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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Birra de criança pode ser um transtorno; saiba diferenciar e o que fazer

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Imagem: iStock

Heloísa Noronha

Colaboração para o VivaBem

28/12/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Questionar faz parte da infância, mas os pais devem ficar atentos para comportamentos agressivos, irritadiços e impulsivos, característicos do TOD
  • O TOD é caracterizado por padrões persistentes de comportamento negativista, desobediente e hostil diante dos pais ou pessoas de autoridade
  • As alterações comportamentais iniciam-se por volta dos 4 a 6 anos, tendo seu ponto de maior sintomatologia no início da pré-adolescência

Afrontar pais e professores, ter acessos de raiva, ignorar regras, gritar ou espernear ao experimentar algum tipo de frustração são algumas atitudes que, em crianças e adolescentes (mas principalmente entre os mais novos), são imediatamente rotuladas como birra ou falta de educação. Mas o comportamento pode indicar o chamado TOD (Transtorno Opositivo-Desafiador), um problema que não é tão comum, mas que provoca muito sofrimento e dificuldade para os envolvidos, uma vez que afeta drasticamente a vida familiar e social.

É possível manter o TOD sob controle, mas isso requer uma compreensão total do distúrbio. Segundo Layla Campagnaro, psiquiatra do Centro de Saúde da Mulher do Hospital e Maternidade Pro Matre, em São Paulo (SP), ele é caracterizado por padrões persistentes de comportamento negativista, desobediente e hostil diante dos pais ou pessoas de autoridade. Além disso, há reações desequilibradas e desproporcionais a certos acontecimentos, nas quais se sobressai a impaciência. "Baixa autoestima e irritação excessiva também fazem parte do quadro", diz ela.

"São crianças provocativas e intempestivas, com dificuldade de controle emocional, que se indispõem facilmente com os outros e não se responsabilizam por falhas de comportamento nem aceitam explicações lógicas", diz Deborah Moss, neuropsicóloga especialista em comportamento infantil e mestre em psicologia do desenvolvimento pela USP (Universidade de São Paulo).

Questionar faz parte da infância, sendo considerada uma ação saudável e essencial para o desenvolvimento. Mas é importante que os pais fiquem atentos para comportamentos agressivos, irritadiços e impulsivos, característicos do TOD.

"O diagnóstico pode ser difícil, já que a maioria das crianças exibe alguns dos sintomas ocasionalmente, especialmente quando estão cansadas, com fome ou chateadas. No entanto, uma criança com o transtorno irá exibir esses sintomas com mais frequência do que outras, demonstrar dificuldades comportamentais por um período de pelo menos seis meses, ter problemas na escola e para fazer amizades, além de ter seu funcionamento geral comprometido por suas atitudes desafiadoras", explica Danielle H. Admoni, psiquiatra da infância e da adolescência na Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

Birra, filhos, choro, criança - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Além dos problemas de aprendizado e de baixo rendimento escolar, Moss lembra que, em muitos casos, essas crianças sofrem bullying, são excluídas dos convites para as festas e brincadeiras em casas de amigos. "Há também certa rejeição entre os outros pais e até mesmo entre parentes. A família acaba evitando eventos e situações de exposição e preconceito", conta.

Esses conflitos foram enfrentados por Emanoele Freitas Silvas, mãe de Eros, 16, que recebeu o diagnóstico somente aos 12 anos, depois de muitos anos de busca e pesquisa. "As pessoas falam coisas como 'se fosse meu filho, eu daria um jeito', 'você não sabe criar seu filho', 'ele não obedece porque você o mima'. Passear em shoppings ou em locais muito cheios não fazemos até hoje, porque ele ainda apresenta sintomas quando contrariado", diz a mãe.

Entretanto, as crises de raiva e oposição já são bem mais esporádicas do que antes, afirma ela, que acabou se formando em neurociência e se especializando em ABA (Análise do Comportamento Aplicada) para ajudar o filho. Como dica para quem tem uma criança com diagnóstico de TOD, ela recomenda que os pais devem se cuidar e aprender como ajudar o filho, antes de tudo, pois apenas a terapia não surte o efeito desejado.

Diagnosticar o quanto antes é fundamental

Embasado no DSM, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o reconhecimento médico precoce do TOD é imprescindível para que o problema passe a ser administrado e a criança ou adolescente ganhe mais qualidade de vida. Ainda conforme Admoni, persistência e a frequência dos comportamentos típicos devem ser utilizadas para fazer a distinção entre um comportamento dentro dos limites normais e um comportamento sintomático, com algumas distinções conforme a faixa etária.

Segundo Campagnaro, estima-se que 2% a 16% das crianças em idade escolar apresentam TOD. "Entretanto, ele é mais prevalente em crianças entre 9 e 10 anos, sendo mais frequente em meninos. Já na adolescência, a ocorrência do transtorno é igual em meninos e meninas. "De modo geral, as alterações comportamentais iniciam-se por volta dos 4 a 6 anos, tendo seu ponto de maior sintomatologia no início da pré-adolescência e adolescência entre 8 a 11 anos, com posterior melhora. Porém, há casos que seguem até a vida adulta. Cada paciente é único e necessita de acompanhamento específico", fala a psiquiatra.

Existem três comorbidades associadas com frequência ao diagnóstico de TOD, que inclusive intensificam seus sintomas e devem ser tratadas em conjunto. São elas: o TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), que possui uma associação em 50% dos casos e parece ser um fator de risco para o desenvolvimento de TOD; o TEA (Transtorno do Espectro Autista) e o Transtorno Bipolar.

As causas do Transtorno Opositivo-Desafiador ainda não foram bem definidas pela ciência, mas Campagnaro observa que há teorias que acreditam que componentes biológicos, como a herança genética, e as disfunções na produção de serotonina e dopamina podem contribuir para o aparecimento do transtorno. O ambiente social e familiar também contam. "Em geral, entendemos os sintomas como representativos da problemática não só da criança, mas das condições em que vive. São frequentes os problemas envolvendo relacionamento social, condições escolares, formas como a família assume e educa a criança, violência doméstica, comportamentos agressivos no campo familiar, situações estressantes", comenta Maria Carolina Oliveira Serafim, coordenadora do Setor de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital Pequeno Príncipe de Curitiba (PR).

Os modelos de criação parental extremista, ou seja, pais muito permissivos ou opressores, também podem ser fatores facilitadores. De qualquer forma, é muito complicado falar de prevenção primária para evitar o aparecimento do transtorno. Porém, quanto mais cedo for o diagnóstico e iniciado o tratamento, melhor será o prognóstico.

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Imagem: Getty Images

Convivendo com o TOD

Todo tratamento é multidisciplinar, de acordo com o pediatra e neurologista Clay Brites, um dos idealizadores do Instituto NeuroSaber, em Londrina (PR), e coautor do livro "Crianças Desafiadoras - Aprenda Como Identificar, Tratar e Contribuir de Maneira Positiva com Crianças que Têm Transtorno Opositivo-Desafiador" (Ed. Gente).

Segundo ele, o tratamento depende de três eixos: medicação, psicoterapia comportamental e suporte escolar. A medicação auxilia boa parte dos pacientes e melhora a autorregulação de humor frente às frustrações. A psicoterapia deve centrar em mudanças comportamentais na família com medidas de manejo educacional, como dar bons exemplos, dialogar com a criança, demonstrar paciência ao falar, explicar o motivo das ordens dadas. E, em relação ao suporte escolar, deve-se oferecer apoio, reforço e abertura para um bom diálogo, o que melhora o engajamento do aluno opositor às regras escolares e o leva a se distanciar de situações nocivas.

Não existe um tempo de tratamento preestabelecido: tudo vai depender da gravidade do quadro, de patologias associadas e da disponibilidade da família em implantar as mudanças, entre outros elementos. "Não se fala em cura, pois alguns quadros na infância e na adolescência podem persistir na vida adulta, trazendo grandes prejuízos, ou evoluir para o Transtorno de Conduta, que é uma condição mais severa que o TOD. O que se espera com o tratamento é um controle dos sintomas e uma melhor adaptação social e escolar", diz Admoni.

A psicopedagoga Luciana Brites, parceira de Clay no Instituto NeuroSaber e na vida, diz que a família também tem seu papel e, embora sensível, também precisa se mostrar firme. "Existem coisas que não podem ser negociadas. Um exemplo é mandar a criança arrumar o quarto. 'Entendo que você não quer e está bravo, mas precisa organizar suas coisas. É necessário que os pais expliquem as regras de forma muito clara, não de forma impositiva, mas de um jeito que o filho compreenda o que é esperado dele", comenta.

Os Brites são pais de Gustavo, de 17 anos, que iniciou o tratamento para o TOD muito cedo. É ele quem assina, em um depoimento honesto e objetivo, a apresentação do livro do casal, no qual fala dos desafios superados a cada ano. Um dos melhores da sua turma no terceiro ano do ensino médio, o rapaz se prepara para realizar o sonho de estudar economia ou filosofia no exterior. Com a dedicação da família, a parceria da escola, o empenho no tratamento e, quem sabe, um olhar mais compassivo da sociedade, o TOD não precisa ser um empecilho para a concretização de objetivos e uma vida enriquecedora.