"Gatilho" mental é coisa séria; saiba como identificar e não se prejudicar
Resumo da notícia
- Gatilhos são ações ou pensamentos que se desencadeiam em outras ações ou sentimentos nem sempre positivos ou benéficos para o indivíduo
- Vícios, comportamentos e pensamentos geralmente têm gatilhos mentais ou emocionais envolvidos e é necessário trabalhá-los
- Existem várias tramas por trás dos gatilhos, por isso é fundamental que elas sejam tratadas, para acabar com as causas e não somente com os sintomas
Alguma vez você já se policiou só para prevenir que algo ruim acontecesse? Um tabagista que quer abandonar o vício, por exemplo, pode evitar ingerir álcool ou café, para que isso inconscientemente não o conduza a acender um cigarro. As bebidas, no caso, são gatilhos para os fumantes. Mas e quando o que dispara ações ou sentimentos é algo menos concreto?
Pode ser um post em uma rede social, um vídeo no WhatsApp, uma fala em uma conversa ou até mesmo uma atitude de um desconhecido na rua. O que parece ser banal para alguns pode fazer quem passou por traumas semelhantes reviver o sofrimento.
Chamado de gatilho emocional ou mental, essa espécie de "disparo de traumas" aciona cadeias de memória ruins e têm poder para mudar o estado de humor, interferir na forma como se toma decisões e no comportamento social. É uma situação que precipita sentimentos e sensações desagradáveis para alguém, afetando aspectos que podem ser muito sensíveis ao indivíduo, como baixa autoestima ou sentimentos de desamparo.
Ao contrário do que muitos pensam, nossa memória não tem "gavetas", mas faz uso de caminhos que ligam experiências e sentimentos. Os gatilhos mentais agem como disparadores de estados mentais e emocionais em alguém que já se viu submetido àquilo em situações anteriores. O episódio aciona um modo de sentir e um padrão de agir, que serve para a pessoa se proteger de algo vivenciado como ruim, perigoso, desestruturador.
Como identificar gatilhos?
Apesar de ter se tornado piada na internet, dando a sensação de tudo é um gatilho, identificá-lo não é tão fácil quanto parece. Isso porque seus sentidos podem percebê-lo, mas você nem nota esse impacto de forma consciente. Por exemplo: seus olhos reparam em uma frase na camiseta de um personagem de novela e aquilo lhe causa uma sensação ruim, mas seu pensamento consciente nem sabe que viu ou o que foi que causou aquele mal-estar.
O que pode ajudar a descobrir um gatilho é a auto-observação e o posicionamento da consciência em um modo reflexivo. Comece a prestar atenção no que você pensou ou em que imagem mental surgiu imediatamente antes de você viver uma mudança de humor repentina —essa tática vale especialmente se essa alteração foi para uma tristeza ou desesperança.
É necessário empenho na reflexão, em se observar e estabelecer relações com situações presentes e passadas. Não é fácil, mas é possível e desejável para poder trabalhar as vulnerabilidades pessoais.
Como gatilhos atuam na saúde mental
Em qualquer área da nossa vida existem gatilhos que desencadeiam acontecimentos indesejados, e com a saúde mental não é diferente.
Alguns disparos têm maior chance de afetar um número grande de pessoas, como cenas de violência, pessoas chorando, gritos ou até mesmo o escuro. A história pessoal, entretanto, pode tornar qualquer fato um gatilho. Palavras, imagens, gestos e cheiros entram na lista de possibilidades. Em psicologia, por exemplo, são estudados transtornos com gatilho anual, como o aumento das tentativas de suicídio perto das datas das festas de fim de ano e do dia dos namorados.
Mas é importante ressaltar que nem todo problema psicológico, incluindo fenômenos mais complexos como neuroses, surtos ou crises de pânico, tem necessariamente relação com gatilhos. Essas problemáticas da mente são expressões de sofrimentos envoltos em emaranhados de vivências, e não se pode supor que estão ligadas a algum assunto recente. Mesmo que tiverem alguma relação, o transtorno vai além do gatilho, ou seja, uma crise de ansiedade tem outros fatores envolvidos que ultrapassam a situação em si.
Claro, identificar os gatilhos funciona para lidar com certas crenças pessoais. Mas ele é apenas a superfície ou um aspecto do sofrimento em questão. Uma vez identificado um gatilho é preciso ir além e se aprofundar mais, afinal, ele apenas indica que há algo a ser desvendado internamente.
Toda pessoa tem uma ferida interna emocional e vai sofrer um pouco ao ouvir sobre determinados assuntos. Mas dependendo do trauma, é melhor olhar para ele do que fingir que não existe. Isso pode inclusive ajudar na busca pelo tratamento do problema real e mais profundo.
Como lidar (sem se prejudicar)
Racionalize: caso os gatilhos que desencadeiam acontecimentos negativos exerçam pouco poder sobre você, ou se ainda não trazem prejuízos concretos e paralisantes, racionalizá-los é uma possibilidade de acabar com eles. Certas perguntas podem conduzir você à reflexão, como: "Tenho exemplos reais que confirmem o que estou pensando sobre isso?", "Já me senti assim antes?", "Como consegui superar esse sentimento ruim?". É importante também um trabalho de esclarecimento sobre a situação integral. É preciso enxergar os gatilhos, mas também entender toda a trama que há antes de eles virem à tona.
Mude seus hábitos: dependendo do gatilho, a mudança do ambiente e dos hábitos pode ajudar. É a história do cigarro relacionado ao café ou à bebida alcoólica. Parar de tomar café ou reduzir as idas ao bar, pelo menos por um tempo, podem ajudar a parar de fumar. O mesmo vale para posts na internet. É preciso ter bom-senso na hora de compartilhar conteúdos, avisando quando eles podem ser sensíveis para algumas pessoas.
Busque ajuda: pode ser que todas as ações não surtam efeitos e sejam insuficientes. Nesses casos é preciso ir atrás de ajuda profissional. Não há razão para sofrer sozinho. Todos, com nossas particularidades, contradições e mundos internos, temos valor e merecemos a chance de uma vida plena, em que nossas decisões sejam baseadas no que queremos para nós e não em reações automáticas a situações.
Fontes: Lucia Cecília da Silva, psicóloga e voluntária do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UEM (Universidade Estadual de Maringá); Sabrina Martins Barroso, psicóloga, especialista em desenvolvimento humano, mestre em psicologia e doutora em saúde pública pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e professora adjunta da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro).
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