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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Dificuldade em aceitar elogios pode ser medo de inveja ou de parecer metido

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Imagem: iStock

Priscilla Auilo Haikal

Colaboração para o VivaBem

04/01/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Diminuir ou negar um elogio pode ser mecanismo de resposta para se livrar do desconforto sentido ao ser reconhecido
  • As razões para agir assim vão desde o temor em parecer alguém arrogante até a falta de costume em receber gentilezas
  • Refletir sobre quais os gatilhos para as sensações desencadeadas pode ser o primeiro passo em busca de uma mudança no padrão de comportamento

"Imagina", "Você é mais", "São seus olhos". Quando foi a última vez que você recebeu um elogio e somente agradeceu o reconhecimento? Não estranhe se for difícil lembrar. Assim como a validação do outro não costuma ser um comportamento estimulado na sociedade, receber de bom grado uma exaltação também é uma reação pouco praticada no cotidiano.

Ao se deparar com uma atitude espontânea ou genuína de valorização, não é raro que nossa resposta seja negar ou diminuir a congratulação. Isso ocorre por causa de uma sensação de desconforto, inclusive com a imagem que temos de nós mesmos, então a tendência é transferir o foco para o outro ou até mudar de assunto para se livrar do incômodo sentido.

"Se na minha vida eu não aprendi a receber elogios e a sustentar esse lugar de 'destaque' de forma saudável, vou entender essa distinção como uma condição na qual preciso ser cada vez melhor. Torna-se uma situação estressora que causa ansiedade, na qual desenvolvo estratégias para retornar à posição anterior de conforto", explica Vanessa Karam, psicóloga da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

É um mecanismo que tem a ver com a autoestima e com a própria formação do sujeito: se foi educado mais para a punição ou para o recebimento de gentilezas. Além disso, há a crença de que possuir recursos para aceitar um elogio nos deixa numa postura arrogante, longe de ser humilde e modesto. Ou seja, com receio de ser interpretada como metida e convencida, a pessoa desconsidera seus méritos para não ser desagradável.

Do receio da inveja até a chance de subir à cabeça

Apesar de não ser vista como uma conduta tão problemática, existem várias razões que geram dificuldades em se reconhecer como alguém que possui habilidades e competências. Na avaliação do psicólogo e psicanalista Claudio Castelo Filho, é frequente que haja autossabotagem para não ter que lidar com as turbulências resultantes ao se perceber detentor de tais qualidades.

"Penso que um dos principais fatores para esse tipo de reação é o receio da inveja, que poderia trazer alguma desgraça ou infelicidade para o agraciado", afirma. De acordo com o membro efetivo e analista didata da SBPSP (Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo), as capacidades mentais e emocionais de uma pessoa são a maior fonte de instigação de sentimentos invejosos, mais do que a beleza física e a riqueza econômica.

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Culturalmente, os elogios são vistos como uma iniciativa que só serve para alimentar a vaidade pessoal
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Fora o temor desses ataques (de terceiros e de si mesmo), outro elemento importante de quem se afasta dos elogios é o medo de que "suba à cabeça", a ponto de perder a dimensão de que se permanece humano e comum, mesmo com todos os seus talentos. É uma conduta que pode ser evitada ao saber administrar as consequências emocionais provocadas com esses reconhecimentos, de modo a poder se valer deles de maneira benéfica.

Há ainda aqueles que julgam ser pouco ou nada merecedores de tais valorizações, e que se comportam para assegurar a confirmação dessas crenças desfavoráveis. Como quando alguém recebe um elogio por ficar bonito com determinada roupa, mas reage com estranhamento, pois é uma peça antiga ou adquirida em liquidação. "O que eu conheço é conviver com algum desconforto. Sustentar um elogio confronta totalmente o que sei e o que me é previsível", diz Karam.

São comentários que interferem na maneira que encaro a minha imagem e a ideia que tenho da minha pessoa. "A rigidez na autoavaliação e a exigência de perfeição de si mesmo a partir de julgamentos e padrões previamente estabelecidos podem levar à constante insatisfação e autodepreciação", destaca a psicóloga Cristine Monteiro Mattar, professora do Departamento de Psicologia da UFF (Universidade Federal Fluminense).

O que vão dizer de nós

Mais um fator determinante nesse contexto é que culturalmente os elogios são vistos como uma iniciativa que só serve para alimentar a vaidade pessoal. Com isso, o reconhecimento das próprias qualidades passou a ser visto como sinal de arrogância, distante de uma postura de modéstia e de negação de si mesmo que é tida como admirável e exemplo a ser seguido.

Seria uma interpretação baseada na autodesqualificação e autopunição, que confunde simplicidade com subserviência e discrição com autonegação. São perspectivas distorcidas e traçadas com objetivo de aguçar a dominação e a obediência pela promoção da culpa e do temor. "Passamos a acreditar que seria vergonhoso admitir os próprios méritos e tê-los reconhecidos. Quando uma pessoa afirma que fez algo bom ou aceita com naturalidade que alguém o diga, é chamada de exibida e vaidosa", diz Mattar.

Entretanto, a docente também chama atenção para o fato de que humildade significa reconhecer as próprias limitações, o que é diferente de desconhecer as suas capacidades.

Numa sociedade preconceituosa como a nossa, onde a desvalorização e a discriminação ocorrem por fatores identitários como a cor da pele, a orientação sexual e o gênero, até a condição social e econômica, não é raro que haja dificuldades em ver os próprios valores

Diante dessas circunstâncias, é importante identificar se fomos lapidados recebendo mais críticas do que elogios. "Se acessarmos as memórias que dizem respeito às nossas limitações, com certeza o leque de tentativas para arrumar a situação e satisfazer o outro será muito maior do que as lembranças de situações em que recebemos um elogio e agradecemos", pontua Karam.

Isso porque o reconhecimento diz respeito também sobre expectativas. Ao aceitar determinada distinção, devo sustentar que sou bom em algo e, a partir disso, monitoro minhas ações para manter o nível das realizações e não decepcionar o próximo. É uma postura que gera ansiedade e autocobrança para não falhar, tornando ativo o sistema de alerta na espera de novamente ser agraciado com alguma valorização.

Obrigado, de nada

Perceber as sensações desencadeadas após um elogio pode ser o primeiro passo em busca de uma mudança no padrão de comportamento. O ideal é refletir sobre o que pode ter sido o gatilho para esse incômodo, por meio de perguntas mentais para investigar os motivos, as construções e concepções negativas envolvidas nesse sentir, para assim trabalhar a autoestima e a valorização das nossas potências.

"Entender as origens que levam à determinada reação é a primeira ferramenta para mudar todo o circuito. Consiste em psicoeducar a nossa contemplação e se disponibilizar para ter outras reações", revela a psicóloga da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo. "Conseguir dizer obrigado e sustentar essa situação é uma forma de criar outras memórias em torno do elogio —o que não acontece de uma hora para outra. Pode ser necessário inclusive ajuda profissional para compreender a percepção sobre si mesmo e quais as crenças operantes, uma vez que passa pelo modo como eu me vejo, como eu vejo os outros e como eu vejo o mundo".

Outra dica que pode ajudar nesse processo é elogiar a si mesmo, sem deixar de reconhecer os próprios limites e as possibilidades nas ações e escolhas cotidianas. Não é necessário se posicionar como melhor do que ninguém para se sentir valorizado, nem se julgar pior, sem direitos ou merecimento. Lidar com as falhas faz parte da vida, assim como com momentos de destaque por alguma realização.

"Não se trata de bajulação. Quem precisa de muita evidência, em geral, revela insegurança. O reconhecimento do esforço e do talento de alguém, ou do seu próprio, significa ser notado e visto, o que é importante em todas as fases do nosso desenvolvimento", diz Mattar. "Na medida em que nos valorizamos e nos respeitamos, não mais permitimos que alguém nos agrida, e aceitamos o elogio sincero como correspondente natural de quem somos ou do que fazemos".

A professora lembra ainda que não há nada de errado em receber ou oferecer elogios, muito menos vergonha ou culpa em nenhuma dessas ações. "Receber admiração pelo seu reflexo pode fazer bem, desde que não se fique retido na contemplação dos resultados ou refém do reconhecimento alheio. A vida segue com ou sem esses elementos, que não devem ser a meta dos modos de ser e das ações empreendidas", diz.