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Cuidado com o match: apps de encontro causam ansiedade e "dating burnout"

oatawa/iStock
Imagem: oatawa/iStock

Samantha Cerquetani

Colaboração para o VivaBem

18/12/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Aplicativos de relacionamento podem facilitar os encontros, mas em excesso causam sintomas depressivos e de ansiedade
  • "Dating burnout" é o termo usado para se referir ao esgotamento emocional causado pelo uso constante desses apps
  • É importante identificar o quanto essa tecnologia traz benefícios e quando começa a causar problemas emocionais
  • As rejeições podem gerar uma crítica maior em relação a si mesmo e uma cobrança exagerada ao próprio corpo e à aparência
  • Esses apps ajudam as pessoas a se conectarem, mas é preciso moderação

Com a tecnologia, a forma de se relacionar mudou e as pessoas começaram a buscar um relacionamento ou sexo casual em aplicativos de relacionamento. Pode ser bastante cômodo obter as informações da pessoa antes do primeiro contato físico e também facilita encontrar diversos tipos de perfis. Mas será que essa forma de encontro faz bem para a saúde mental?

De acordo com uma pesquisa realizada com mais de 370 pessoas, usar esses aplicativos por muito tempo pode aumentar as chances de ansiedade e até depressão. Manter o celular o tempo todo por perto pode atrapalhar a rotina e produzir uma interação exagerada, além de acarretar consequências no trabalho e nos relacionamentos.

Apesar de os sintomas serem frequentemente relacionados ao uso do celular em si, os aplicativos agravam o problema. "O uso frequente pode aumentar ansiedade e depressão, pela expectativa que podem criar para encontrar alguém ideal, gerando assim um estado de alerta constante, esperando mensagens e conversas", explica Ana Paula de Biasi, psicóloga da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo. Segundo ela, a depressão ainda pode surgir após frustrações após rejeições. "A pessoa também pode se sentir culpada por algo não ter dado certo".

"Dating burnout": quando o uso de aplicativos esgota as energias

Embora essa nova forma de encontro economize muito tempo, ela está mudando completamente a maneira como algumas pessoas se sentem sobre o processo de relacionamento. Pode ser cansativo olhar diversas fotos no aplicativo e ficar esperando o "match perfeito".

Por conta disso, esses sentimentos de frustração, ansiedade e tristeza causados por esses aplicativos começou a ser chamado de "dating burnout" (esgotamento de encontros, em tradução livre). Pode ser comum que a pessoa fique conectada o tempo todo nesses aplicativos —durante reuniões de trabalho, no horário de almoço e em qualquer tempo livre que encontrar. Essa busca constante pelo par ideal se torna desgastante e causa esse esgotamento emocional.

Homem mexendo no celular - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Homem mexendo no celular
Imagem: Getty Images/iStockphoto

No entanto, como tudo na vida, é preciso equilíbrio e moderação no uso de aplicativos de relacionamentos. É importante identificar o quanto essa tecnologia traz benefícios e quando começa a causar problemas emocionais. O primeiro passo é reconhecer essa sensação de esgotamento, para conseguir gerenciar esses sentimentos de exaustão. Também pode ser importante se afastar por um tempo desses aplicativos, para reavaliar o que realmente se deseja.

"Esteja atento aos seus hábitos quando for usar esses aplicativos. Ao perceber que perdeu o controle da situação e não conseguir mais reagir sozinho, peça ajuda de pessoas de sua confiança e, se for necessário, busque ajuda profissional", aconselha Carla Guth, psicóloga e especialista na área cognitivo construtivista e em neuropsicologia.

A professora Gabriela Lins, 35, por exemplo, usa aplicativos de relacionamentos desde 2018. Ela relata que isso ocorreu após se permitir conhecer algo novo. Divorciada há oito anos, acredita que o serviço de encontro a ajuda a descobrir diferentes possibilidades, mas faz terapia para entender melhor o que procura.

"Sou de papo fácil, mas me sinto bastante insegura para me relacionar novamente. Já cheguei a usar minha filha como muleta para não me envolver. Acho que fiquei amargurada. Hoje faço terapia para descobrir quem eu sou, o que realmente quero. Ainda não sei o que estou buscando. Os aplicativos são úteis, mas ainda acredito que a química seja insubstituível", diz.

Baixa autoestima e insegurança

Em alguns casos, os aplicativos de namoro podem ser usados devido à baixa autoestima. Algumas pessoas se sentem inseguras e podem usa-los porque é mais fácil omitir algumas informações e não precisam se expor tanto. "Quem não está feliz com sua aparência ou personalidade tem medo de não ser aceito, de não ser bom, bonito ou interessante para o outro. Nesses casos, a tela do celular protege", diz Vanessa Karam, psicóloga da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Entretanto, a especialista conta que não encontrar o que se procura pode elevar a tristeza, pois haverá uma frustração da tentativa de quebrar o circuito do insucesso afetivo. Quando a pessoa faz uso dos aplicativos, há o risco de se abrir emocionalmente, mas não ser correspondida.

"Isso fere a autoestima e o amor-próprio. Algumas pessoas tímidas, com baixa autoaceitação e limítrofe repertório de interação podem se escorar na tela e acabar não dando o passo para um enfrentamento emocional", diz Karam. E a cada frustração na tentativa de namoro ou relação, o indivíduo pode ir se fechando ainda mais.

Mulher trocando mensagens pelo celular - AntonioGuillem/Getty Images/iStockphoto - AntonioGuillem/Getty Images/iStockphoto
Mulher trocando mensagens pelo celular
Imagem: AntonioGuillem/Getty Images/iStockphoto

Com o tempo, as rejeições podem gerar uma crítica maior em relação a si mesmo e uma cobrança em relação ao próprio corpo e à aparência. "Principalmente se houver uma expectativa grande em encontrar alguém para ter um relacionamento pelo aplicativo", completa de Biasi.

Tem suas vantagens

Mas nem tudo é negativo. Os aplicativos de relacionamentos simplificam os encontros e ajudam as pessoas a se conectarem. Isso porque é possível conhecer um (a) parceiro (a) apenas com um toque no celular. Foi o que aconteceu com a publicitária Samantha Spilla, 38, que hoje namora com alguém que conheceu no serviço de encontros.

"Comecei a usar em 2014 e já tive alguns relacionamentos duradouros. Não gosto de baladas e sempre busquei homens com perfis semelhantes ao meu, que gostam de correr e praticar atividade física. Há dois anos conheci meu namorado por meio de um aplicativo", diz.

Mas ela confessa que algumas vezes teve que driblar a ansiedade ao lidar com a tecnologia. "Eu nunca fiquei com o aplicativo aberto o dia inteiro, mas já cheguei a desinstalar por um tempo para manter a minha saúde mental. No começo pode ser viciante e é preciso moderação no uso".

Pode ser divertido usar os aplicativos e ditar o próprio ritmo, sem cobranças desnecessárias. Também é possível definir o tipo de encontro que deseja no momento, como um relacionamento mais sério ou sem compromisso. E mesmo com os riscos, de alguma forma, eles podem ser benéficos para quem é inseguro ou tem dificuldade em socializar.

"O aplicativo traz a possibilidade de ir tornando aos poucos o desconhecido conhecido e o não previsível menos ameaçador", diz Karam. "Quem está fragilizado emocionalmente pode ir reduzindo as interações com outros e com o mundo em si e o aplicativo pode ser uma forma mais amena de ampliação".