Vida na pandemia: é preciso parar de ter pressa com o que leva tempo
Resumo da notícia
- Diante da pandemia, saber esperar é essencial para manter a saúde mental
- Existe um desejo de antecipar o futuro, fazendo a ansiedade ganhar espaço em nossa rotina
- Etapas são importantes para conquistas mais verdadeiras e seguras
- Aquela pressa, antes cotidiana, agora depende de algo que não temos controle
Tudo na vida tem um tempo e, talvez, o maior aprendizado dessa fase de isolamento social é entender que não dá para conseguir as coisas de um dia para o outro. Se até alguns meses atrás éramos movidos pelo imediatismo, hoje o que tem de predominar é a paciência. O mundo foi obrigado a parar e isso nos mostrou que não podemos ter controle sobre tudo e, diante da pandemia, saber esperar é essencial para manter a saúde mental.
De acordo com Elisa Zaneratto Rosa, professora de psicologia social e saúde mental da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), nunca temos um controle absoluto, mas geralmente atuamos sob condições mais previsíveis. "O desafio desse momento é que estamos em circunstâncias pouco conhecidas e sem conseguir enxergar como podemos atuar nessa situação para construir a realidade em alguma direção", diz.
Tudo no seu devido tempo
Apesar de ser até óbvio que algumas coisas levam tempo para acontecer, na prática, é difícil esperar. Existe sempre um desejo de antecipar o futuro, fazendo a ansiedade ganhar cada vez mais espaço em nossa rotina. "Um dos grandes aprendizados nessa fase atual são as lições sobre o tempo da maturação e da elaboração", diz o psicólogo Fábio Belo, docente no departamento de psicologia da UFMG (Universidade de Minas Gerais).
O ritmo imposto pelo sistema capitalista é bastante acelerado, visando o preenchimento completo do tempo e a transformação dele em produção. No entanto, é essencial se dar conta de que esse tempo não deve ser redutível apenas ao trabalho, é importante incluir em nossa agenda o ócio, o entretenimento e até mesmo os sonhos, que precisam de um período para serem concretizados.
Isso mostra que etapas são importantes para conquistas mais verdadeiras e seguras, como uma posição profissional, um relacionamento, uma amizade de confiança. O desejo de acelerar o tempo pode atrapalhar esse desenvolvimento, pois melhor que ter controle é conseguir identificar o modo como nossas ações fazem diferença.
Aprendendo com o imprevisível
No Budismo, a impermanência é um tema importante para lidar com o presente, sem se apegar ao passado ou sofrer antecipadamente diante do futuro. A crença diz que nada é permanente e tudo pode mudar a cada segundo. Diante disso, fica fácil compreender que não há como ter controle sobre o tempo. "Existem mais duas importantes lições nessa pandemia: a imprevisibilidade radical que o vírus impõe e a contingência diante da natureza, pois o vírus mostra seu potencial, apesar da sua invisibilidade", diz Belo.
O coronavírus é um enigma que nos tira da nossa zona de conforto, da rotina e da sensação de domínio sobre a agenda. Aquela pressa, antes cotidiana, agora depende de algo que não temos controle. "Mas isso pode ser uma janela de oportunidade para uma ressignificação radical na nossa existência. Se vai ser ou não, não dá para saber, afinal existem forças que são muitos mais fortes que o próprio vírus, como a força do capital", explica ele.
De volta à rotina
Para Rosa, a pressa em voltar à realidade anterior não é um caminho saudável. O fato de a pandemia ter forçado essa parada não necessariamente fará com que a gente volte à normalidade mais transformado. Por isso, segundo ela, o momento pede uma reflexão sobre essa rotina que nos impõe a determinados ritmos e pressas que nos fazem sofrer. Mais que ter pressa em voltar, vale observar e avaliar quais anormalidades estão postas nesse mundo ao qual queremos voltar. "E quais transformações devemos fazer no mundo e a nós mesmos para entender que estamos em um processo de muitas mudanças", diz.
Mas é fundamental destacar que não dá para exigir que todo esse processo seja prazeroso, proveitoso e transformador. É importante não impor pressa em ressignificar as situações, como se fosse algo mecânico e obrigatório. "As pessoas precisam ser mais generosas com o seu sofrimento e entender que não é pouco o que estamos vivendo", alerta a psicóloga. Foi necessário transformar profundamente as rotinas, em uma situação ameaçadora, com muitos óbitos, e o mundo vai se transformando para uma direção que ainda não sabemos qual é.
Por isso, não podemos ter pressa para assimilar tudo isso também. Cada indivíduo tem seu tempo para absorver, aprender e se adequar à nova realidade. "Estamos assistindo a uma tragédia anunciada e o mais importante é entender que não dá para exigir nesse momento que as pessoas vivam isso de forma positiva e prazerosa, colocando uma exigência diante de uma situação de calamidade", diz Rosa.
São muitas transformações e a separação entre público e privado está mais tênue. Para os especialistas, ninguém sai de uma pandemia como entrou. "É importante se sentir parte desse novo mundo, mas acolhendo lutos e dificuldades. Não dá para ficar refém de uma pressa ditada por uma realidade ou entrar na mesma lógica de eficiência e produtividade", diz a psicóloga.
Cada um no seu próprio ritmo
É sempre importante reforçar que o tempo não tem uma objetividade, ele é singularizado na história de cada um. "Obviamente, esse processo atual reabre a possibilidade de um tempo longo, pessoal e de elaboração afetiva. Ele mostra como o crescimento e o amadurecimento exigem um tempo pessoal e singular, embora essa temporalidade estivesse colonizada pelo nosso modo de vida anterior à pandemia", comenta Belo.
Aquele ritmo acelerado e ansioso, sem chance ao ócio, sempre nos colocava em dívida. Sempre faltava um novo curso, mais uma língua, uma leitura, um trabalho. "Este excesso cobrado pelo capital agora pode receber um tipo de freio, e garantir uma possibilidade otimista de que algo pode vir daí, por isso não tenha pressa e aproveite esse momento para repensar".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.