Sorrir nem sempre é o melhor remédio; entenda por quê
Resumo da notícia
- Quase sempre, encarar as coisas com um sorriso no rosto faz uma enorme diferença no dia a dia
- Mas às vezes o sorriso serve para mascarar situações que não queremos compartilhar com ninguém
- A necessidade de aceitação faz com que algumas pessoas percam sua essência para agradar os outros
- É importante respeitar o momento de cada um e compreender que nem sempre estamos felizes
Sorrir é uma das formas mais genuínas de mostrar que estamos felizes ou nos divertindo. É tão fácil que nem precisamos de grandes motivos para isso. Sorrimos com a família, com amigos, assistindo à televisão, brincando, trabalhando, comendo, viajando, e por aí vai.
Mas você sabia que existe o lado ruim do riso? Essa situação se evidencia quando o sorriso deixa de ser natural para corresponder a uma necessidade externa, seja para agradar os outros ou simplesmente mascarar uma situação. Nesse sentido, o gesto perde a essência e passa a ser um problema.
Na vida real, não dá para sorrir sempre
Na maioria das vezes, o sorriso é espontâneo. No entanto, há casos em que ele funciona como um mecanismo de defesa. É o famoso sorriso falso ou amarelo, desencadeado, especialmente, pela pressão social.
De acordo com os especialistas, a sociedade exige que estejamos sempre bem-humorados, sorrindo e felizes. Mas a vida real é bem diferente desse conto de fadas. E, no dia a dia, a tristeza não é encarada como algo normal, mas sim como um problema.
"Existe uma exigência das pessoas de forma geral, e principalmente das mais próximas, de que aquele indivíduo esteja sempre bem, e daí ele acaba sempre mantendo o sorriso", explica Paula da Silva Kioroglo, psicóloga do Hospital Sírio Libanês (SP).
A especialista avalia que o problema é cultural e está enraizado. Nessa perspectiva, é preciso corresponder às expectativas, mesmo que do ponto de vista psicológico muitas delas sejam inatingíveis. "Então, não necessariamente o sorriso é o culpado, ele é um reflexo condicionado. O problema é essa mania de termos que estar sempre bem", acrescenta Cláudio Paixão Anastácio de Paula, doutor em psicologia social pela USP (Universidade de São Paulo) e professor da Escola de Ciência da Informação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
O problema é o fingimento
O psiquiatra e professor do Programa de Transtornos do Humor do IPq-USP (Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo) Fernando Fernandes lembra que o sorriso é um ponto positivo para a resiliência, e a expressão dessas emoções diante de uma adversidade faz bem para a saúde mental de qualquer pessoa.
Entretanto, precisa ser uma reação autêntica. O sorriso passa a ser um problema quando a expressão de uma emoção positiva é fingida, quando é resultado de um esforço de expressar uma emoção inexistente, ou seja, é completamente teatral e mutila a própria emoção. "A expressividade física e verbal está querendo dizer uma coisa que as emoções não dizem", explica Fernandes.
Isso ocorre, sobretudo, porque muitas pessoas não se dão ao direito de estarem tristes e tentam mascarar sua condição emocional. "As pessoas fingem que estão bem para agradar os outros, porque são pressionadas, porque não dão conta de mostrar que estão doídas e machucadas", argumenta de Paula.
E aqui vai uma dica de autoavaliação: você prefere estar ao lado de quem está sempre sorrindo, de bem com a vida, ou de quem desabafa com uma certa frequência?
Embora o sorriso seja sempre bem-vindo, a tristeza e o choro também trazem coisas boas, como aquela sensação de alma lavada. Mas isso não significa que devemos ficar submersos na tristeza, e sim dar espaço a ela, porque todos os sentimentos fazem parte de um processo de aprendizagem e evolução.
Há momentos na vida que não podemos demonstrar o que sentimos e realmente precisamos "disfarçar". Isso faz parte do convívio social. "Mas quando a pessoa não consegue mais expressar as suas emoções em nenhuma circunstância, isso, certamente, pode se chamar de uma perda de identidade emocional", diz Fernandes.
Sorria, se tiver vontade
Em 2019, o comediante Whindersson Nunes revelou nas redes sociais que estava sofrendo de depressão. Ele recebeu muitas mensagens de apoio, mas também muitos comentários ruins: "Rico, bem-sucedido, famoso, pode ter a mulher que desejar, e ainda acha jeito de reclamar".
Veja bem, embora ele tenha motivos para se alegrar (aos olhos alheios), também teve motivos para se entristecer —e não cabe aos outros julgar quando é cabível sofrer ou não. O que é bom e suficiente para um pode não ser para o outro. Ninguém precisa sorrir o tempo todo e dizer que está tudo bem. É bom ser feliz, é ótimo sorrir, mas cada um tem uma forma de lidar com os sentimentos, e a individualidade deve ser respeitada.
Para Kioroglo, quando a pessoa sorri sem estar bem ou com vontade, ela impede um processo de acolhimento, de cuidado. "Esse processo silencioso vai se instalando, fazendo com que ela fique cada vez mais triste ou ansiosa, por essa falta de sintonia entre o que sente e o que expressa".
Há quem diga que pessoas que só riem quando realmente têm vontade são voltadas, exclusivamente, para as suas próprias necessidades. Mas esse não seria o ideal, ser quem somos independentemente dos outros? Os especialistas dizem que sim, em um cenário perfeito.
Estou rindo, mas é de nervoso
Quem nunca ouviu a expressão "estou rindo, mas é de nervoso"? Para Flávia Teixeira, professora de pós-graduação em psicologia hospitalar da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), esse é mais um dos mecanismos de defesa que costuma ser usado com frequência.
"Um dos motivos que levam as pessoas a rirem sem vontade seria um acontecimento estressante, no qual é difícil lidar com a situação. O indivíduo tem uma reação contrária ao que está sentido", exemplifica.
No fim das contas, tudo faz parte de um processo. O principal fator que contribui para que uma pessoa seja autêntica é a aceitação. Isto é: não sorrir o tempo todo é normal. Trata-se de acolhimento, respeito e individualidade. E, de novo, "a tristeza é importante, faz parte da vida e, muitas vezes, nos torna mais humanos", diz de Paula.
O sorriso falso pode ser percebido pela própria pessoa, quando ela não consegue mais sustentar a farsa. Durante um tempo até faz sentido, mas depois, não mais. É aí que as máscaras caem. "Talvez a pessoa esteja fazendo isso por tanto tempo que ela começa a demonstrar uma infelicidade muito significativa e, às vezes, não consegue mais sustentar esse sorriso", diz Kioroglo.
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