Por que dietas restritivas não funcionam e como fazer as pazes com a comida
Resumo da notícia
- Dietas restritivas aumentam a fome e fazem o metabolismo cair, para o corpo poupar mais energia
- A extrema restrição de calorias não provoca uma reeducação alimentar, dificultando que dietas do tipo se sustem por mais tempo
- Segredo é se preocupar com a própria saúde e não com os padrões corporais idealizados. É importante comer com prazer e sem culpa
- Se a autopercepção de fome e saciedade for difícil, a terapia cognitiva-comportamental pode ajudar
Quantas vezes você já ouviu que emagrecer é questão de força de vontade? A crença difundida é que todo mundo precisa de um corpo magro porque ele é mais saudável, enquanto um corpo gordo é sinônimo de doença e preguiça. No entanto, profissionais da saúde mostram que o emagrecimento vai muito além do "foco, força e fé". Em vez de restringir os alimentos, eles defendem que a solução para um corpo saudável é comer conectado com as suas necessidades.
A nutricionista Sophie Deram, autora de "O Peso das Dietas" e colunista do UOL, trabalha com transtorno alimentar há muitos anos e percebeu que, apesar de esse ser um problema multifatorial, as histórias dos pacientes tinham algo em comum: muitos acabavam desenvolvendo esses distúrbios depois de fazer dietas restritivas. "Cerca de 95% das pessoas fracassam na dieta, mas a maioria desses 5% que mantêm o peso tem transtorno alimentar, ou seja, essa história não tem nada de sucesso".
Por que dietas restritivas não dão certo?
De acordo com a nutricionista, ao longo de milhares de anos, quando a comida era escassa, o cérebro humano aprendeu que armazenar gordura era questão de sobrevivência. Hoje, com livre acesso a alimentos, o cérebro interpreta uma dieta como perigo. "Além do aumento do apetite, o metabolismo cai. Ao gastar menos energia, o corpo se coloca em um estado de preservação", diz. É por isso que manter uma dieta restritiva é tão difícil: ela vai contra as necessidades do corpo.
Deram ainda diz que nas dietas de restrição calórica e de seletividade alimentar extrema não ocorre a mudança de hábito alimentar. "Não há o aprendizado em reconhecer o equilíbrio entre fome e saciedade nem o da escolha alimentar adequada, a chamada reeducação alimentar". Por esse motivo, ela diz ser improvável que esse tipo de dieta se sustente em longo prazo.
Além disso, ao final da dieta, na reintrodução dos alimentos antes excluídos, corre-se o risco de não saber organizá-los quanto à quantidade ou distribuição ao longo do dia, explica Alexandre Pinto de Azevedo, médico psiquiatra, coordenador do Grecco (Grupo de Estudo do Comer Compulsivo e Obesidade) do IPq HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
O segredo é respeitar o corpo e fazer as pazes com os alimentos. "Dieta restritiva, além de agredir o corpo, desequilibra o metabolismo e pode desencadear riscos à saúde e conflitos com a comida. O melhor é se preocupar com a própria saúde e não com os padrões corporais idealizados pelas mídias sociais", diz a nutricionista Mariana Contiero San Martini, pesquisadora do Programa Saúde da Criança e do Adolescente, na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade de Campinas).
Fazer as pazes com a comida é libertador
Antes de aprender a ouvir as necessidades do corpo, a publicitária Fabiana Dezidério, 45, teve bulimia e compulsão alimentar. A história dela é parecida com a de muitas mulheres: passou a adolescência morando na praia e, quando começou a engordar, entrou em desespero e fez várias tentativas para perder peso, mas sempre voltava a ganhar os quilos que eliminava.
Quando conheceu o trabalho de Deram, entendeu que estava fazendo tudo errado. "Faz todo o sentido comer por prazer. Se você pensar, é é mais fácil chamar comida de comida do que de caloria, mas o problema é que a gente tem muita informação. Todo mundo é nutricionista e sempre aparece uma moda diferente", justifica.
Mas Dezidério diz que mudar seu pensamento não foi simples. "Dizer que essa mudança é supertranquila não é verdade. Claro, até entender que poderia comer o que eu quisesse de vez em quando, eu engordei. Tem um tempo para você reverter isso, mas eu comecei a sentar na mesa e comer. É gratificante sentir o gosto da comida".
A médica veterinária Karine Bordignon, 48, também alterou completamente a relação com o corpo depois que abandonou as dietas restritivas. Ela nunca foi uma menina magrinha, mas os problemas com o peso começaram a incomodá-la quando foi fazer faculdade em outra cidade. Ansiosa por estar longe da família, engordou 10 kg em dois anos. Na época, ela conseguiu emagrecer com ajuda de remédios e dietas restritivas, mas depois da segunda gravidez o corpo voltou a incomodá-la. "Eu percebia que as dietas não funcionavam, mas o que eu podia fazer?".
Foi um alívio quando, anos depois, ela descobriu que havia opção de ter um olhar diferente para a relação com a comida. "Eu não perdi muito peso, mas o que mudou foi minha visão sobre as dietas e o fim da minha culpa e da relação transtornada com os alimentos. Aprendi que não adianta perseguir um corpo que não é meu padrão", diz.
Mesmo os profissionais que defendem a dieta restritiva concordam que em longo prazo é bastante difícil manter. "Isso muda de pessoa para pessoa, mas depois de seis meses a um ano de dieta restritiva há a tendência de estabilizar ou até aumentar o peso, porque o organismo se adapta. Nesse momento, é preciso mudar o padrão da dieta ou o medicamento", explica Mario Kedhi Carra, médico endocrinologista e presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica).
Simples, mas não fácil
Depois de anos negando o instinto, a estratégia de ouvir as necessidades do corpo e se reconectar com a fome não é fácil, apesar de ser bastante simples. "No começo, ao sair da dieta, o apetite pode aumentar muito, mas se a pessoa escuta o corpo, fica mais tranquila e come melhor. Não é força de vontade, é respeito ao corpo e bom senso", diz Deram.
Mas como combater o argumento de que seja impossível emagrecer liberando o consumo de alimentos, já que com a restrição a pessoa continua engordando? O primeiro passo é identificar esse pensamento, explica Christianne Reis, psicóloga voluntária do Grecco. "Não tem estudo mostrando que se a gente comer um pouco a mais no fim de semana vai engordar, mas o pensamento de dieta dificulta a boa relação com a comida. É importante comer com prazer e sem culpa".
Reis diz que a terapia cognitivo-comportamental pode ajudar. Essa abordagem usa uma técnica que auxilia na desconstrução de pensamentos disfuncionais. "Quando o paciente pensa algo como 'Se eu comer esse bolo vou engordar', ele precisa buscar evidências para saber se isso é verdadeiro ou falso. Ele vai identificar, avaliar, validar o pensamento. Geralmente, a afirmação não se sustenta, mas não é fácil desconstruir esse pensamento".
A nutricionista Carla Piovesan, professora da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), explica que o ideal é buscar um equilíbrio para melhorar a relação com a alimentação. "A fome é um instinto ancestral. As estratégias que tentam ignorar ou burlá-la são fadadas ao fracasso. É preciso se sintonizar e comer de acordo com a fome. Temos dois extremos: ou se tenta enganá-la com duas castanhas e uma maçã ou se come até ficar estufado. Entre esses dois, tem o comer por sinais fisiológicos, que deve prevalecer", diz.
No entanto, não é saudável nem sustentável ignorar os outros tipos de fome. "Uma vida em equilíbrio tem espaço para outras fomes, como a emocional. Em um momento feliz, posso comemorar com um bolo, por exemplo. Comer é um dos itens que perde para poucos em termos do prazer causado. Não adianta lutar contra isso. O problema é quando se tenta comer por prazer em todas as refeições".
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