IgG, pelos estudos que temos, dura em torno de quatro meses. É pouco tempo, mas pelo menos você não tem uma memória curta. É isso que vemos porque quem teve reinfecção não apresentou sintomas, e a memória celular parece estar bem preservada", explica.

Segundo ele, não há como prever o tempo de duração dessa memória, já que há casos em que as células conseguem "memorizar" a defesa por toda a vida, enquanto em outros isso é curto. "Isso depende, como tudo em imunologia. A vacina antitetânica, por exemplo, você toma de 10 em 10 anos porque é o tempo em que a memória cai. Tem outras que você toma uma vez e a memória fica para sempre. Outras não dura nem um ano. Mas esse é um conhecimento que se adquire ao longo do tempo, só assim a gente vai saber. É preciso lembrar que temos somente nove meses desse vírus em humanos", salienta.

Ainda há uma outra questão levantada por Antônio Silva Lima Neto, epidemiologista, pós-doutor na Escola de Saúde Pública de Harvard (EUA) e professor da Unifor (Universidade de Fortaleza). "Às vezes, isso ocorre por conta do vírus ser de diferente linhagem, como foi o caso lá de Hong Kong. Pode ser que ele tivesse anticorpos neutralizantes, mas com outra linhagem ele não funciona", explica.

Para Lima Neto, é preciso entender também que nem todas as pessoas que tiveram a infecção pela primeira vez criam anticorpos. "Por exemplo: tem gente que toma vacina contra o sarampo e não desenvolve anticorpo e pode pegar a doença. Tem gente que tem covid-19 e não desenvolve anticorpo ou imunidade celular e pode pegar novamente. Então, esse caso é como se na primeira infecção não tivesse produzido defesa, e aí a segunda ocorre por isso", pontua.

Mas reinfectado vai adoecer e transmitir?

Fernando Rosado Spilki, presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia), concorda que a queda do anticorpo ao longo dos meses é algo esperado, mas ainda precisa ser mais estudado.

A questão da reinfecção não é algo completamente inédito, nem nos surpreende tanto assim. Mas não necessariamente isso quer dizer —até porque existe imunidade celular também que não é baseada em anticorpos— que o indivíduo esteja completamente suscetível a uma nova infecção, que ficará doente de novo, ou que ele vai transmitir em níveis altos. Isso ainda tem que ser estudado, porque é a pergunta relevante.

Para ele, mesmo a confirmação das reinfecções não quer dizer que o indivíduo não está imune. "Talvez ele esteja imune aos sinais clínicos, por exemplo, que é o que está sendo observado. Se ele estiver protegido de sinais clínicos, se tiver uma transmissão mais baixa ou ele não transmitir o vírus, então tudo bem. Essa é a imunidade que precisamos, é exatamente o que buscamos com as vacinas, até porque bloquear completamente infecções é muito difícil", diz.

Ele ainda pontua que é preciso levar em conta que os estudos sorológicos são feitos com testes que não são 100% precisos, e que com o tempo o IgG pode não ser detectado. "Esses estudos utilizam testes que servem para um levantamento de base populacional, para tirar uma 'foto' de como, mais ou menos, está a situação. Mas alguns testes falham bastante. Então essas variações têm que ser interpretadas com cautela, porque pode ser que não necessariamente a gente esteja vendo uma perda de anticorpos, mas uma questão inerente a limitação do teste", explica.

Anticorpos são tão importantes assim?

Anticorpos atacando célula de vírus para a corrente sanguínea - iStock - iStock
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Vera Magalhães, doutora em infectologia, pesquisadora e professora de doenças tropicais da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) assegura que a queda de anticorpos IgG era algo esperado pelo tempo das infecções nessas cidades e não deve ser visto como algo preocupante por ora.

Existe uma imunidade transitória, sabemos disso, não por quanto tempo. O CDC [Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos] acredita que ela dura pelo menos três meses. Mas não é só pela presença ou ausência de anticorpos, porque a imunidade é uma questão muito mais ampla.

Além disso, ela afirma que ainda é cedo para saber o impacto exato que a queda dos anticorpos causará na defesa do organismo. "Em algumas viroses, a gente sabe que os anticorpos são importantes, tanto que a gente faz o acompanhamento da questão da imunidade para pensar até em revacinar o paciente pelos níveis desses anticorpos. Isso não é infrequente na prática médica. Mas os anticorpos que são medidos no teste sorológico disponível são os IgG, mas não necessariamente eles se relacionam com exames neutralizantes. É possível que sim, mas os estudos ainda não são consistentes. A gente vai construir um conhecimento pelos estudos e pela vivência que temos também em outras infecções", explica.

Ela afirma ainda que mesmo que a queda de imunidade comece a acarretar reinfecções, não há uma perspectiva de que ela ocorrerá em todos os indivíduos já infectados.

"A reinfecção já estava sendo suspeitada havia muito tempo, mas ela também não é tão abundante. Eu já vi um estudo em que dizem que é possível uma reinfecção em 5% a 15% dos casos. Mas isso precisa se considerar o tempo que a gente está observando. Se a gente pensar em um período de três anos, por exemplo, a gente certamente terá mais casos de reinfecção do que isso. Mas hoje não temos como saber ainda", lembra.

Outro fator que ela chama a atenção é que, mesmo que essa imunidade de quem contraiu o vírus seja curta, não significa que o efeito da vacina terá a mesma duração.

Existem outras doenças em que a imunidade da infecção natural é menor, mais transitória, menos duradoura do que a da vacina. Mas isso só o tempo dirá.