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Substância reverte dano à fertilidade causado em vermes por bisfenol-A

Bisfenol A é uma substância muito comum - iStock
Bisfenol A é uma substância muito comum Imagem: iStock

Marcelo Canquerino

Do Jornal da USP

06/09/2020 04h00

A exposição das pessoas a substâncias que podem alterar a saúde e levar a danos graves no futuro é muito grande, e praticamente inevitável, atualmente. Uma delas é o bisfenol-A (BPA), um plastificante usado em mamadeiras, copos infantis, embalagens e utensílios, entre outros, que vem sendo largamente estudado pelos cientistas.

Um dos problemas que ele causa está relacionado a fertilidade. Em seu pós-doutorado, na Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, a bióloga Maria Fernanda Hornos Carneiro, da FCFRP USP (Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo), realizou testes em laboratório com o antioxidante coenzima Q10 e conseguiu reverter a redução da fertilidade causada pela exposição prolongada ao BPA em vermes da espécie Caenorhabditis elegans.

O estudo foi realizado em Harvard graças a uma bolsa de pesquisa no exterior concedida pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). No Brasil, Maria Fernanda já vinha estudando a toxicidade dos disruptores endócrinos, também conhecidos como perturbadores ou desreguladores endócrinos: são substâncias que alteram os hormônios e o sistema endócrino, entre elas, o BPA e o BPS (bisfenol S).

"Entrei em contato com a professora Monica Colaiacovo, que orientou esta pesquisa, pois queria me desafiar e fazer um estudo fora. Ela vinha publicando trabalhos na área de disruptores endócrinos e já havia trabalhado com o BPA", conta Maria Fernanda ao Jornal da USP.

De acordo com a pesquisadora, os vermes da espécie Caenorhabditis elegans foram escolhidos pelos benefícios ao estudo, como apresentar uma semelhança de 60 a 80% com o DNA humano, além de não serem patogênicos, terem fácil cultivo e serem multicelulares.

O principal objetivo do trabalho foi corroborar os problemas de fertilidade causados pelo BPA e ver se a coenzima Q10 conseguia reverter tais danos. "Além de vermos os efeitos negativos do contaminante estaríamos estudando uma estratégia de proteção porque a coenzima Q10 se mostrou protetiva e benéfica a saúde reprodutiva alterada por esse contaminante", explica Maria Fernanda.

Estudo reprodutivo

Os vermes foram expostos ao BPA desde a fase de ovos até a adulta para que fosse possível imitar a situação que acontece com o ser humano. De acordo com a pesquisadora, desde a gestação uma pessoa é exposta aos disruptores endócrinos:

Alguns [disruptores endócrinos] têm capacidade de cruzar a barreira placentária, por exemplo. Somos expostos muito cedo, até a vida adulta, e muitas vezes é só nessa fase que a pessoa se dá conta de que tem algum problema reprodutivo

Depois de estabelecida uma medida de BPA que gerasse danos (500 ?M, micromolar) foram feitas diversas análises para avaliar os efeitos de recuperação proporcionados pela coenzima Q10. O primeiro deles mostrou que o contaminante estava gerando mais quebras no DNA durante a meiose, divisão celular que gera os gametas. Esse processo de quebras é natural e acontece, inclusive nos humanos, durante o chamado crossing over onde há troca de material genético entre os cromossomos homólogos que garante maior variabilidade da espécie.

Entretanto, no caso dos vermes expostos somente ao BPA, a pesquisadora constatou que houve um número de quebras significativamente maior, e no verme exposto tanto ao BPA quanto a coenzima Q10, um número bem mais baixo de quebras, mostrando o efeito protetor do antioxidante. "A presença do contaminante gerou mais quebras provavelmente pelo aumento do estresse oxidativo", relata.

Outras duas análises mostraram que os danos causados no DNA pelo bisfenol-A estavam levando a morte das células e as poucas células com problema que conseguiam chegar na fase de oócito (que precede a formação do ovo) apresentavam diversos defeitos. Esse resultado já era esperado pois vermes expostos ao contaminante apresentavam ovos que não eclodiam, decorrentes destes defeitos.

Bisfenol A e Coenzima Q10 - Reprodução - Reprodução
Na imagem da esquerda é possível ver como seis pares de cromossomos (em sua forma bivalente) do oócito estão quando expostos ao bisfenol-A. Os defeitos gerados pelo disruptor endócrino incluem fragmentação, deformidade e agregamento. Já na imagem da direita, é possível ver como os cromossomos ficaram com a exposição do bisfenol-A juntamente da coenzima Q10
Imagem: Reprodução

Mais um dado trazido pela pesquisa foi a disfunção mitocondrial causada pelo BPA. As mitocôndrias são organelas responsáveis pela produção de energia das células. "Usamos um corante que tinge a mitocôndria saudável. Quando as células do verme estavam expostas ao bisfenol-A nós enxergamos elas menos brilhantes. Já com a administração da coenzima Q10 notamos uma recuperação", detalha a pesquisadora.

Por último, foram feitas análises da primeira divisão por mitose do embrião. "O ensaio foi feito com o verme vivo. Aqui queríamos ver defeitos no embrião causados pelo BPA e, como ele é hermafrodita, o processo acontece dentro dele mesmo. Pegamos exatamente no ponto em que o embrião passa de unicelular para duas células, e então fizemos a contabilização de defeitos e vimos principalmente a formação de pontes do material genético", explica.

Importância do debate sobre os disruptores endócrinos

As principais conclusões da pesquisa mostraram que o BPA gera uma disfunção nas mitocôndrias que provavelmente está relacionada com o aumento de espécies reativas de oxigênio que causam problemas no DNA. O uso da coenzima Q10 consegue reverter estes problemas mesmo com uma exposição contínua do contaminante.

O debate acerca da presença dos disruptores endócrinos no ambiente é de extrema importância. De acordo com a cientista "em termos do que podemos fazer agora o principal é a prevenção. Outras atividade que eu acho que devem ser trabalhadas ao longo dos anos é a melhora dos estudos na área de toxicologia". Outro ponto levantado por ela está relacionado ao desenho de materiais mais seguros:

"A química tem que andar de mãos dadas com a toxicologia para que, no futuro, produzamos materiais que não gerem problemas para o meio ambiente e no final para nós mesmos", finaliza.