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Inspiração pra fazer da atividade física um hábito


"Se ficava difícil, meu pai me lembrava do meu sonho", diz Ironman com Down

Chris Nikic é a primeira pessoa com síndrome de Down a se tornar Ironman - Michael Reaves/ Freelancer Getty Images
Chris Nikic é a primeira pessoa com síndrome de Down a se tornar Ironman Imagem: Michael Reaves/ Freelancer Getty Images

Giulia Granchi

Do VivaBem, em São Paulo

13/12/2020 04h00

Mesmo quem não é atleta pode entender o tamanho do desafio que é completar a prova mais tradicional do triatlo, o Ironman. São 3,860 quilômetros de natação no mar, 180 quilômetros pedalando e mais 42,195 quilômetros de corrida.

Cruzar a linha de chegada é um marco na vida de qualquer atleta, mas no dia 7 de novembro, a conquista do jovem Chris Nikic, 21, ganhou um significado ainda mais especial: ele foi a primeira pessoa com síndrome de Down a realizar o feito.

Depois de 16 horas, 46 minutos e nove segundos, Chris entrou para a história do triatlo. "Fiquei feliz em ouvir Mike Riley (um treinador de futebol americano) dizer: 'Chris Nikic, você é um Ironman' e contente em abraçar meu pai e minha irmã, mas realmente não me lembro de muito. Eu estava cansado", contou, em entrevista a VivaBem.

Chris abraçando o pai e a irmã depois de completar a prova - Jonathan Bachman/Freelancer Getty Images - Jonathan Bachman/Freelancer Getty Images
Chris abraçando o pai e a irmã depois de completar a prova
Imagem: Jonathan Bachman/Freelancer Getty Images

A síndrome de Down é uma condição genética caracterizada pela presença adicional de um cromossomo 21 nas células do corpo —em pessoas que não possuem o quadro, há 23 pares de cromossomos que constituem o genótipo. As pessoas com a condição costumam apresentar algum grau de retardo mental e problemas clínicos associados, como cardiopatia congênita, hipotonia (flacidez muscular), problemas auditivos, de visão e problemas imunológicos.

Na infância, Chris não era forte o bastante para andar —seria improvável imaginar que ele pudesse um dia completar uma prova que exige tanto do corpo e da mente. "Ele nasceu com dois buracos no coração e precisou de uma cirurgia aos 5 meses. Não conseguia andar até os quatro anos e só aos cinco começou a comer alimentos sólidos. Estava sempre muito doente e muito fraco", conta o pai, Nik Nikic.

Aos 17 anos, passou por quatro cirurgias importantes no ouvido e ganhou muito peso."Foi então que decidimos tentar algo diferente, começar a fazer exercícios. Agora, apenas alguns anos depois, Chris é uma pessoa muito diferente. Ele é saudável, forte, confiante e acredita que não há nada que ele não possa fazer", diz Nik.

Chris, que já gostava de esportes desde pequeno e adorava ver a irmã praticar basquete, jogou golfe e correu nas "Olimpíadas Especiais", competição para pessoas deficiências intelectuais, quando tinha 9 anos.

Na adolescência, com o incentivo do pai para entrar em forma, os planos ficaram mais sérios. "Em 11 de outubro de 2019, nadei um quilômetro em um lago e anotei na parede que queria ser campeão mundial. Foi quando meu pai e eu começamos a falar sobre o Ironman", lembra o atleta.

Chris Nikic - ironman - Michael Reaves/ Freelancer Getty Images - Michael Reaves/ Freelancer Getty Images
Imagem: Michael Reaves/ Freelancer Getty Images

Pouco mais de um ano depois, Chris estava completando o maior desafio de sua vida. Para ele, a parte mais difícil da prova, que aconteceu na Flórida, nos Estados Unidos, foram os quilômetros percorridos em cima da bicicleta. "É o que eu menos gosto, porque minhas mãos e glúteos doem por pedalar por tanto tempo. No quilômetro 64, fui picado por formigas-de-fogo, o que doeu muito e fez minhas pernas incharem. Depois, no quilômetro 80, caí da bicicleta e machuquei o joelho, quadril e ombro. O medo e a dor me fizeram ir devagar e fiquei para trás", diz.

Com dor e cansado, ao chegar no quilômetro 21 da corrida, Chris conta que só pensava em desistir. "Cada vez que ficava muito difícil, meu pai vinha me dar um abraço e me lembrar dos meus sonhos. Ele sempre diz que me ama, que tudo vai ficar bem e me faz a mesma pergunta: 'você vai deixar sua dor ou seus sonhos vencerem?' E eu sempre respondo da mesma forma: 'Meus sonhos'. São meus sonhos que me fazem continuar quando fica difícil."

"Ninguém acreditou que Chris seria Ironman"

Para cruzar a linha de chegada, Chris treinou de três a oito horas por dia entre natação, ciclismo, corrida, força e alongamento. Nos fins de semana, os treinos eram ainda mais longos: entre seis e oito horas para completar 160 quilômetros de bicicleta e correr outros 28.

E embora muitos atletas adotem dietas restritas para enfrentar um desafio como o de Chris, ele conta não ter alterado o cardápio. "Eu amo todos os tipos de comida. Treinar para um Ironman fez com que fosse possível que eu comesse tudo o que quisesse. Meus treinadores queriam que eu tivesse uma alimentação saudável, mas meu pai disse que era mais importante me divertir e aproveitar tudo", compartilha Chris.

Durante os meses de treinamento, a família foi desencorajada muitas vezes. De acordo com Nik, além deles, apenas uma outra pessoa acreditou, Dan Grieb, o guia que acompanhou Chris na prova.

"Quando estabelecemos a meta de fazer um Ironman, ninguém acreditou que Chris pudesse fazer isso porque ninguém como ele havia conseguido, mas eu acreditei. As pessoas tentaram nos convencer de que era perigoso demais para sequer tentar e pensaram que eu o estava pressionando para fazer isso. Eu simplesmente ignorei todos e disse a eles para manterem seus pensamentos para si mesmos perto de Chris. Não queria que ele ouvisse nenhum pensamento negativo de que ele não poderia fazer isso."

"A força do meu filho me surpreendeu muito durante os meses de treinamento. Acreditava nele, mas não sabia o que era possível. Ele me surpreendeu a cada passo do caminho. Cada vez que ele fazia uma nova descoberta, ficava maravilhado com o que ele estava conquistando. Sua força física e mental é incrível. Nós o ajudamos a construir seu caminho muito lentamente. Foi a estratégia perfeita", diz o pai.

Quando viu Chris completando a prova, Nik conta que se sentiu em paz. "Pais com filhos com necessidades especiais acreditam que devem cuidar deles por toda a vida. Depois que Chris cruzou a linha de chegada, eu sabia que ele poderia cuidar de si mesmo e, o mais importante, havia toda uma comunidade que cuidaria dele."

Chris agora tem novos sonhos. Ele quer terminar o Ironman no Havaí, que é considerado mais difícil por causa das montanhas e do calor. Além disso, ele quer diminuir o tempo. "Quem sabe acabar em cerca de 15 horas da próxima vez."

Para outras pessoas com síndrome de Down apaixonadas por esportes, ele deixa um recado: "Comece fazendo algo que você goste, divirta-se e concentre-se em melhorar 1% todos os dias. Vá devagar e com o tempo, você ficará surpreso com o que pode fazer. Fui o último colocado nas Olimpíadas Especiais do ano passado. Todos os outros atletas não tinham síndrome de Down, então eles foram muito mais rápidos do que eu. Mas trabalhei muito e agora sou o único Ironman. Vá devagar e divirta-se."