Estética e saúde: diferenças dos nutricionistas nas redes pública e privada
Resumo da notícia
- Serviço do nutricionista no SUS é diferente, em relação aos consultórios particulares
- Entre as diferenças estão o perfil do paciente e a dificuldade de acesso ao profissional
- No serviço público, os pacientes já apresentam doenças; no privado, a busca é mais pelo emagrecimento
Quem procura o serviço de um nutricionista no SUS (Sistema Único de Saúde) pode encontrar algumas barreiras. Entre elas, a dificuldade de agendamento, a fila de espera e até o tempo de consulta. É o caso da auxiliar de administração Cátia Silva*, 24, que desde março de 2020 aguarda o agendamento em um posto de saúde em Jaguaquara, na Bahia.
Ela conta que, quando foi fazer uma consulta com um clínico geral, o médico pediu o acompanhamento com um nutricionista para o ganho de peso, após diagnóstico de TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e, alguns anos depois, de depressão. "O médico também descartou problema de tireoide, mas mesmo assim passou o exame e me indicou um nutricionista para tentar uma dieta de ganho de peso. Eu tenho 1,71 e estava com 45 kg", conta a jovem que, caso tivesse condições financeiras, pagaria uma consulta particular para conseguir o atendimento.
Assim como Silva, não são todas as pessoas que conseguem contar com o auxílio de um convênio médico ou pagar uma consulta particular. Hoje, mais de 70% da população brasileira depende do SUS, segundo a PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), divulgada em setembro de 2020.
Mas afinal, o que muda de um atendimento para o outro? Existem várias diferenças, tanto positivas quanto negativas entre os dois. Pensando nisso, o VivaBem conversou com três nutricionistas com experiência nos dois lados para entender a distinção entre as consultas, os perfis dos pacientes e os motivos que os levam a procurar o serviço. Se no atendimento público o foco acaba sendo em tratar doenças preexistentes, no privado, a grande maioria busca o emagrecimento e dietas.
No atendimento primário, o foco do nutricionista é na saúde coletiva
Algumas pessoas imaginam que a consulta em uma UBS (Unidade Básica de Saúde), os "postinhos" de saúde, será como uma consulta particular, típica de convênio: o indivíduo escolhe um profissional, vai até a consulta, apresenta suas queixas e recebe uma orientação. Mas não é bem assim, conforme explica Viviane Vieira, nutricionista e pesquisadora do Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza, da FSP-USP (Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo), há mais de 15 anos.
Para a pesquisadora, que investigou em seu doutorado a atuação do nutricionista na atenção básica, os profissionais da nutrição que trabalham com atendimento primário devem ter um olhar mais no coletivo, focando na saúde pública, e não tanto no indivíduo. "Não vamos atender uma pessoa com diabetes, por exemplo, e fazer uma dieta específica para ela. Precisamos olhar e pensar em como cuidar das pessoas com diabetes de uma forma geral, com todas as demandas da saúde pública", diz.
Mas como isso pode ser feito? Uma das formas, segundo ela, que também atende pacientes de forma particular, mas com foco no público materno infantil, é pensar em estratégias regionais para estimular uma alimentação e hábitos mais saudáveis da população. "Desta forma, falamos com pessoas que não têm doença e ainda estão saudáveis, trabalhando com a promoção da saúde, incentivando o reaproveitamento de alimentos, preparos de alimentos caseiros, criação de hortas. Você trabalha com um resultado a longo prazo".
A alta demanda dos profissionais é uma outra barreira no atendimento. Só para ter uma ideia, a pesquisadora da FSP-USP explica que, na maioria dos casos, as UBSs possuem entre dois ou três nutricionistas que precisam lidar com uma demanda de cerca de 10 a 15 mil pessoas do território que ela cobre. "Aqui [Centro de Saúde] são mais de 100 mil pessoas da região que têm direito ao atendimento. Se todos demandassem, não daríamos conta. Por isso que falo que não é papel do nutricionista fazer esse atendimento individualizado".
A importância dos grupos de atendimento nas UBSs
Uma das formas de driblar essa barreira e também de incentivar a consciência coletiva é utilizar a estratégia de realização de grupos de atendimentos com os pacientes. Um exemplo é o Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza, na zona oeste de São Paulo, que realiza os grupos a partir de uma triagem, na qual os profissionais identificam necessidades em comum e que provavelmente receberão orientações parecidas —como diabetes, pressão e colesterol altos.
No Centro, as pessoas se reuniam em seis encontros, de 1h30 cada, com duração média de dois meses. Nas reuniões, aprendiam a ter mais autonomia na alimentação, por exemplo. Com a pandemia, esse processo foi suspenso e, agora, é feito de forma online. A nutricionista também passou a realizar lives pelo Instagram.
Ana Paula Souza, que trabalhou por quatro anos como nutricionista de uma UBS da Prefeitura de Osasco (SP), conta que a ideia dos grupos era trazer informação de forma mais didática, com auxílio de outros profissionais de saúde, e também para driblar a falta de tempo nas consultas. "As pessoas não sabiam ler rótulos, em alguns casos, para entender sobre o excesso de sal, ou se determinado alimentado fazia mal para o colesterol", diz.
Segundo ela, o lado bom dos grupos era o tempo para abordar muitos assuntos. O ruim era que algumas pessoas eram tímidas e tinham vergonha de perguntar.
Os "privilégios" das consultas particulares: acesso e tempo de atendimento
Nas consultas particulares, o paciente pode escolher o profissional com quem quer passar, marcar a consulta e trazer suas próprias questões. Nas UBSs não é possível escolher o nutricionista, será o que estiver disponível na data. "No consultório particular, é só ligar e marcar. No sistema público, a pessoa precisa de um encaminhamento médico", explica Souza, que hoje também trabalha com o atendimento particular.
Entretanto, o atendimento multidisciplinar das UBSs é um ponto positivo. Os postos de saúde, dependendo da unidade, têm essa equipe ampla de médicos, enfermeiros, educadores físicos, psicólogos, entre outros. "O paciente vem com um encaminhamento médico, ou seja, já foi avaliado por alguém e dá para ver os exames no sistema. No consultório privado, por mais que alguns venham de indicação, você não tem acesso ao prontuário do paciente", diz Souza.
A nutricionista da FSP-USP também explica que, em muitos casos, nas UBSs, ocorre um trabalho chamado de matriciamento, essencial na atenção básica. "Nós auxiliamos outros profissionais a prestarem um atendimento mais organizado e qualificado em relação a outras demandas. Verificando a necessidade, a nutricionista faz, sim, esse atendimento mais individualizado, mas sempre ressaltando que não será no modelo de um consultório".
Quando ao tempo de consulta, na rede privada ele pode ser maior, o que é vantajoso para um atendimento mais personalizado. "Na Prefeitura de Osasco, tínhamos que agendar os pacientes de 15 em 15 minutos. Era pouco tempo. Eu, particularmente, não consigo fazer um atendimento em 15 minutos. A 'sorte' era que alguns faltavam e aí não atrasava tanto", conta a nutricionista que, em suas consultas, tende a demorar entre 1h e 1h30.
Além disso, as pessoas que buscam uma consulta na rede privada querem um atendimento mais preventivo ou, mais comum ainda, para o emagrecimento com auxílio de uma dieta. Em alguns casos, a preferência é por um profissional com especialização em uma área, como reeducação alimentar, transtornos de alimentação, diabetes, entre outros casos.
Perfil dos pacientes: doenças versus estética
Pelo encaminhamento dos médicos e demora na fila da rede pública, as pessoas já chegam com alguma comorbidade —dificilmente será por questões de estética ou de emagrecimento, comum no atendimento privado.
Souza conta que o perfil de atendimento na rede pública é de pessoas com diabetes, colesterol alto e obesidade. Em alguns casos, a estética surgia como algo secundário. "Às vezes, a pessoa aparecia pensando na pressão alta e colesterol, e falava que queria emagrecer e diminuir a barriga, principalmente as mulheres. Então, já que eles estavam com uma nutricionista, aproveitavam para pedir orientação nessas questões mais estéticas".
Já no consultório particular no qual trabalha, a nutricionista conta que são pessoas que querem perder "uns 2 ou 3 kg para o final do ano". "Às vezes, esse paciente vem por uma questão estética e para perder alguns quilos. De repente, até acabo indicando para um profissional que possa pedir exames gerais", explica.
Quem também observa essa diferença é Dolores Milaré Pereira, nutricionista do IAMSPE (Hospital do Servidor Público Estadual), localizado em São Paulo, há mais de 11 anos. Os pacientes que passam pelo ambulatório do hospital apresentam um perfil vasto, muito parecido com o do SUS, de acordo com ela.
São pessoas obesas, com diabetes, hipertensas, algumas apresentam doenças reumatológicas. Em alguns casos, são pacientes com câncer, que procuram tratamento pelos efeitos da quimioterapia. "Também recebemos muitos pacientes idosos, já que a grande maioria começa a apresentar mais comorbidades".
Ela explica que, no hospital público, as consultas são mais difíceis de serem marcadas e, na maioria dos casos, necessitam da existência de uma doença "gritando". "O paciente vai quando realmente precisa e não tanto no preventivo, até pela demora no agendamento e pela 'burocracia'".
Já nas consultas particulares, segundo ela, geralmente são mulheres entrando na menopausa, se queixando do ganho de peso. "No particular, as pessoas acabam procurando esse serviço antes, de forma preventiva".
Embora saiba que a questão estética seja um "privilégio" para quem quer perder "alguns quilinhos", Pereira acha que em casos de sobrepeso ou obesidade essa disponibilidade na rede pública deveria ser mais ampla. "Não é um luxo querer emagrecer, é uma necessidade real mesmo. Espero que isso mude".
*O nome foi alterado para preservar a identidade da personagem.
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