Topo

Por que dietas restritivas não funcionam e como fazer as pazes com a comida

O pensamento de dieta dificulta a boa relação com a comida - iStock
O pensamento de dieta dificulta a boa relação com a comida Imagem: iStock

Cristiane Marsola

Colaboração para o Viva Bem

14/10/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Dietas restritivas aumentam a fome e fazem o metabolismo cair, para o corpo poupar mais energia
  • A extrema restrição de calorias não provoca uma reeducação alimentar, dificultando que dietas do tipo se sustem por mais tempo
  • Segredo é se preocupar com a própria saúde e não com os padrões corporais idealizados. É importante comer com prazer e sem culpa
  • Se a autopercepção de fome e saciedade for difícil, a terapia cognitiva-comportamental pode ajudar

Quantas vezes você já ouviu que emagrecer é questão de força de vontade? A crença difundida é que todo mundo precisa de um corpo magro porque ele é mais saudável, enquanto um corpo gordo é sinônimo de doença e preguiça. No entanto, profissionais da saúde mostram que o emagrecimento vai muito além do "foco, força e fé". Em vez de restringir os alimentos, eles defendem que a solução para um corpo saudável é comer conectado com as suas necessidades.

A nutricionista Sophie Deram, autora de "O Peso das Dietas" e colunista do UOL, trabalha com transtorno alimentar há muitos anos e percebeu que, apesar de esse ser um problema multifatorial, as histórias dos pacientes tinham algo em comum: muitos acabavam desenvolvendo esses distúrbios depois de fazer dietas restritivas. "Cerca de 95% das pessoas fracassam na dieta, mas a maioria desses 5% que mantêm o peso tem transtorno alimentar, ou seja, essa história não tem nada de sucesso".

Por que dietas restritivas não dão certo?

De acordo com a nutricionista, ao longo de milhares de anos, quando a comida era escassa, o cérebro humano aprendeu que armazenar gordura era questão de sobrevivência. Hoje, com livre acesso a alimentos, o cérebro interpreta uma dieta como perigo. "Além do aumento do apetite, o metabolismo cai. Ao gastar menos energia, o corpo se coloca em um estado de preservação", diz. É por isso que manter uma dieta restritiva é tão difícil: ela vai contra as necessidades do corpo.

Deram ainda diz que nas dietas de restrição calórica e de seletividade alimentar extrema não ocorre a mudança de hábito alimentar. "Não há o aprendizado em reconhecer o equilíbrio entre fome e saciedade nem o da escolha alimentar adequada, a chamada reeducação alimentar". Por esse motivo, ela diz ser improvável que esse tipo de dieta se sustente em longo prazo.

dieta - iStock - iStock
Restrições calóricas têm relação com transtornos alimentares
Imagem: iStock

Além disso, ao final da dieta, na reintrodução dos alimentos antes excluídos, corre-se o risco de não saber organizá-los quanto à quantidade ou distribuição ao longo do dia, explica Alexandre Pinto de Azevedo, médico psiquiatra, coordenador do Grecco (Grupo de Estudo do Comer Compulsivo e Obesidade) do IPq HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

O segredo é respeitar o corpo e fazer as pazes com os alimentos. "Dieta restritiva, além de agredir o corpo, desequilibra o metabolismo e pode desencadear riscos à saúde e conflitos com a comida. O melhor é se preocupar com a própria saúde e não com os padrões corporais idealizados pelas mídias sociais", diz a nutricionista Mariana Contiero San Martini, pesquisadora do Programa Saúde da Criança e do Adolescente, na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade de Campinas).

Fazer as pazes com a comida é libertador

Antes de aprender a ouvir as necessidades do corpo, a publicitária Fabiana Dezidério, 45, teve bulimia e compulsão alimentar. A história dela é parecida com a de muitas mulheres: passou a adolescência morando na praia e, quando começou a engordar, entrou em desespero e fez várias tentativas para perder peso, mas sempre voltava a ganhar os quilos que eliminava.

Quando conheceu o trabalho de Deram, entendeu que estava fazendo tudo errado. "Faz todo o sentido comer por prazer. Se você pensar, é é mais fácil chamar comida de comida do que de caloria, mas o problema é que a gente tem muita informação. Todo mundo é nutricionista e sempre aparece uma moda diferente", justifica.

Mas Dezidério diz que mudar seu pensamento não foi simples. "Dizer que essa mudança é supertranquila não é verdade. Claro, até entender que poderia comer o que eu quisesse de vez em quando, eu engordei. Tem um tempo para você reverter isso, mas eu comecei a sentar na mesa e comer. É gratificante sentir o gosto da comida".

A médica veterinária Karine Bordignon, 48, também alterou completamente a relação com o corpo depois que abandonou as dietas restritivas. Ela nunca foi uma menina magrinha, mas os problemas com o peso começaram a incomodá-la quando foi fazer faculdade em outra cidade. Ansiosa por estar longe da família, engordou 10 kg em dois anos. Na época, ela conseguiu emagrecer com ajuda de remédios e dietas restritivas, mas depois da segunda gravidez o corpo voltou a incomodá-la. "Eu percebia que as dietas não funcionavam, mas o que eu podia fazer?".

Foi um alívio quando, anos depois, ela descobriu que havia opção de ter um olhar diferente para a relação com a comida. "Eu não perdi muito peso, mas o que mudou foi minha visão sobre as dietas e o fim da minha culpa e da relação transtornada com os alimentos. Aprendi que não adianta perseguir um corpo que não é meu padrão", diz.

Mesmo os profissionais que defendem a dieta restritiva concordam que em longo prazo é bastante difícil manter. "Isso muda de pessoa para pessoa, mas depois de seis meses a um ano de dieta restritiva há a tendência de estabilizar ou até aumentar o peso, porque o organismo se adapta. Nesse momento, é preciso mudar o padrão da dieta ou o medicamento", explica Mario Kedhi Carra, médico endocrinologista e presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica).

Dieta - iStock - iStock
Escutar o próprio corpo afasta o risco de exageros e aumenta chances de ter uma relação mais saudável com a comida
Imagem: iStock

Simples, mas não fácil

Depois de anos negando o instinto, a estratégia de ouvir as necessidades do corpo e se reconectar com a fome não é fácil, apesar de ser bastante simples. "No começo, ao sair da dieta, o apetite pode aumentar muito, mas se a pessoa escuta o corpo, fica mais tranquila e come melhor. Não é força de vontade, é respeito ao corpo e bom senso", diz Deram.

Mas como combater o argumento de que seja impossível emagrecer liberando o consumo de alimentos, já que com a restrição a pessoa continua engordando? O primeiro passo é identificar esse pensamento, explica Christianne Reis, psicóloga voluntária do Grecco. "Não tem estudo mostrando que se a gente comer um pouco a mais no fim de semana vai engordar, mas o pensamento de dieta dificulta a boa relação com a comida. É importante comer com prazer e sem culpa".

Reis diz que a terapia cognitivo-comportamental pode ajudar. Essa abordagem usa uma técnica que auxilia na desconstrução de pensamentos disfuncionais. "Quando o paciente pensa algo como 'Se eu comer esse bolo vou engordar', ele precisa buscar evidências para saber se isso é verdadeiro ou falso. Ele vai identificar, avaliar, validar o pensamento. Geralmente, a afirmação não se sustenta, mas não é fácil desconstruir esse pensamento".

A nutricionista Carla Piovesan, professora da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), explica que o ideal é buscar um equilíbrio para melhorar a relação com a alimentação. "A fome é um instinto ancestral. As estratégias que tentam ignorar ou burlá-la são fadadas ao fracasso. É preciso se sintonizar e comer de acordo com a fome. Temos dois extremos: ou se tenta enganá-la com duas castanhas e uma maçã ou se come até ficar estufado. Entre esses dois, tem o comer por sinais fisiológicos, que deve prevalecer", diz.

No entanto, não é saudável nem sustentável ignorar os outros tipos de fome. "Uma vida em equilíbrio tem espaço para outras fomes, como a emocional. Em um momento feliz, posso comemorar com um bolo, por exemplo. Comer é um dos itens que perde para poucos em termos do prazer causado. Não adianta lutar contra isso. O problema é quando se tenta comer por prazer em todas as refeições".