Nenhuma carne tem hormônio; diferença das orgânicas está nos antibióticos
Resumo da notícia
- No Brasil, é proibido o uso de substâncias naturais ou artificiais para fins de crescimento e/ou engorda de animais de corte
- Entretanto, se hormônios não podem ser utilizados, antibióticos são liberados, desde que dentro dos limites máximo de resíduos
- O problema dos antibióticos é que eles podem aumentar o número de bactérias resistentes
- Diferentemente das "tradicionais", as carnes orgânicas não utilizam antibióticos
Mesmo o Brasil sendo o maior exportador de carne de frango do mundo, muita gente ainda acha que são utilizados hormônios na criação de frangos de corte. No entanto, isso é um mito.
Segundo Cristiane Soares da Silva Araujo, professora do Departamento de Nutrição e Produção Animal e responsável pelo Laboratório de Pesquisa em Aves da FMVZ USP (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo), essa crença existe devido à rápida velocidade de crescimento desses animais. "O fato de que em 42 dias ou menos se tenha um animal pronto para ser abatido leva o consumidor a acreditar no uso de hormônios de crescimento na produção de frangos de corte", explica.
De acordo com Araujo, a velocidade desse crescimento é fruto de longos anos de estudo envolvendo programas de seleção e melhoramento genético, isto é, os melhores indivíduos de diferentes plantéis (grupos de animais de raça) são selecionados para permitir uma prole com alto desempenho produtivo.
A nutrição tem papel fundamental, atendendo as exigências do frango de acordo com a fase de crescimento, a linhagem, o sexo, o clima etc. Por fim, o controle da saúde do lote, o manejo adequado, o cuidado com o ambiente de criação e o bem-estar também são essenciais para garantir que a ave expresse seu potencial genético.
Silvana Lima Gorniak, professora titular do Departamento de Patologia e coordenadora do Centro de Pesquisas em Toxicologia Veterinária da FMVZ USP, ressalta a importância de desmistificar a ideia de que o frango é criado à base de hormônio. "Para que essas substâncias atuem e tenham o efeito desejado, haveria a necessidade de um período de tempo bem maior do que aquele no qual a ave é abatida. Não teria lógica e o produtor ainda estaria jogando dinheiro fora se utilizasse hormônios com essa finalidade".
Segundo ela, se o produtor ainda assim insistisse e quisesse empregar os hormônios, isso seria inviável na criação de aves, já que a aplicação por via oral (na ração ou água de bebida) não é possível. "Sendo assim, seria necessário administrar injeção em ave por ave, o que é completamente impraticável numa produção comercial, onde há galpões que chegam a ter 30 mil aves, por exemplo".
Carne bovina também não tem
Não há uso de hormônio nos animais destinados à produção de carne, frango ou ovos no Brasil, de acordo com Renata Ernlund Freitas de Macedo, médica veterinária, pesquisadora em qualidade e segurança de carne e produtos cárneos e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciência Animal da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
Segundo ela, nesses alimentos pode haver hormônios naturais, resultantes do próprio metabolismo animal, em quantidades muito baixas e que não afetam a segurança do consumidor. Assim como as carnes, alimentos de origem vegetal também contêm hormônios: "Para se ter uma ideia, o óleo de soja possui 1.000.000 ng de estrógeno/ 500g, o germe de milho possui 12.000 ng de estrógeno/ 500g, enquanto a carne bovina contém 9 ng de estrógeno/ 500g. Essas concentrações, em alimentos vegetais, são até 1 milhão de vezes maior que a encontrada na carne", diz Macedo.
O que determina a legislação
No Brasil, desde 1991, é proibida a importação, comercialização e uso de substâncias naturais ou artificiais para fins de crescimento e/ou engorda de animais de corte, de acordo com a Portaria n° 51, de 24 de maio de 1991, do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).
Essa mesma portaria foi alterada para a IN (Instrução Normativa) nº 55, de 1º de dezembro de 2011, proibindo a importação, a produção, a comercialização e o uso de substâncias naturais ou artificiais, com atividade anabolizante hormonal, para fins de crescimento e ganho de peso em bovinos de abate. No caso de hormônios para fins terapêuticos e reprodutivos, como sincronização do cio de vacas e transferência de embriões, o uso é permitido. Especificamente sobre a carne de frango, a administração de hormônios aos animais é proibida pela IN nº 17, de 18 de junho de 2004.
Apesar disso, pode ocorrer uso ilegal dos hormônios para fins produtivos, com consequente abate clandestino dos animais, sem inspeção, daí a importância de sempre consumir produtos de origem animal, com procedência e origem inspecionados por órgão governamental, não somente visando a questão da presença de resíduos, mas também a segurança alimentar, de acordo com a professora Angélica Simone Cravo Pereira, responsável pelo Laboratório de Ciência da Carne e Laboratório de Pesquisa em Gado de Corte da USP.
Essa ilegalidade pode ocorrer, porque, de acordo com a literatura científica, existe algum interesse da classe produtora em utilizar os hormônios como anabolizantes, uma vez que eles promovem um aumento significativo do ganho de peso dos animais, até 20%, e eficiência alimentar, de 5% a 15%.
Segundo Gorniak, se no Brasil fosse permitido o uso de hormônios na carne, essas substâncias não fariam mal ao ser humano. Ela explica que existem três tipos de anabolizantes que, ao serem empregados nos bovinos, promovem aumento no ganho de peso: os naturais, os xenobióticos e os estilbenes. Destes três, somente os estilbenes poderiam, teoricamente, gerar efeitos cancerígenos no ser humano. Vários estudos, em diferentes países, mostraram que os outros dois anabolizantes não causam esses efeitos. "Países como os Estados Unidos, Canadá e Austrália empregam normalmente os anabolizantes e, se houvesse algum risco à saúde do consumidor, nenhuma agência regulatória destes países permitiria o uso".
E quanto aos antibióticos?
Os antibióticos são utilizados nos animais com o objetivo principal de tratar ou prevenir doenças infecciosas bacterianas, mas também são empregados como aditivos melhoradores de desempenho ou promotores de crescimento. Gorniak explica que há um limite máximo de resíduos (LMR) de todos os medicamentos empregados na produção animal, incluindo os antibióticos.
Uma das maiores preocupações mundiais envolvendo essa questão é a resistência bacteriana a esses medicamentos. Ao usar um antimicrobiano, pode ser que, mesmo com a morte de um grande número de bactérias, algumas delas sobrevivam, carregando um gene de resistência que irá ser passado para os descendentes ou para outras bactérias de espécies diferentes. Essas bactérias resistentes podem ser transmitidas o ser humano, causando alguma infecção sobre a qual o antibiótico não fará efeito, podendo gerar complicações ou até levando à morte.
Um estudo encomendado pelo governo da Inglaterra mostrou que, se continuar essa escala de aparecimento de bactérias resistentes, em 2050 haverá 10 milhões de morte/ano devido à ineficácia dos antibióticos para o tratamento de diversas infecções. O aparecimento de bactérias resistentes e multirresistentes (quando a bactéria adquire genes de resistência a várias classes de antibióticos) pode ser oriundo do uso de antibióticos em seres humanos e animais.
Carne convencional versus carne orgânica
De acordo com Macedo, que é pesquisadora em qualidade e segurança de carne e produtos cárneos, de maneira geral, a produção de carne orgânica está baseada nos mesmos princípios da produção de vegetais orgânicos, isto é, na utilização sustentável dos recursos sem adição de substâncias sintéticas, como produtos químicos e herbicidas.
No caso da agropecuária orgânica, conta Pereira, responsável pelo Laboratório de Pesquisa em Gado de Corte da USP, são utilizadas técnicas e práticas rurais, seguindo princípios sociais, biológicos e ecológicos, além do respeito ao bem-estar de seus elementos, do homem e da reciclagem de seus recursos naturais.
Pegando um exemplo prático da diferença da carne convencional e a carne orgânica, Araujo, professora do Departamento de Nutrição e Produção Animal da USP, diz que as versões "normais" seriam aquelas provenientes de criações de frango industrial. Neste caso, as aves podem receber rações com ingredientes tanto de origem vegetal (milho moído e farelo de soja) quanto animal (farinha de carne e ossos), são criadas totalmente confinadas em um galpão e podem ser tratadas com antibióticos quando estão doentes. Além disso, existe o uso de antibiótico de forma preventiva na ração e como melhorador do desempenho.
Em se tratando de carne proveniente de criação de frangos orgânicos, as aves não ficam totalmente confinadas no galpão, elas têm acesso a uma área externa com forragem verde, os ingredientes das rações são de origem vegetal e orgânica e quando ficam doentes não podem ser tratadas com antibióticos com finalidade curativa. No entanto, a IN nº 46, de 6 de outubro de 2011, do Mapa, prevê que situações em que o animal esteja em sofrimento ou risco de morte, e o tratamento por substâncias permitidas no sistema orgânico, por exemplo, fitoterápicos, não esteja surtindo efeito, os antibióticos poderão ser utilizados.
Vale destacar, que ao adquirir a carne de frango orgânica, observa-se a presença do "selo de produto orgânico", indicando que o produto passou por um processo de certificação, dando garantia ao consumidor de que foram atendidas as normas determinadas pela legislação vigente.
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