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Inspiração pra fazer da atividade física um hábito


Nunca aceitei que preto não nada e pedala bem, diz triatleta Thiago Vinhal

Thiago Vinhal é um dos poucos negros que compete na elite do triatlo mundial - BRSK Photo/Strava
Thiago Vinhal é um dos poucos negros que compete na elite do triatlo mundial Imagem: BRSK Photo/Strava

Yara Achôa

Colaboração para o VivaBem

20/11/2020 04h00

Trinta e nove anos. Esse é o tempo que levou para um triatleta profissional negro participar do Ironman de Kona, realizado anualmente no Havaí (EUA) e considerado o campeonato mundial da categoria.

O feito foi alcançado pelo mineiro Thiago Vinhal, que em 2017 foi um dos três brasileiros a conseguir a vaga (concedida por resultados em outras provas do circuito) para disputar a competição com 3,8 km de natação, 180 km de ciclismo e 42 km de corrida.

E Vinhal não só participou, como fez bonito na prova. Com 8h27min24s, foi o 13° atleta a cruzar a linha de chegada, entre os 59 que largaram. "Foi minha redenção. Nunca aceitei a história de que preto não nadava bem, que não pedalava bem. Chegar a Kona já foi uma vitória. Mas a sorte favorece o espírito preparado e consegui um bom resultado. Eu sonhei com essa conquista", emociona-se o triatleta ao recordar sua conquista.

Thiago Vinhal em Kona - Wagner Araujo/ Divulgação - Wagner Araujo/ Divulgação
Vinhal na chegada do Iroman de Kona, no Havaí. Ele foi o melhor brasileiro na competição
Imagem: Wagner Araujo/ Divulgação

A busca por representatividade

Por ser um esporte caro (algumas bikes custam mais de R$ 30 mil e a inscrição no Ironman ultrapassa os R$ 1.000), o triatlo é mais praticado pelas classes de elite e são poucos os atletas negros na modalidade —e não só no Brasil. Nos Estados Unidos, onde a modalidade foi criada, Max Fennell é o único profissional afro-americano. O esporte existe desde o início dos anos 1970 e, por mais que alguns movimentos esportivos, como a corrida, tenham atraído atletas negros, o triatlo continua com baixa representatividade. Em muitas de suas entrevistas, Fennell fala sobre ampliar esse quadro.

"A sociedade nos ensina que, como homem afro-americano, você só terá sucesso se for jogador de basquete, de futebol ou algum tipo de artista. Quando você não tem alguém que se pareça com você, não vai se sentir atraído por aquilo."

Tony Brown, fundador e presidente da Black Triathletes Association, organização criada em 2014 para aumentar o número de triatletas negros, é da mesma opinião: ele considera que os afro-americanos não veem o esporte como legal porque não há estrelas negras. A missão de Fennell, Brown e Vinhal também é inspirar garotos e garotas negros.

Thiago Vinhal - correndo com grupo em Maiorca - BRSK Photo/Strava - BRSK Photo/Strava
Vinhal durante um programa de treinamento em Maiorca, na Espanha: único triatleta negro entre os brancos
Imagem: BRSK Photo/Strava

Na falta de referências no triatlo, Vinhal foi buscar na Fórmula 1 e no golfe suas inspirações. "O Lewis Hamilton e o Tiger Woods também surgiram e brilharam em esportes de elite. Chegar lá só mostra como é possível sonhar grande, independentemente de raça, de dinheiro. Quando a gente pensa alto e segue um planejamento à risca, as coisas vão avançando", acredita o mineiro de Belo Horizonte.

Vinhal diz que o fato de ser negro nunca o levou a grandes situações de desconforto no triatlo. E atribui o saber lidar com isso à educação e ao posicionamento que recebeu dos pais, que sempre reforçaram sua autoestima. "Eles tiveram a clareza de nos ensinar que nossa diversidade era nossa fortaleza. Nunca deixei nada me jogar para baixo. Já enfrentei obstáculos, claro, mas busquei o caminho da comunicação, da leveza. Às vezes é falta de cultura, de conhecimento, da outra parte. E ter visibilidade no esporte ajuda a desconstruir preconceitos."

Thiago Vinhal, bike - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

O início no esporte

A família Vinhal nunca teve histórico esportivo. Porém, ao notar a energia do filho mais velho, a mãe decidiu encaminhá-lo para uma atividade física. Ele então começou a fazer natação, aos três anos de idade. E ainda criança viu nascer sua veia competitiva. "Gostava de ganhar do amiguinho na raia ao lado", lembra.

No colégio, que incentivava a prática esportiva, descobriu uma maneira de se envolver ainda mais. "Meus pais disseram que se eu tirasse nota boa, podia fazer o que quisesse. Como era bom aluno, quase morava na escola. Experimentei várias atividades e cada uma me ensinou algo. Desde cedo o esporte mostrou que treinando com disciplina eu poderia melhorar. E mesmo se fosse ruim em alguma modalidade, poderia ser bom para o time."

Embora os pais desejassem para ele profissões como advogado, engenheiro e médico, na adolescência Thiago já sonhava em viver de esporte. "Imaginavam para mim uma carreira que fosse estável e bem remunerada." Cursando o segundo grau técnico em administração, ele passou a ter contato com o mundo do empreendedorismo e do networking --o que ampliou sua visão. Também percebeu seu potencial de comunicação. Na hora do vestibular, optou por economia.

Thiago Vinhal - nadando - BRSK Photo/Strava - BRSK Photo/Strava
A natação foi o primeiro esporte que Thiago Vinhal praticou na vida
Imagem: BRSK Photo/Strava

Mais ou menos nessa época, pelo porte atlético e desenvoltura, também se arriscou como modelo. Apesar do físico de que sempre praticou esportes, a agência pediu para que o mineiro ficasse "trincado" para pegar mais trabalhos. Foi aí que as portas para o triatlo se abriram: "Eu já nadava e precisei aumentar a carga de treino. Então, decidi correr e pedalar também"

Na faculdade, por ser atleta amador, ele passou a ajudar os amigos que pediam dicas de como ter uma rotina saudável. "Isso me deixava feliz, era minha verdade. Era o que queria para minha vida. Fiz apenas dois períodos de economia e segui atrás de meu sonho como profissional de educação física."

Em busca da excelência

Unindo sua paixão pelo esporte, seu talento como atleta e os conhecimentos de empreendedorismo, marketing e comunicação, Vinhal partiu em busca de ser o melhor profissional de educação física que pudesse. Observou e aproveitou o mercado crescente de corrida de rua em Belo Horizonte e fundou, em 2008, uma assessoria esportiva de corrida e triatlo, o Grupo Mais. Sua rede de alunos foi crescendo e muitos deles eram empresários, que o ajudavam com permutas e patrocínios para as competições --já que Vinhal começava a ter visibilidade no esporte amador devido a sua ótima performance.

Em 2010, ao acompanhar dois alunos no Ironman Brasil, em Florianópolis, tomou outra atitude importante: resolveu encarar a desafiadora prova com 3,8 km de natação, 180 km de pedal e 42 km de corrida. "Achei realmente 'coisa de maluco'. Mas foi uma decisão profissional estratégica. Eu buscava ser um treinador diferenciado, era um bom atleta amador e queria me testar. Ali estava a oportunidade de crescer."

Thiago Vinhal correndo na pista - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

No ano seguinte, alinhou-se na largada da praia de Jurerê com o objetivo de apenas completar o Iroman Brasil. Finalizou como 19° colocado geral, com o tempo de 9h10min33s, e foi o primeiro na categoria de atletas amadores entre 25 e 29 anos —o que lhe garantiu uma vaga para disputar o mundial de Kona, como amador, logo em sua estreia na modalidade.

Só que Vinhal abriu mão de estar no mundial em razão de um convite para participar do Programa Hipertensão, um reality show de aventuras, da Globo. "Aceitei porque acreditava que poderia divulgar o triatlo em rede nacional, alavancar a modalidade e me tornar mais conhecido", conta. A competição na televisão durou quatro meses. Vinhal não venceu, mas saiu de lá disposto a se tornar atleta profissional, treinar ainda mais e voltar a conquistar uma vaga para Kona.

As primeiras grandes conquistas

A vida seguiu e nas temporadas seguintes ele obteve resultados expressivos, como em 2014, quando foi o terceiro colocado no Ironman Fortaleza e, em 2016, com o vice-campeonato no Ironman Malásia. Mas foi só em 2017, depois de uma temporada em um camping de treinamento em Maiorca, na Espanha, com o treinador Frank Jakobsen, que seu nível profissional começou a subir e o sonho de viver do esporte se tornou realidade.

Thiago Vinhal chegou na quinta colocação no Campeonato Sulamericano de Ironman, em Florianópolis, e com isso garantiu sua ida a Kona para disputar o mundial na categoria profissional. Após se tornar o primeiro negro a participar o mundial de Ironman como profissional e o excelente resultado que conseguiu no Havaí, o mineiro ganhou mais espaço na mídia e surgiram melhores contratos de patrocínio.

Thiago Vinhal - correndo - BRSK Photo/Strava - BRSK Photo/Strava
Imagem: BRSK Photo/Strava

"Tornar-se atleta profissional no Brasil não é trivial. As adversidades fazem parte do dia a dia, mas o foco e a vontade de realizar o sonho devem ser maiores do que as dificuldades que sempre vão aparecer. E, no final, o bom é olhar para trás e dizer: valeu a pena!", resume.

Do apoio inicial dos alunos empresários, ele passou a contar com grandes marcas dos mais diversos segmentos —de bicicleta a relógio, além de empresas de suplementos e até indústria de produção de aço.

"Antes, eu ficava à frente de tudo, mas gastava muita energia com a negociação dos patrocínios. Agora, meu foco são os treinos e conto com uma equipe para isso. Até durante a pandemia conseguimos fechar um contrato —aliás, o melhor da minha vida", comemora.

Após a participação no mundial do Havaí, o triatleta continuou marcando presença no top 5 do Ironmnan Brasil: em 2018, foi o terceiro colocado e, em 2019 chegou, na quinta colocação, além de ter sido o terceiro na Malásia. Com a pandemia do novo coronavírus, a grande maioria das competições de 2020 foram canceladas, mas Vinhal seguiu treinando duro —inclusive, encarou mais uma temporada em Maiorca, treinando com o dinamarquês Frank Jakobsen.

Thiago Vinhal - Retrato - BRSK Photo/Strava - BRSK Photo/Strava
Imagem: BRSK Photo/Strava

Na sua rotina de atleta são cerca de 30 horas por semana praticando atividade física —mais de quatro horas por dia, de domingo a domingo —, que resultam em 20 km de natação, 500 km de bike e 70 km a 100 km de corrida. Fora duas sessões de musculação, duas de fisioterapia e duas de massagem.

Aos 37 anos, completados em agosto, o mineiro se sente melhor do que nunca. E sonha alto com o que pode conquistar assim que o calendário de competições voltar. "Vou ganhar o Ironman Brasil e ser top 10 do mundo em Kona."

Vinhal se vê competindo em alta performance por pelo menos mais cinco anos. Depois, vai seguir no esporte, claro, falando de sua trajetória para alavancar os sonhos de garotos e garotas. "Cada vez mais quero usar o esporte como ferramenta de transformação social."