Setembro Amarelo: quem fala sobre tirar a vida deve ser levado a sério
Hoje (10) é Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, uma das principais causas de mortalidade no Brasil e no mundo. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio no mundo. Calcula-se que, aproximadamente, um milhão de casos de mortes por suicídio são registrados por ano em todo o mundo.
As razões podem ser bem diferentes, porém muito mais gente do que se imagina já pensou em suicídio. Segundo estudo realizado pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), 17% dos brasileiros, em algum momento, pensaram seriamente em dar um fim à própria vida e, desses, 4,8% chegaram a elaborar um plano para isso. Em muitos casos, é possível evitar que esses pensamentos suicidas se tornem realidade.
A primeira medida preventiva é a educação. Durante muito tempo, falar sobre suicídio foi um tabu, havia medo de se falar sobre o assunto. De uns tempos para cá, especialmente com o sucesso da campanha Setembro Amarelo, esta barreira foi derrubada e informações ligadas ao tema passaram a ser compartilhadas, possibilitando que as pessoas possam ter acesso a recursos de prevenção.
Na edição deste ano, a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) em parceria com o CFM (Conselho Federal de Medicina) tem como mote "É Preciso Agir", cujo foco é buscar maneiras de agir efetivamente na prevenção, encaminhando as pessoas ao tratamento correto, evitando que ocorram novas tentativas, protegendo a vida do paciente e de quem convive com ele.
Falar abertamente sobre o assunto é muito importante. Você, por exemplo, já parou para pensar o que leva uma pessoa a se matar? Já imaginou como se sente quem quer dar um fim à própria vida? Ou já se perguntou como pode ajudar alguém nessa situação? Essas são algumas das questões colocadas em uma cartilha do CVV (Centro de Valorização da Vida), que oferece apoio emocional e prevenção do suicídio por telefone (188), e-mail, chat e pessoalmente. O atendimento é voluntário, gratuito e com total sigilo.
Em conversa com VivaBem, uma mãe e uma filha contam como perderam seus entes queridos por suicídio.
"Meu filho sonhava em ser presidente do Brasil"
Depoimento de Maria Eliana Ferraz de Campos, 46, pedagoga e professora de inglês, sobre o suicídio do filho, João Pedro Ferraz de Campos Ribeiro de Souza, 17.
"Desde criança, o João Pedro se interessava pela morte e dizia que gostaria de morrer. Por causa disso e de alguns comportamentos inadequados que ele apresentava, como ser rebelde, agressivo e impulsivo, ele fazia tratamento com psicólogos e psiquiatras. À medida que foi crescendo, nenhum médico conseguiu fechar um diagnóstico, foram várias hipóteses —depressão, grau leve de autismo, borderline, bipolaridade.
Em um diário que ele escreveu aos 15 anos, se definiu como uma pessoa com transtorno de personalidade. Ele era um adolescente que não se enquadrava, se sentia diferente e deslocado. Ele sofria bullying na escola e tinha problemas de socialização.
Em uma das conversas sobre suicídio, ele me disse que se mataria se tivesse coragem, mas que não tinha porque era um covarde. Ficava bastante preocupada, dava conselhos e dizia que ele tinha que ver o lado bom da vida. Meu filho era um menino muito inteligente, gostava de usar camisa e gravata e sonhava em ser presidente do Brasil.
Em 2017, ele fez a primeira tentativa. Ele chegou a deixar alguns bilhetes dizendo que estava cansado de tudo. Depois disso, eu o levei a um dos melhores psiquiatras do país. O médico me pediu calma e disse para eu ficar tranquila que meu filho não tinha nenhum perfil suicida, que ele fez isso apenas para chamar a atenção do pai, que queria colocá-lo em uma escola em período integral e ele não queria. Eu e o pai dele somos divorciados e, naquela época, o João Pedro morava com o meu ex-marido.
No dia 7 de março de 2018, meu filho cometeu suicídio, aos 17 anos. Como ele não deu qualquer indício, acredito que ele fazia parte de algum grupo, nas redes sociais, que incitava o suicídio. Acho que ele recebeu alguma ordem, do tipo, hoje é o seu dia. Foi muito triste o que aconteceu, o pai o encontrou sem vida na sala de TV.
Durante toda a vida, meu filho fez exames, acompanhamento e tratamentos. E mesmo assim nada adiantou e nem foi capaz de salvá-lo. Me sinto muito culpada. Como mãe, acho que falhei ou deixei passar algo. A conclusão que chego é que eu não sei se a medicina e nós, familiares, estamos prontos para evitar que uma pessoa se suicide. Basta apenas um momento de descuido para tudo acabar".
"Minha mãe teve um surto após uma crise de ciúmes"
Depoimento de Samantha, 38, sobre o suicídio da mãe, Eleonora*.
"Minha mãe era muito ciumenta. Em 25 anos de casamento com meu pai, ela tinha a ideia fixa de que ele a traía. Eles viviam brigando por causa disso, ela o acusava de fazer coisas que ele não fazia. Um exemplo: ela dizia que o tinha visto, da varanda, dando a mão para uma pessoa na rua, sendo que ele estava no mercado. Ela inventava muitas coisas, tinha delírios, ouvia vozes e falava sozinha.
Minha mãe e meu pai chegaram a fazer terapia de casal, mas não surtiu muito efeito. Ao final das brigas, ela pedia desculpas e perdão e dizia que não ia ter mais aqueles comportamentos, mas voltava a ter. Teve uma época que ela chegou a passar no psiquiatra porque parecia que estava com depressão, mas o médico descartou essa possibilidade.
O problema é que nenhum profissional chegou a fundo nessa questão do ciúmes, porque minha mãe não aceitava e não admitia isso, ela dizia que nós a achávamos maluca e que queríamos interná-la. Ela nunca recebeu nenhum diagnóstico, mas nós achávamos que ela tinha esquizofrenia, assim como um irmão dela.
Tirando isso, minha mãe era uma mulher lúcida, conversava com todo mundo, gostava de passear, era super meiga. Ela nunca deu sinais de que poderia se suicidar, nunca falou sobre isso, aliás ela morria de medo de morrer. Durante a própria pandemia, ela falava que tinha medo de pegar o coronavírus e morrer. Acho que o isolamento prejudicou bastante a saúde mental dela. Ela dizia que se sentia presa, que precisava sair e se sentir livre. Antes da quarentena, quando ela discutia com meu pai por causa de ciúmes, ela tinha uma válvula de escape que era sair com as amigas, ir ao shopping, espairecer.
Acho que, por estar há muito tempo em casa, minha mãe acumulou um turbilhão de pensamentos que estavam lhe causando muito sofrimento. Em abril deste ano, ela teve uma briga com meu pai, disse que ele estava dando em cima de uma senhora, de mais de 70 anos, que trabalhava em casa. A discussão tomou uma proporção tão grande, que até a minha irmã que mora perto deles, foi lá para ver se controlava a situação.
Minha mãe teve um surto e em questão de segundos se suicidou. Houve uma tentativa de socorro, meu pai e minha irmã chamaram o Samu e a polícia, mas ela já estava sem vida. Minha mãe nos deixou aos 65 anos de idade. Se eu imaginasse que o ciúmes dela poderia levar a isso, teria obrigado e insistido para ela fazer um tratamento. Foi um choque e uma tragédia para toda a família."
4 questões sobre suicídio respondidas por Antônio Geraldo da Silva, presidente da ABP
1) Quais as causas e os fatores de risco das mortes por suicídio?
Quase a totalidade dos óbitos por suicídio em todo o mundo estão relacionados à doença mental não tratada ou tratada de forma inadequada, em 96,8% dos casos. Transtornos de humor --como depressão e transtorno bipolar--, transtornos por uso de substâncias, e esquizofrenia são os três mais associados à tentativa de suicídio. Além destes, existem outros fatores como uso de álcool e outras drogas, desesperança e desespero, busca por sentido existencial/razão de viver, falta de habilidade de resolução de problemas, isolamento social, ausência de amigos íntimos, possuir acesso a meios letais e impulsividade.
É importante reforçar que nem toda pessoa acometida por uma doença mental virá a óbito por suicídio.
2) Quais os sinais e comportamentos que uma pessoa com perfil suicida apresenta?
Quando um indivíduo começa a se isolar, perder o interesse nas atividades anteriormente prazerosas, alterar hábitos de sono e de apetite, isso pode indicar o início de um quadro psiquiátrico. Essas manifestações, somadas a comentários como "o mundo estaria melhor sem mim", "eu não aguento mais" ou ainda "a vida não vale a pena", acendem o alerta para a ideação suicida. Ao notar esses sinais, é fundamental buscar auxílio médico. O psiquiatra poderá avaliar o quadro e identificar o desenvolvimento de uma doença mental, intervindo de forma precoce e evitando seu agravamento. Com o tratamento correto, a ideação suicida desaparece por completo e o paciente retoma a qualidade de vida.
3) As pessoas que tentam suicídio pedem socorro?
Utilizando do dito popular, costumo dizer que, em relação ao suicídio, cão que ladra, morde, sim. As próprias frases de desesperança e desamparo devem ser interpretadas como um pedido de ajuda.
Todas as pessoas que falam em encerrar a própria vida e demonstram esse desejo em suas atitudes devem ser levadas a sério.
4) Qual a importância de falar abertamente sobre o suicídio?
O suicídio é, ainda hoje, considerado um tabu por questões religiosas, morais e culturais, encarado como um "pecado", talvez o pior deles. Por isso, ainda temos medo e vergonha de falar publicamente sobre o tema e este preconceito não desaparece sem o esforço de todos nós.
Precisamos falar sobre o tema para que as pessoas não tenham dificuldades em procurar ajuda. A falta de conhecimento e de atenção acerca do suicídio são obstáculos à prevenção correta, é fundamental combater o estigma que paira sobre as doenças mentais.
Desmistificar é salvar vidas! Auxiliar a sociedade a compreender e identificar casos é a principal forma de ajudar os profissionais da área de saúde, familiares e amigos, principalmente no que se refere à busca por tratamento e instrução da população.
Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade.
O CVV (https://www.cvv.org.br/) funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.
*Os nomes foram trocados a pedido da entrevistada.
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