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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Por que tanta gente gosta de discutir nas redes sociais? Faz mal?

Priscilla Auilo Haikal

Colaboração para o VivaBem

09/11/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Por mais que as redes sociais tenham como proposta aproximar as pessoas, é comum a ocorrência de discussões e desavenças nessas plataformas
  • Limitações na linguagem e conteúdos direcionados estimulam posturas intolerantes entre usuários
  • Responder com agressividade só aumenta a ansiedade e o estresse, e nos deixa num estado constante de alerta que pode trazer adoecimento psíquico

A capacidade de a internet disseminar informações em poucos segundos e para muitas pessoas está entre os artifícios mais adorados e odiados da nossa época. A possibilidade de fazer com que uma publicação se espalhe igual a um rastilho de pólvora e ganhe o apoio de muitos "seguimores" é bastante tentadora. Mas também é grande a chance que se torne motivo para ataques e a sede momentânea da mais nova batalha digital.

Não é preciso muito para que certa discórdia vire uma briga generalizada na internet. Começa com uma tirada irônica, depois segue com ofensas, comentários pejorativos até chegar a acusações infundadas. De repente, há um turbilhão de respostas, entre memes, hashtags e xingamentos. Opiniões se confundem com argumentos e o contágio emocional é bastante evidente. Não tem mais volta, os agressores e defensores se manifestam incessantemente e o post ganha cada vez mais visibilidade.

É um fenômeno que, além de muitos cliques e visualizações, costuma despertar reações exaltadas e impulsivas que geram ainda mais atritos e desentendimentos. Vale dizer que normalmente essas discussões são movidas por afetos, e não pela razão. Ao agir pela emoção, a escuta fica prejudicada e a racionalidade não tem nenhum espaço. Afloram comportamentos típicos em situações de alerta e inerentes ao ser humano, tais como medo, raiva, angústia e hostilidade.

Permanecemos a postos para o conflito, em um ambiente onde o recurso mais importante para despertar reflexão e compreensão parece inexistente: o diálogo. Mas por que essas polêmicas e desavenças chamam tanto a atenção? O que faz com que os embates tenham tanta repercussão, se aumentam a frustração e os níveis de estresse? De onde surge a vontade quase incontrolável de participar?

Briga na internet - Thinkstock - Thinkstock
Imagem: Thinkstock

Ninguém é #perfeito

Por mais difícil que seja, é da natureza do homem se relacionar. Somos sociáveis e gregários. É na convivência com nossos pares que temos reconhecimento, desenvolvemos a cognição, tomamos consciência das emoções, alimentamos a existência, enfim, viramos humanos. As brigas e os debates fazem parte do cotidiano, assim como os ruídos e os mal-entendidos da comunicação. Afinal, cada um preserva sua própria singularidade e é natural que ocorram discordâncias.

Mas entre os padrões disseminados na sociedade, existe uma crença utópica de funcionamento ideal das interações que rejeita qualquer tipo de alteração. Baseada em valores ligados à ordem e estabilidade emocional, para que não haja interferência na produtividade nem no rendimento do trabalho, essa mentalidade rejeita os debates e discussões, como se fossem choques atípicos que não deveriam acontecer. Dessa forma, os episódios são sempre vistos com muita atenção e interpretados com demasiado interesse.

O viver em grupos e em comunidades é constituído por uma série de trocas e jeitos de socializar, que incluem atritos e divergências. Claro que nem tudo se resume em paz ou guerra. O convívio abrange uma multiplicidade de formas de estar no mundo, que variam de acordo com as subjetividades e os padrões desenvolvidos em vivências anteriores. Entre um ponto e outro há muitas possibilidades, que podem ser exploradas de várias maneiras, inclusive com o surgimento de novas ferramentas para nos comunicar, como as redes sociais.

Inclusive a proposta dessas plataformas é justamente facilitar a interação e aproximar pessoas. O que poderia dar errado?

Cancelamento - iStock - iStock
Imagem: iStock

Narciso acha feio o que não é espelho

Presentes há cerca de 10 anos em nossas vidas, esses espaços onde revelamos rotinas e compartilhamos preferências não são neutros. Mesmo que sejam ferramentas gratuitas, pertencem e funcionam de acordo com determinações de empresas privadas. Ou seja, as dinâmicas sociais estabelecidas nesses ambientes variam de acordo com os mecanismos disponíveis, que são criados e pensados por corporações.

Acontece que no formato atual, pouco colaboram para que haja diálogo, troca construtiva e o reconhecimento das diferenças. Ao contrário, os recursos estimulam a manutenção de ideias pré-concebidas e dificultam a negociação dos pontos de vista, criando verdadeiros abismos entre os usuários, dentro e fora das mídias digitais.

Primeiro porque a linguagem, uma importante mediadora nas relações, é restrita. Diferente do que acontece nas conversas presenciais, em que há gestos, expressões, tom de voz, temporalidade e outros sentidos envolvidos, em um debate online os usuários se limitam a afirmações ou reagem conforme as poucas emoções disponíveis. Depois porque o alcance das informações é determinado por algoritmos que privilegiam o direcionamento de conteúdos sempre com o mesmo viés, conforme as preferências de cada perfil.

O resultado? Uma timeline homogênea, onde as ideias, notícias e propagandas que aparecem seguem os gostos e comportamentos típicos daquele consumidor. Não há diversidade na realidade que é apresentada diariamente. Os símbolos, os discursos e as representações seguem um padrão conforme o nicho daquela pessoa. Ao acessar somente aquilo que você se identifica e tem como verdade, a tendência é desenvolver menos tolerância e mais discriminação com o que fica de fora da sua própria bolha.

Após anos imersos nesse contexto artificialmente construído, que oferece narcisicamente espelhos de nós mesmos, não é mero acaso que muitas reações estejam pautadas pela agressividade e intransigência. Há uma sensação de recompensa ao estar entre os que pensam de forma semelhante e de enfrentamento quando nos deparamos com o que é diferente. Assim, o ataque aparece subjetivamente como defesa ao que não reconheço e por isso identifico como ameaça.

Sem pluralidade e diálogo nas interações, que servem justamente para estimular a ampliação e diversificação do pensamento, não há crescimento tampouco transformação daqueles que se relacionam. As experiências ficam restritas e empobrecidas, perdemos a chance de vivenciar outras propostas e processos, e permanecemos mais suscetíveis à manipulação coletiva. Diante dessa padronização, ficamos mais rígidos e inflexíveis, incapazes de manifestar sentimentos e de compreender a expressão dos que não se enquadram na nossa visão de mundo. Sobram agressividades deslocadas e que são potencializadas pela lente de aumento da internet.

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Imagem: Getty Images

Por que reagimos assim

Existem algumas explicações que contemplam as origens desse comportamento duelístico. Desde os tempos primitivos, na luta da espécie pela sobrevivência, o homem se organizou em comunidades, teve atitudes colaborativas entre os seus e fez ações em prol do coletivo. Mas, ao mesmo tempo, também agiu de maneira violenta e de enfrentamento na presença de outros grupos que podiam representar perigo dentro do seu domínio. Nas variadas formas de se constituir socialmente, transitou entre a cooperação e a coerção com o próximo.

Além dos fatores ancestrais, nossas reações também são influenciadas pela configuração do nosso olhar. Se os estímulos, referências e experiências passadas foram baseadas em condutas e modos de ser autoritários, com imposição de padrões rígidos e não aceitação das singularidades, a pessoa desenvolve uma grande dificuldade em lidar e compreender quem age, pensa e sente diferente. Do mesmo jeito, quem só conviveu com posturas permissivas e não enfrentou situações adversas, cria a ideia de que está sempre com a razão e não sabe admitir ou concordar que existem outras possibilidades.

Quando não vivemos uma socialização voltada para a alteridade, que busca reconhecer as diferenças na formação do outro e em si mesmo, bem como pensar as diversidades que constituem as relações, tudo aquilo que não pertence ou que não pode fazer parte de mim é interpretado como ameaça. Como diz o ditado popular "a melhor defesa é o ataque", se vemos ou lemos algo que soa perturbador, agimos para invalidar os envolvidos e mobilizamos vários recursos de proteção que provocam ansiedade e desconforto, e só contribuem para a falta de acordo ou entendimento na comunicação.

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Humildade e respeito pelos múltiplos vieses

Vale dizer que dificilmente os enfrentamentos que partem de palavras ou atos violentos levam a uma solução satisfatória. De pouco adianta "xingar muito no Twitter" ou em qualquer outra rede social. Além de aumentar a irritação e a insatisfação, ao participar desses embates constantes, ficamos com a sensação de viver em um mundo caótico e perigoso, do qual precisamos nos defender a todo o momento. Ficar nesse estado de alerta contínuo pode causar adoecimento psíquico, já que o medo e a ansiedade são alguns dos gatilhos para a depressão.

Pela lógica das redes, quanto mais interações agressivas o usuário estabelecer, mais vai receber conteúdos com o mesmo direcionamento. Muitas vezes reproduzimos esses padrões simplesmente porque não sabemos existir de outra forma. Mas são comportamentos que podem ser revistos durante toda a vida.

Como a interpretação dos fatos varia conforme a nossa cognição e sentidos, faz parte de um processo de desconstrução complexo e de aprendizado contínuo para conseguir enxergar a validade dos múltiplos vieses. Encarar as situações com tolerância e humildade é o caminho para estabelecer relações mais saudáveis e respeitosas, consigo e com os outros. Faz parte de um importante amadurecimento internalizar que somos plurais no modo de agir e pensar, e mesmo que aconteça com alguém de fora do nosso grupo, é fundamental denunciar casos de discriminação e discursos de ódio contra minorias sociais —que são crimes.

Sejam online ou não, as comunidades são compostas por pessoas e cabe a nós melhorar a qualidade das falas e informações que nelas circulam. Ser responsável ao compartilhar publicações, ter cuidado na escolha das palavras, tentar fazer o melhor uso da linguagem para ser bem compreendido, além de praticar a reflexão sobre o lugar que o outro fala são alguns meios de construir interações mais horizontais e democráticas.

Fontes: Deborah Christina Antunes, psicóloga e professora do programa de pós-graduação em psicologia da UFC (Universidade Federal do Ceará); Deborah Karolina Perez, psicóloga e professora do Centro Universitário das Faculdades Integradas de Ourinhos; Milton Campos, professor honorário da Universidade de Montreal e professor da Escola de Comunicação e do Instituto de Psicologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).