Máscaras acentuam as dificuldades de comunicação de deficientes auditivos
Hoje (26) é o Dia Nacional dos Surdos e Dia Internacional da Linguagem de Sinais. Segundo o Ministério da Saúde, os surdos constituem 3,2% da população, ou seja, aproximadamente 5,8 milhões de brasileiros.
E para esse público em especial, manter contato com o mundo exterior tem sido difícil neste período de pandemia de coronavírus. É o caso da servidora pública Mariana Menegotto Cassiana, 39, ela nasceu com surdez bilateral e, como consequência do uso obrigatório de máscaras, tem penado para conversar com as pessoas nos últimos tempos.
Como nunca foi educada em libras (língua brasileira de sinais), a sua comunicação primária é feita com auxílio de um aparelho auditivo, sempre associado à leitura labial. Assim, por cobrir a boca, o acessório de rosto impede que ela entenda o que está sendo dito.
"Os aparelhos me auxiliam muito a identificar os sons. A campainha, o barulho da freada de um carro, buzina, mas ouvir palavras e compreender frases ainda não é possível para mim. Desde que o mundo passou a usar máscara, fiquei assustada com pequenas coisas como ir ao mercado, fazer compras. Se o caixa me pergunta se é no crédito ou no débito, se tenho o tíquete do estacionamento, é difícil compreendê-lo... Assisto ao noticiário e os repórteres estão mascarados também. Se não fosse pelas legendas automáticas, não iria entender nada".
Há alguns meses, uma situação desconfortável vivida em uma farmácia foi o estopim para a decisão de não sair mais da casa em Caxias do Sul (RS), onde mora sozinha. Ao buscar uma encomenda, uma atendente começou a falar com ela de máscara. Sem entender, a deficiente auditiva tentou explicar, em vão, que não ouvia, pedindo para a funcionária escrever em um papel o que estava dizendo.
Isso desencadeou um ataque de pânico em Mariana. Desde então, tudo é feito sem deixar a residência: as compras passaram a ser encomendadas pela internet.
Inúmeras outras pessoas com deficiência auditiva ou com distúrbios de fala estão experimentando vivências semelhantes. Conforme um estudo publicado pela Hearing Review, revista que é referência na área, a máscara comum pode atenuar de 3 a 4 decibéis e a máscara N95, utilizada especialmente por profissionais da saúde, até 12dB, abafando o som e tornando a fala ininteligível para algumas pessoas com deficiência auditiva.
Reuniões online na base da gambiarra
Bruno Galante, 32, é formado em relações públicas e é portador de perda auditiva neurossensorial profunda bilateral. Desde o início da pandemia tem feito home office. Isso não o blindou, entretanto, de precisar sair em algumas ocasiões pontuais. Quando teve de ir ao banco, sentiu na pele a dificuldade de comunicação para quem tem limitações de fala e audição.
"Como uso implante coclear consigo entender coisas básicas como 'oi, qual seu nome, posso ajudar?' Mas para conversas longas, se for alguém íntimo, prefiro pedir para tirar a máscara e fazer a leitura labial. Uma vez precisei ir ao banco e levei meu marido junto para me traduzir, pois a gerente estava de máscara. Ele teve que tirar para falar comigo, o que não é o ideal em termos de proteção. E a gerente usou um papel para escrever os números. Dificulta muito e acho que vai ser preciso usar a proteção assim pelo menos até o fim do ano".
As reuniões de trabalho via teleconferência estão sendo possíveis para Bruno com o auxílio da tecnologia. Ele baixou um aplicativo de transcrição instantânea e, assim, consegue entender os colegas. É preciso fazer uma engenhoca.
"O celular fica colado na caixa de som que, por sua vez, fica conectado ao computador via bluetooth. Conforme a pessoa fala, o app vai transcrevendo em tempo real. Aproveitei o mesmo aplicativo para fazer um curso online de inteligência emocional, sem legendas nos vídeos. E ainda passei por todo um processo seletivo: "Foram quatro entrevistas virtuais assim".
A transcrição instantânea tem defeitos, como não reconhecer pontos, vírgulas e pausas. Mas ajuda a dar contexto para as falas. Bruno não conhecia a ferramenta virtual até ver uma indicação em um grupo para portadores de deficiências no Facebook. Ele ainda está apreensivo quanto ao próximo passo de adequação ao mundo pós-coronavírus, com o fim do isolamento social.
Falar com clareza e usar a tecnologia
A fonoaudióloga e professora da UFS (Universidade Federal de Sergipe), Barbara Rosa, destaca algumas iniciativas que podem ajudar enquanto a preocupação com o coronavírus ainda existir.
"Em relação às pessoas com surdez ou deficiência auditiva, o ideal é que seus interlocutores tenham uma comunicação clara e precisa, de forma a facilitar a compreensão da voz. Se ainda assim a pessoa não entender, é indicado o uso de tecnologias assistivas de acordo com as necessidades individuais de cada um. Recomendo que, se a pessoa for surda e usuária de libras, use libras como recurso de acessibilidade. Se for surdo ou deficiente auditivo e usuário de implante coclear, use legendas, programas para transcrição de voz ou ainda pergunte se seu interlocutor tem algum acessório de tecnologias assistivas que você possa usar, para permitir maior acessibilidade sonora".
Necessidade impulsionou criatividade
No caso da maquiadora Nathalie Cooper, 26, uma ideia conjunta com a mãe, Arlene Cristina, 51, está fazendo toda a diferença. Ela não ouve, mas é oralizada e tem o português como primeiro idioma, diferentemente dos surdos que usam libras como linguagem principal.
Elas criaram suas próprias máscaras adaptadas. A ideia surgiu quando a filha se viu aflita por precisar ir ao banco para sacar o FGTS após ser demitida no meio da pandemia.
"Fiquei muito agoniada porque, pela primeira vez, me tornei uma coisa que nunca fui: dependente. Com a leitura labial eu sempre tive autonomia e conseguia me comunicar com estranhos sozinha. Agora, tenho dificuldade para fazer coisas simples como ir à padaria ou ao mercado, porque não consigo entender o que as pessoas dizem".
Como ela tinha dúvidas sobre o procedimento, pediu para a mãe acompanhá-la. "A pessoa falava comigo, minha mãe ouvia e tirava a máscara dela pra conversar comigo. Então fiquei muito preocupada, né? Quando chegamos em casa, ela começou a procurar adaptações na internet e encontrou um vídeo de uma moça americana. Minha mãe ajustou medidas que, na primeira tentativa, não ficaram boas. Aí então fez uma versão da qual tiramos a foto para mandar no grupo da família. Achei incrível o amor e o cuidado que ela teve, e fiquei muito aliviada".
As máscaras adaptadas são feitas com tecido tricoline 100% algodão e plástico envelope, aquele de guardar documentos. Como a ideia foi um sucesso, mãe e filha fizeram dez outros exemplares para doar a outros deficientes auditivos.
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