Mutação rara, piebaldismo pode deixar cabelos iguais aos da Cruella
Fora da ficção, se os cabelos bicolores (preto e branco) e emblemáticos de Cruella De Vil (ou Cruela Cruel), do filme "101 Dálmatas", da Disney, fossem naturais e acompanhassem a vilã desde o início da vida, uma das hipóteses prováveis é que eles seriam consequência de uma alteração genética rara, o piebaldismo, também chamado de albinismo parcial e albinoidismo.
Quem é acometido por essa mutação, presente desde o nascimento, não tem um número suficiente de células produtoras de melanina (melanócitos), o que resulta em áreas no corpo com ausência de pigmento. Pode ser que nasçam na cor branca desde manchas na pele a fios de cabelos (principalmente na fronte), cílios e sobrancelhas. Essas regiões despigmentadas são simétricas e se mantêm estáveis ao longo da vida, sem expandir de tamanho ou número.
Se é genético, pode ser hereditário?
De acordo com a Primary Care Dermatology Society, do Reino Unido, pesquisas apontam que 50% dos filhos de pessoas com piebaldismo têm chances de herdar essa característica, que também pode ser repassada até seis gerações de uma mesma família. No entanto, na ausência de antecedentes, o piebaldismo pode surgir por uma mutação nova.
"No meu caso e também no de minha filha, a Mayah, essa herança genética veio por parte da minha família materna. Meu avô tem e, de sete filhos dele, apenas minha mãe e uma tia nasceram com as manchas. Dos três filhos que minha mãe teve, apenas eu nasci com piebaldismo", explica a publicitária Talyta Youssef, 42 anos, de Minas Gerais.
Origem e doenças com sinais semelhantes
No que se refere ao termo, o piebaldismo faz alusão a duas aves norte-americanas de cores preta e branca, a "pie" the magpie (pega-rabuda) e a "bald" eagle (águia-de-cabeça-branca). "Já na alteração genética, os melanócitos estão em falta devido a sua distribuição ter sido afetada ainda no período fetal", explica Aline Blanco, dermatologista pela UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) e professora no grupo educacional de medicina Afya.
Ocorre que essas células, que deveriam ir para pele e cabelos, onde amadureceriam, acabam não fazendo esse percurso ou até chegam ao destino, mas não se desenvolvem, gerando a falta de pigmento, que também é uma característica percebida em outras doenças: na anemia Diamond-Blackfan, diagnosticada nos primeiros meses de vida, mas com a diferença de, em 25% dos casos acompanhar malformações congênitas; e na síndrome de Waardenburg, que também pode provocar surdez e heterocromia da íris, isto é, olhos com cores diferentes.
Parece vitiligo, mas não é igual
Embora na aparência o piebaldismo também se assemelhe ao vitiligo, doença autoimune muito mais comum e conhecida por também provocar manchas brancas na pele e nos cabelos, eles não se relacionam e se diferenciam em vários aspectos.
No vitiligo, por exemplo, a despigmentação pode surgir bem depois do nascimento, estar correlacionada a diabetes, distúrbios da tireoide e se manifestar após traumas emocionais e estresse grande, e evoluir gradativamente. Por razões desconhecidas, no vitiligo o sistema imunológico também danifica os melanócitos preexistentes na pele. No piebaldismo, a pessoa já nasce sem eles.
Há ainda um sinal clássico no piebaldismo, uma mecha branca que desponta acima da testa, relata Jane Sanchez, pesquisadora do Centro de Genética Médica da EPM-UNIFESP (Escola Paulista de Medicina). "É a lesão clínica mais característica, presente em cerca de 90% dos casos", diz. Essa mancha também pode coincidir —ou não— com a despigmentação da pele frontal da cabeça, dos cílios e das sobrancelhas e se estender para as laterais do cabelo.
Emocional de quem tem merece atenção
Em comum, tanto o piebaldismo como o vitiligo não são contagiosos, sendo simplesmente alterações estéticas sem danos para a saúde física. No entanto, por estarem relacionados diretamente à aparência, podem afetar o emocional e levar à depressão e transtornos.
"Foi uma longa adolescência me escondendo atrás de calças e usando base para maquiar a mancha na perna. Apesar de amar educação física, não fazia, porque precisava usar bermuda, e até cheguei a arrancar os fios brancos do meu cabelo", recorda Talyta, que superou essa fase e hoje faz ensaios fotográficos com Mayah para encorajar outras pessoas com piebaldismo.
"Como nos comparam à Cruella, quis brincar e fiz as fotos, as próximas serão de Vampira, dos X-Men. Desde então, recebo mensagens de gente do mundo todo dizendo que mudou a forma de pensar e agradecendo por eu falar de diferença de forma tão legal e leve", comenta.
Diagnóstico, tratamento e cuidados
Para ter certeza se as manchas são de piebaldismo, o melhor a fazer é ir a um dermatologista. O diagnóstico é feito após exame clínico (principalmente na parte anterior da testa, cabelo, tórax, abdome, pernas, coxas e cotovelos) e levantamento do histórico de vida do paciente, para saber se a despigmentação é de nascença, familiar e se há outras doenças envolvidas.
Biópsia cutânea raramente acaba sendo necessária, mas os pacientes devem ser encaminhados para avaliação neurológica, oftalmológica e da audição para que seja excluída, por exemplo, a síndrome de Waardenburg.
Quanto aos tratamentos, existem algumas opções, porém nem sempre os resultados são satisfatórios. "Pode se tentar dermoabrasão de áreas de despigmentação, seguida de aplicação de suspensões celulares enriquecidas com melanócitos. Há ainda procedimentos, como transplante ou enxerto de melanócitos e terapia com luz ultravioleta", informa Juliana Toma, dermatologista pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e perita em oncologia cutânea pelo Hospital Sírio-Libanês.
Sobre os cuidados, a especialista diz que é preciso que pessoas com piebaldismo usem filtro solar, bonés, se previnam do sol durante os horários de pico e façam autoexame regularmente para detectar qualquer dano solar que possa aumentar o risco de câncer de pele. Para os adultos, também não há restrições quanto ao uso de maquiagens e tinturas de cabelo.
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