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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


"Médica disse que ele não sobreviveria", conta mãe de "criança borboleta"

Bruna Alves

Do VivaBem, em São Paulo

25/10/2020 04h00

Lucilene Gonçalves de Lima, 22, levava uma vida simples com o marido no município de Serra Nova, zona rural de Minas Gerais. Em 2017, ela engravidou e quando o menino nasceu, logo ela percebeu que ele tinha uma grave doença de pele: a epidermólise bolhosa (EB). A seguir, ela conta como foi a descoberta, o que mudou em seu dia a dia e como faz para cuidar do filho.

As crianças com epidermólise bolhosa são conhecidas como "crianças borboletas" porque a pele se assemelha às asas de uma borboleta devido à fragilidade provocada pela alteração nas proteínas responsáveis pela união das camadas da pele.

"A gestação foi normal e sem nenhum tipo de preocupação. No dia que nasceu, ele não foi diagnosticado, porque os médicos não sabiam o que era, mas eu descobri que ele tinha epidermólise bolhosa (EB) assim que o vi.

Soube porque tive uma prima que tinha também, e ela infelizmente já morreu. Demorou um bom tempo para ele ser diagnosticado por exames com EB mesmo, porque a maioria dos médicos não tem tanto conhecimento da doença, o que complica bastante, porque eles não sabem nem como lidar com uma criança assim.

Quando o médico deu o diagnóstico, já sabia que não tinha cura, que o tratamento era diário, com curativos e que eles são bastante caros. Minha tia me ensinou a cuidar mais dele do que os próprios médicos.

Ele nasceu sem pele no pezinho esquerdo até o joelho, e algumas bolinhas menores pelo corpo.

Os primeiros dias foram os mais difíceis. E, para mim, que nunca tinha tido um filho, tudo era diferente e foi bem complicado, não sabia nem como segurá-lo, porque até o jeito de segurar é diferente, se eu segurar igual qualquer outra criança, vai machucar e ferir.

Até cair na real, perceber que não vai ser tão igual às outras crianças, aprender a tratar as feridas, é difícil, mas, aos poucos, a gente vai aprendendo e conseguindo lidar com isso.

Médica disse para mim que ele não sobreviveria

Luan - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Uma coisa que me marcou muito quando ele nasceu foi que uma das médicas disse que ele não iria sobreviver, e no meu pensamento, mesmo sendo médica, ela não tinha o direito de falar aquilo. Mas confiei em Deus e segui em frente, e agora Luan está aí, com dois anos e muita alegria, para essa médica e outras pessoas verem que para Deus nada é impossível.

Uma das piores coisas da EB é que não tem cura. Então você cuida de uma ferida e ela melhora, mas em seguida nasce outra bolha. Todo dia tenho que cuidar, porque senão as feridas não melhoram e vão indo para o corpo todo.

E nunca está totalmente sem nenhuma ferida. Isso é bem complicado. Às vezes dá aquela sensação de que o trabalho não está sendo bem feito. A gente sabe que é assim, mas temos a sensação de que não, porque nunca sara e volta de novo.

Na hora da troca, ele fica sem os curativos para respirar um pouco, só que como ele ainda não sabe que qualquer coisa pode machucar e ferir, não posso deixar muito tempo exposto, para não correr o risco de infecção e inflamação.

No começo, eu o levava ao médico de dois em dois meses, mas se alguma ferida estivesse inflamada tinha que levar antes do tempo, mas não tem um tempo certo, é conforme ele estiver bem ou não.

Ele é bem bonzinho, conversa, gosta de comer, brincar, vai pela casa toda atrás de mim, mas como os pezinhos dele são machucados desde o nascimento, ele tem mais dificuldade para andar. A casa fica alegre com ele, até falo para o meu marido que quando ele adoece fica aquela coisa estranha, porque ele é bem barulhento e animado.

Minha rotina mudou bastante depois que o Luan nasceu

Luan 2 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Antes dava para trabalhar, agora não tem como. Não posso deixá-lo com qualquer pessoa para trabalhar. Ele precisa de muito cuidado e tratamento. O banho, por exemplo, é algo muito dolorido para ele, porque na hora que põe a ferida na água dói.

Por isso quase sempre coloco um pouquinho de sal na água, porque dói menos, alivia e parece que adormece. Daí ele chora menos. A ferida dele não é como qualquer ferida que a gente tem.

Ele tem que passar em dermatologista por causa da pele, em pediatra como toda criança, em oftalmologista porque tem uma manchinha no olho que os médicos acreditam que seja por conta da EB.

Ele precisa de curativos, pomadas, cremes, remédios, alimentação, já que muitas coisas pioram as feridas e tem que saber o que comer, ficar bem hidratado. O tratamento tem que ser de toda parte, não são só os curativos, tudo tem que ser correto para ele ter uma vida melhor.

Com ajuda do Instagram e da vaquinha online a gente vai se mantendo

Aqui é região pequena e antes meu marido ia muito trabalhar em outras cidades por alguns meses, mas agora não dá mais para ele fazer isso. Daí ele faz um bico aqui e outro lá, mas não é tanto como antes, porque ele não pode sair e me deixar aqui sozinha com ele.

O que eu mais faço para ajudar, o principal é o Instagram, porque lá tem uma listinha do que ele precisa. E ele tem bastante seguidores, daí as pessoas ajudam e mandam as coisas, fazem depósito na conta da vaquinha, e assim a gente vai conseguindo manter o tratamento dele.

Luan 3 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Aqui na região mesmo não tem médico, e o tratamento dele é em outra cidade. E por ser um tratamento bem caro, se não fossem as doações, não sei como seria. Até entrei na Justiça para conseguir o que ele precisa, porque é muito caro. E pelo que os médicos falam, ele sempre vai usar os curativos, não pode deixar a ferida exposta. E depois que cresce, o que melhora é que eles aprendem a cuidar.

Tenho receio de sair e as pessoas o machucarem, mas ele estando protegido, posso ir em todos os lugares tranquilamente. Ele é a nossa felicidade e qualquer pessoa percebe que a doença não deixa de fazer a criança sofrer. Toda mãe que tem um filho com EB sonha que encontrem a cura, e digo sempre que para Deus nada é impossível.

Na cidade que moro não tem muito preconceito porque o pessoal o conhece, mas quando sai para fora, na hora que o veem, as pessoas ficam curiosas perguntando o que aconteceu. A falta de conhecimento acaba se tornando preconceito. Mas não deixa de ser incômodo.

E por isso é importante divulgar a epidermólise bolhosa, para que pessoas conheçam e não fiquem achando que a criança está sendo maltratada ou queimada, porque não é isso".

A epidermólise bolhosa

1) O que é epidermólise bolhosa?
É uma doença rara, genética e hereditária, que provoca a formação de bolhas na pele causadas por mínimos atritos ou traumas. Ela se manifesta já no nascimento, não tem cura e afeta ambos os sexos. Também é comum que a EB provoque dor e afete a vida cotidiana física e emocional dos pacientes. As crianças com a condição são conhecidas como "crianças borboleta", pois a pele fica tão frágil que se assemelha às asas do inseto.

2) Como a doença se caracteriza?
A principal característica é o aparecimento de bolhas, especialmente nas áreas de maior atrito, mas é possível surgir na boca e até nos olhos. As bolhas podem estar presentes desde o nascimento ou aparecer logo depois em regiões que sofreram qualquer tipo de pressão ou trauma, mesmo que seja leve. Aqui vale mencionar que há casos de crianças que nascem sem pele em algumas partes do corpo, o que favorece o risco de infecções e sepse (infecção generalizada). Lesões profundas podem produzir cicatrizes semelhantes às de queimaduras.

3) Quais são os sintomas mais comuns?
Os sintomas estão ligados diretamente ao surgimento de bolhas dolorosas na pele e em qualquer parte do corpo, que variam de acordo com o tipo e a gravidade da doença. Além da dor que as bolhas provocam naturalmente, também é possível que a cicatrização da pele tenha um aspecto áspero e com manchas brancas, comprometimento das unhas, diminuição dos cabelos, redução do suor ou suor em excesso, entre outros. Dependendo da gravidade da doença, ainda pode haver a formação de cicatrizes nos dedos das mãos e dos pés, levando a deformidades.

4) Há casos mais graves e outros mais brandos?
Existem mais de 30 tipos da epidermólise bolhosa, que variam de quadros mais brandos a mais graves, mas os quatro principais são:

  • Epidermólise Bolhosa Simples (EBS) - É a forma menos grave. Sua principal característica é a formação de bolhas, que cicatrizam sem deixar marcas. As áreas mais vulneráveis são mãos, pés, joelhos e cotovelos, por causa da maior exposição aos traumas e atritos.
  • Epidermólise Bolhosa Juncional (EBJ) - As bolhas são profundas, acometem a maior parte da superfície corporal e a morte pode ocorrer antes do primeiro ano de vida.
  • Epidermólise Bolhosa Distrófica (EBD) - Há formação de bolhas em quase todo o corpo, inclusive na boca e no esôfago. As lesões do tubo digestivo, quando cicatrizam, podem provocar fibrose, o que dificulta a passagem dos alimentos. A repetição dos episódios no mesmo local pode resultar na perda das unhas e na distrofia dos pés e mãos. É a forma que mais deixa sequelas.
  • Síndrome de Kindler - É uma mistura das outras formas anteriores. Apresenta bolhas, sensibilidade ao sol, atrofia de pele, inflamação no intestino e estenose de mucosas.

5) Como é feito o tratamento?
A epidermólise bolhosa envolve múltiplos órgãos e sistemas do corpo. O tratamento, portanto, é multidisciplinar e voltado para o alívio da dor e para evitar o agravamento das lesões e desnutrição. A cirurgia pode ser um recurso necessário quando as cicatrizes provocaram o estreitamento do esôfago, a ponto de impedir a alimentação adequada, ou quando houve degeneração dos pés e mãos.

"Apesar de ser uma doença grave, com o diagnóstico precoce e acompanhamento adequado, os pacientes podem ter uma vida relativamente normal e participar das atividades diárias com menos restrições. Eles podem ir à escola, brincar, ir à praia e praticar esportes de forma supervisionada e adaptada. Com o crescimento da criança e cuidado com os traumas, o surgimento das bolhas pode diminuir com a idade", explica Fernanda Seabra, dermatologista do Aliança Instituto de Oncologia em Brasília.