Nem sempre sentimos o que achamos: entenda como camuflamos algumas emoções
Resumo da notícia
- Divididas em primárias e secundárias, as emoções são importantes para auxiliar nossa sobrevivência e nossa comunicação social
- As emoções primárias representam a primeira resposta que temos a qualquer estímulo, enquanto que as secundárias ocorrem depois
- Dependendo da situação as emoções secundárias podem camuflar as primárias, até mesmo para quem as sente
- O juízo de valor que fazemos de algumas emoções podem nos levar a suprimi-las e a desenvolver problemas emocionais
- Buscar reconhecer nosso sentimentos e fazer terapia pode nos ajudar a melhorar essa compreensão dos sentimentos e desenvolver maneiras de lidar
Expressar com facilidade o que sentimos nem sempre é uma tarefa fácil, principalmente quando vivemos situações de conflitos internos. Algumas vezes, nós nem mesmos somos capazes de entender nossas emoções e acabamos reagindo de um jeito diferente do que gostaríamos. Outra situação muito comum é sentirmos algum tipo de culpa simplesmente por vivenciarmos algum sentimento específico.
É aí que surge o conceito de emoções secundárias, que muitas vezes aparecem camuflando o que sentimos em primeiro lugar quando algo acontece. Para entendê-lo melhor, primeiro precisamos diferenciar sentimentos e emoções, conceitos que, em geral, conhecemos, mas são difíceis de definir.
De acordo com Paula Studart, doutoranda e mestra em Medicina e Saúde pelo Programa de Pós Graduação da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo NTCBA (Núcleo de Terapia Cognitiva da Bahia), as emoções são reações a eventos do ambiente que as pessoas sentem no corpo e possuem curta duração. Um exemplo de emoção seria o medo, que é geralmente motivado por um elemento externo e tende a desaparecer rapidamente.
A psicóloga explica que os sentimentos, por outro lado, são as sensações mais duradouras e ocorrem quando tomamos consciência dessas emoções. Assim eles podem ser ativados e sustentados por mais tempo depois que os processamos.
Studart também pontua que os seres humanos nascem com um conjunto básico de emoções, que podem ser ativadas e reconhecidas por qualquer pessoa. Entretanto, a intensidade e a maneira como as processamos podem variar muito entre diferentes pessoas. "Dependendo do que a pessoa experimenta em sua vida, existem diferentes emoções, que podem vir através de ondas muito fortes, médias ou pequenas marolas. No entanto, independente da força e da situação, as pessoas retornam ao estado de tranquilidade ou bem-estar", adiciona a psicóloga.
A divisão clássica das emoções acontece entre primárias, as respostas iniciais sobre um evento, situação ou estímulo, e secundárias, quando disparam um pouco mais tarde, sendo uma resposta às emoções primárias, aponta Studart. Ela ainda adiciona que existem momentos em que nossas emoções primárias podem apresentar disfarces, justamente através das emoções secundárias.
"Neste sentido, as emoções secundárias aparecem na 'comissão de frente' e são externamente e visualmente expressas. Para alguns teóricos as emoções secundárias, por dispararem a partir de outra emoção, aumentam a intensidade das reações da pessoa que as sente. Isso acontece por exemplo, quando um indivíduo que sofreu uma perda tem como emoção primária a tristeza e emoções secundárias a raiva, culpa e frustração, agindo consequentemente de maneira agressiva", pontua Studart.
Ainda de acordo com ela, além dessas emoções básicas, que respondem a estímulos específicos, existem uma série de outras emoções derivadas. Por exemplo, o medo pode apresentar emoções como a ansiedade ou a vergonha; a tristeza pode provocar a culpa ou a decepção; a raiva tem possiblidade de gerar ódio ou inveja; dentre outras.
Stanley Rodrigues, psicólogo da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, complementa que as emoções primárias se apresentam em todos os seres humanos, independentemente de cultura ou contexto social. As emoções secundárias, por outro lado, são conhecidas como emoções sociais ou sentimentos sociais, porque resultam da aprendizagem social. De acordo com ele, essas emoções tendem a dar respostas ou a evitar as emoções primárias.
Outro fato comum é associarmos aspectos negativas a determinadas emoções e isso influencia a maneira como nós mesmos as sentimos. Rodrigues alerta que nestas situações, as emoções secundárias podem levar a um processo de rejeição de algumas emoções primárias.
"Quando eu acredito que aquela emoção primária tem um valor social negativo, o que é que eu faço? Por exemplo, se eu sinto tristeza e isso no meu contexto social é um sinal de fraqueza, eu passo a evitar esse sentimento para que ninguém perceba que eu sou fraco. E aí cria-se um problema, porque ao negar a minha própria tristeza eu evito entrar em contato com ela e desencadeio outras emoções como medo ou culpa caso alguém perceba. Isso vai gerar em mim uma dissociação da minha própria emoção", sinaliza o psicólogo.
Mas, afinal de contas, quais são as emoções primárias?
"Não existe um consenso sobre o número preciso de emoções básicas", orienta Studart. Ela então nos apresenta Paul Ekman, importante teórico das emoções. De acordo com ele, as emoções básicas podem ser agradáveis como alegria e desagradáveis como tristeza, medo, nojo e raiva. E ainda a surpresa, como uma reação a algo inesperado que, dependendo da situação é uma emoção agradável ou desagradável de sentir. Studart ainda explica que para alguns autores, o amor também pode ser considerado como emoção básica.
Cada emoção básica tem uma função na nossa vida. Dentre as principais, a tristeza indica que necessitamos de cuidados e nos faz refletir acerca do nosso comportamento e situações. O medo tem o papel principal de nos proteger e preservar a nossa vida diante de uma situação perigosa. A raiva permite a pessoa se posicionar diante de uma situação que desagrada, neste sentido, coloca limites no outro e protege de quem ataca, desrespeita ou difama. O nojo é um modo de defesa do corpo para evitar contaminação. A alegria, por fim, funciona como equilíbrio contra as emoções desagradáveis e reforça vínculos sociais Paula Studart, psicóloga
Para Rodrigues conhecer esses papeis é importante para encontrar um equilíbrio, pois assim é possível tomar consciência de que todas as emoções primárias existentes em nós têm uma função. Ele aponta que não existe emoção básica que não seja importante para nós, mesmo emoções que parecem ser menos virtuosas, para determinadas culturas ou sociedades, são necessárias para a manutenção da nossa autopreservação.
O psicólogo recomenda sobre a importância de começar a perceber e nomear as emoções, entender o que de fato se sente, para validá-las e aceita-las. A consequência desse processo de aceitação é poder se apropriar das emoções de modo construtivo, para que seja possível conhecer nossos próprios potenciais e limitações.
"Um ponto interessante que usualmente encontramos é que quando emoções secundárias são ativadas, indivíduos conseguem perceber os prejuízos que são gerados para sua vida e através delas que procuram apoio para seus problemas", reflete Studart. De acordo com ela, situações como: esquivar-se de lugares com pessoas novas por sentir vergonha, ou apresentar ansiedade diante de situações de exposição social como aulas e provas, costumam gerar um movimento de busca de tratamento com um foco inicial de atenuar essas emoções secundárias.
"As emoções primárias podem ser não funcionais quando passam a nos atrapalhar. Em algumas ocasiões, a funcionalidade de uma resposta emocional é influenciada pela intensidade da emoção. Neste sentido, as emoções desagradáveis como tristeza, raiva e medo, quando possuem intensidade elevada, têm possibilidade de provocar prejuízos na vida de um indivíduo. Associado a isso, quando têm frequência e duração prolongada, surge um sentimento que gera sofrimento e o indivíduo passa a apresentar um transtorno", salienta Studart.
Sequestro emocional
Por outro lado, Marcela Mello, psicóloga e professora do curso de Psicologia da Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo), aponta que a regulação emocional é socialmente imprescindível. A professora explica que quando não sabemos lidar de forma funcional com as nossas emoções, ocorre o que pode ser chamado de sequestro emocional, quando elas tomam conta da situação, superando nossa capacidade de interagir racionalmente. Esta situação acontece por conta da inabilidade de entender o que estamos sentindo e o que isso quer nos dizer, o que pode levar a outros quadros de transtorno de humor depressivo e de ansiedade.
Mello também reflete que as habilidades de inteligência emocional direcionam a maneira como lidamos com as os nossos pensamentos para que não nos tornemos pessoas meramente reativas à vida. Dentro deste contexto, o melhor local para compreendermos melhor nosso funcionamento emocional e como lidar com ele de uma forma saudável seria na terapia.
"A terapia e a psicoeducação podem ensinar a lidar com as emoções, pensamentos e comportamentos, bem como a desenvolver ferramentas para tal. Essa jornada de aprendizado poderá facilitar a administração e a qualidade de vida em diversos setores como o trabalho, relações familiares e afetivas", pontua Mello.
Mello ainda explica que uma das ferramentas utilizadas na psicologia cognitiva implica no uso de uma ficha chamada RPA (Registro de Pensamentos Automáticos), que consiste em ensinar aos pacientes sobre como seus pensamentos se transformam em emoções. Essa ferramenta pode ensinar a desenvolver pensamentos mais saudáveis, que irão gerar emoções e comportamentos mais vigorosos, principalmente diante de situações hostis.
Além desta ficha, também é possível utilizar uma estratégia de monitoramento emocional, através do acompanhamento semanal do humor. Segundo Mello, a ficha de humor é monitorada pelo psicólogo para avaliar a amplitude e a oscilação emocional do paciente ao longo de um período. Esse processo pode favorecer a compreensão de progressos diante da regulação emocional.
"Se os indivíduos entendem melhor as funções das emoções, reconhecendo-as, aceitando-as e validando-as, torna-se mais fácil trabalhar com comportamentos disfuncionais, melhorar suas relações e resolver problemas. O automonitoramento ou acompanhamento diário das emoções, as técnicas de respiração e relaxamento, assim como examinar e reestruturar os pensamentos disfuncionais, transformando pensamentos que não ajudam em pensamentos que ajudam, são possibilidades que também trazem efeito benéfico no enfrentamento e regulação das fortes emoções" finaliza Studart.
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