Nutrição e body positive: aceitação do corpo melhora os hábitos alimentares
Resumo da notícia
- O movimento body positive incentiva a descoberta dos aspectos positivos do corpo
- A abordagem destaca o autoconhecimento e a liberdade para escolher como se alimentar
- Não incentiva a busca por um corpo "ideal" nem dietas restritivas
- O autocuidado, o respeito pelo corpo e o amor-próprio estimulam escolhas alimentares mais saudáveis
- Nutricionistas comportamentais podem contribuir para melhorar a relação com a aparência e os hábitos alimentares
Quantas vezes você olhou para o espelho e gostou do que viu? A autoestima é uma construção diária, mas as mulheres, principalmente, sentem-se forçadas a ter um corpo "dentro dos padrões" e, muitas vezes, realizam dietas restritivas e bastante radicais. Contrário a essa prática, surgiu um movimento conhecido como body positive, que incentiva a descoberta dos aspectos positivos do corpo. Além de estimular práticas diárias de aceitação sem precisar se enquadrar no que é imposto pela moda ou sociedade, ele também contribui com mudanças na alimentação.
"Se uma pessoa tem uma relação boa com seu corpo, ela desejará cuidar mais de si mesma. Além de querer uma alimentação que promova esse autocuidado e, consequentemente, fará mudanças que valorizem sua saúde. Quem odeia sua aparência, por exemplo, geralmente está disposta a qualquer mudança radical como fazer dietas restritivas e até passar fome", destaca Fernanda Imamura, nutricionista e colaboradora do Protad (Programa de Atendimento, Ensino e Pesquisa em Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência), do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Imamura faz parte de um grupo de nutricionistas que usam uma abordagem nutricional bastante humanizada, de forma gentil e sem dietas, conhecida como nutrição comportamental. Recentemente, ela postou em suas redes sociais uma frase do livro O Mito da Beleza, da autora Naomi Wolf, que viralizou: "Não se destrói o patriarcado com fome".
Para ela, quando se faz uma dieta restritiva, a pessoa passa grande parte do dia pensando em comida de maneira obsessiva. "O centro da vida passa a ser o corpo e a comida, e tudo gira em torno disso. Atualmente, a ideia de passar fome está ultrapassada. Hoje os pacientes já chegam falando que querem saúde e não desejam cortar tudo o que gostam de comer".
Em primeiro lugar, a aceitação
De acordo com a nutricionista Larissa Oliveira, pós-graduada em nutrição clínica com ênfase em terapia nutricional pela Universidade Positivo do Paraná, o movimento body positive é importante por reforçar que as pessoas devem se aceitar como são e dá mais liberdade para que se alimentem da maneira que quiserem. "O amor-próprio afeta positivamente a aceitação alimentar. Devemos associar a comida como fonte de prazer e não falar apenas de valor nutricional. Aceitar o corpo não significa não querer mudar, mas essa mudança não pode ser imposição de alguém ou da mídia", diz.
A nutricionista e especialista em transtornos de compulsão alimentar Manuella Capezzuto, que trabalha no Ambulim, Programa de Transtornos Alimentares do IPq-HCFMUSP, concorda que, como o movimento trabalha um respeito pelo corpo, afeta positivamente vários aspectos da vida, inclusive a alimentação. "A gente cuida melhor do que gostamos. A alimentação diz bastante sobre o autocuidado. A mentalidade de que há alimento 'bom e ruim' é muito presente na nossa sociedade e também há a questão da punição após comer determinado alimento, o que não é um comportamento saudável", afirma.
Para Paola Altheia, nutricionista pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e pós-graduada em comportamento alimentar no Instituto de Pesquisa e Gestão em Saúde, ter uma visão negativa do próprio corpo é algo que alimenta a baixa autoestima e a compulsão alimentar. "O acolhimento, a gentileza e o respeito próprio têm o poder de mudar a forma que as pessoas pensam o autocuidado. Ninguém consegue resultado com ameaças, humilhações e cobranças. Muitos aspectos podem mudar quando alguém toma a decisão de acolher o próprio corpo, incluindo a alimentação".
Mais saúde e qualidade de vida
Geralmente, o primeiro passo para quem deseja ter mais qualidade de vida e hábitos alimentares mais saudáveis é buscar um especialista como nutricionista ou nutrólogo. Mas, nem sempre a experiência é positiva. Foi o que aconteceu com a advogada Thais Camara, 31, que se considerava fora do peso "ideal".
Ela conta que sempre lidou com comentários ruins sobre a aparência, por isso realizou dietas por conta própria, como a da gelatina e a do tomate, mas não deram resultados. Ao procurar um especialista, ficou bastante decepcionada ao perceber que as dietas sugeridas eram pré-definidas e padronizadas e não respeitavam sua individualidade.
"Em 2018, me consultei com um nutrólogo que associou medicamentos com a dieta low carb e o jejum intermitente. Consegui emagrecer, mas durou apenas cinco meses. Sofri muito com as restrições e com o impacto psicológico, pois comecei a acreditar que existia alimento inimigo e que deveria ser banido de vez da minha dieta", diz.
Após conhecer a nutricionista Fernanda Imamura, ela mudou a sua visão sobre a alimentação, não faz mais restrições alimentares e não tem problema em repetir um prato em uma refeição afetiva. "Hoje posso dizer que tenho uma alimentação saudável, como de tudo um pouco, não me privo de nada e aprendi a experimentar outras variedades e formas de preparo. E sem deixar de comer hambúrguer quando tenho vontade", diz.
Uma consulta diferenciada
Nem sempre é fácil encontrar um nutricionista ou nutrólogo que foque na mudança de comportamento alimentar e não apenas no emagrecimento. As especialistas consultadas por VivaBem destacam que a primeira consulta é muito importante para saber qual caminho seguir.
"Cada pessoa é única e consequentemente suas questões também serão diferentes. Além disso, procuro entender o histórico do paciente e quais fatores influenciam na sua alimentação. É importante trabalhar as mudanças em sua alimentação e na sua relação com a comida por meio de metas graduais que vão sendo combinadas em conjunto", afirma Imamura.
Durante a consulta, é importante que o nutricionista entenda como os sentimentos estão conectados com a comida, uma vez que o estado emocional influencia o desejo de comer.
"Procuro ser uma ouvinte apoiadora, não quero determinar o que uma pessoa vai ou não comer ou estipular uma quantidade. Uso da própria história do paciente para então reeducá-lo, trabalhando mudanças de comportamento. A consulta vai acontecendo de acordo com cada paciente, ouvindo seus medos e suas necessidades de mudanças", diz Oliveira.
Especialistas que seguem essa abordagem não costumam prescrever dietas, planos alimentares ou cardápios. Isso porque, muitas vezes, quando os pacientes chegam ao consultório já estão cansados da prática constante de restrição alimentar, assim como o efeito sanfona e outras consequências para a saúde física e mental.
"Meu trabalho é conversar sobre como tem sido a relação com a comida, quais são os aspectos problemáticos e de que forma podem ser melhorados. Fazemos um processo de reflexão, trabalhamos com tarefas e metas que podem ajudar na melhora da alimentação. Tudo de acordo com o que for seguro e tolerável para o paciente", explica Altheia.
Como ser mais gentil com o próprio corpo?
Um caminho para começar a melhorar a relação com o corpo é entender que ele tem a sua funcionalidade. Graças a ele, é possível realizar atividades como trabalhar, abraçar, dançar, correr e várias outras ações do dia a dia. "É preciso pensar que o corpo não é um simples adorno. Cultuar o corpo perfeito não é saudável. Por isso, é importante tomar cuidado com as redes sociais e perfis que trazem mal-estar e reforçam corpos esquálidos. Nós somos mais do que apenas a nossa aparência", destaca Capezzuto.
Em 2016, a professora Malice Robins, 26, buscou ajuda de Paola Altheia por se sentir engolida pela pressão estética, mesmo se sentindo bonita. "Quando procurei uma nutricionista, estava com cerca de 37 kg, pois comia muito pouco. Uma reeducação me fez ter um peso digno de uma mulher adulta. Atualmente, faço exercícios para a manutenção da saúde e como o que tenho vontade. Não posso dizer que estou totalmente curada, mas o tratamento surtiu muito efeito", relata.
Ela confessa que durante a adolescência inteira teve anorexia nervosa, por isso contava calorias de acordo com revistas de dietas e chegou a viver com menos de 300 kcal por dia, além de fazer exercícios exaustivos.
"Hoje posso dizer que sou feliz com meu próprio corpo. Consigo ter em mente que manchas, celulites, estrias são apenas características, e não defeitos. Quando comecei a focar mais no que meu corpo pode fazer por mim do que em minha aparência, passei a ter uma boa relação com ele", diz.
Para as especialistas, é preciso entender que os alimentos servem para nutrir e garantir que o corpo continue funcionando. "Os alimentos são combustíveis. A comida pode representar cultura, tradição, afeto e carinho. É necessário valorizar os seus vários significados para poder contribuir na melhora da relação com a comida", destaca Imamura.
Veja algumas dicas sugeridas para melhorar a relação com o corpo e a alimentação:
- Esqueça o senso comum sobre dieta e imagem corporal "perfeita";
- Não se atente para as ideias pré-concebidas sobre alimentação;
- Não romantize a magreza;
- Tenha compaixão pela própria história e respeito por tudo que o corpo já viveu;
- Deixe o perfeccionismo de lado e se contente com o que pode ser feito;
- Tenha autonomia para fazer as próprias descobertas;
- Faça o que faz sentido para você;
- Busque ajuda profissional para melhorar a relação com a alimentação.
Permita-se uma sobremesa
É muito comum que pessoas que fazem dietas carreguem diversas culpas relacionadas à alimentação. Uma delas é o consumo de doces. Mas uma sobremesa pode estar presente dentro de uma alimentação saudável.
Parar de julgar os alimentos em bons e ruins (proibidos versus permitidos) faz com que a pessoa consiga ouvir mais o seu corpo e entender as suas vontades, tendo mais autonomia sobre suas escolhas alimentares.
"Não devemos categorizar um alimento. Comer um bolo de chocolate em uma festa é saudável, depende do contexto. É importante entender os desejos do corpo, ouvir nossa fome, respeitar a nossa saciedade. É importante comer com prazer e evitar a culpa", opina Capezzuto.
O fim da culpa, inclusive, é importante para além do prato. "Quando falamos de alguém que luta contra a balança há muito tempo, chegar a um ponto saudável e estável é uma conquista muito grande. Não é sobre a situação perfeita, é sobre a situação possível. Não vale a pena passar a vida brigando em busca de um estado que, muitas vezes, é inatingível", diz Altheia.
O body positive estimula a crença de que não existe um corpo "ideal" e prega que ter apenas um padrão de beleza é algo limitante. A felicidade não está atrelada ao formato do corpo, além disso, viver fazendo dietas também pode ser bastante desgastante e prejudicar a saúde.
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