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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Por que crianças têm amigos imaginários? Esse tipo de companhia é saudável?

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Imagem: iStock

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

14/01/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Os especialistas ouvidos por VivaBem asseguram que ter amigos imaginários até por volta dos 6 anos de idade é normal
  • Pode ser uma maneira particular para externalizar suas relações, o que sentem ou aprendem no dia a dia
  • O problema é quando a criança direciona seus problemas de comportamento ao amigo, o que pode indicar uma dificuldade para assumir os próprios erros
  • Também não é saudável que fiquem muito mais tempo isoladas, principalmente durante brincadeiras, e não queiram testar outras formas de se divertir
  • Amigos imaginários "adultos" podem representar ausência dos pais, traumas relacionados a separações, abusos ou mortes de familiares

Em 1904, Robert Eugene Otto, um garoto de 4 anos da Flórida, nos Estados Unidos, ganhou um boneco que batizou com seu próprio nome e o adotou como "melhor amigo". Os dois eram inseparáveis, mas não demorou muito e o menino passou a ter pesadelos com o boneco e a culpá-lo por tudo de estranho que acontecia na casa da família, o que motivou seus pais a darem um fim a essa relação. Diziam que o boneco era assombrado, mas fato é que na época a psicologia moderna estava começando.

A história acabou arquivada como um caso sobrenatural no Museu Fort East Martello, em Key West, virou assunto de documentários sobre paranormalidade, inspirou filmes de terror —dizem que veio daí o enredo de Chucky, o "Brinquedo Assassino" (1988) — e mais de um século depois ainda sustenta a seguinte preocupação: faz mal crianças terem um amigo imaginário?

Os especialistas ouvidos por VivaBem asseguram que não. Para eles, inventar essa companhia (que pode ser invisível, mas também materializada em brinquedos) e dar a ela personalidade própria costuma ser observado em crianças como um fenômeno natural e que pode contribuir até mesmo para seu desenvolvimento cognitivo. Mas os pais precisam acompanhar de perto.

criança lendo; amigo imaginário; ursinho - iStock - iStock
Amigos imaginários perduram até por volta dos 6 anos de idade
Imagem: iStock

Quando e como surge esse "amigo"?

Por volta dos 3 anos, a criança já consegue formar frases compreensíveis, e aos 4 anos começa a contar historinhas, o que a possibilita também a interagir e construir vínculos afetivos mais fortes com pessoas e aprender novas narrativas. Assim, brincadeiras fantasiosas se intensificam e com elas a crença na existência de seres mágicos, monstros, além dos amigos imaginários.

"As crianças podem usar sua imaginação para criar um ou mais companheiros de brincadeiras e conceber cada um deles de uma maneira particular, para externalizar suas relações, o que sentem, ou aprendem no dia a dia. Essas representações têm a ver com entrar em contato consigo mesmo", explica Deborah Moss, neuropsicóloga especialista em comportamento infantil e mestre em psicologia do desenvolvimento pela USP (Universidade de São Paulo).

Por parte dos adultos, é preciso que tratem o tema com os pequenos com naturalidade e que não os repreendam ou neguem a existência do amigo imaginário, para não os entristecer ou ofender, pois para eles é algo verdadeiro, como o Papai Noel. No máximo, vale desconversar, mas com descontração, emendando algum passatempo, e pedir desculpas ao cometer algum ato falho. Porém, não é indicado os pais instigarem ou reforçarem essa fantasia nos filhos.

Sinais para se prestar atenção

Há situações em que o amigo imaginário está relacionado com problemas que devem ser investigados pelos pais, comunicados à escola e solucionados com o apoio de especialistas. "Por exemplo, se a criança, com frequência, direcionar seus problemas de comportamento ao amigo, o que pode indicar uma dificuldade para assumir os próprios erros", aponta Nelson Douglas Ejzenbaum, pediatra e neonatologista membro da Academia Americana de Pediatria.

É normal crianças com amigos reais terem amigos imaginários, mas não é saudável que fiquem muito mais tempo isoladas, principalmente durante brincadeiras, e não queiram testar outras formas de se divertir. Se isso ocorrer, pode ser que apresentem dificuldades para se relacionar ou comunicar. Nesses casos, é indicado aos pais que consultem um psicólogo e ajudem o filho a socializar, organizando encontros e o levando para passear e ter experiências fora de casa.

Por exteriorizar o eu interior, o amigo imaginário geralmente é infantil, mas se a criança informar que se trata de um adulto, os pais precisam perguntar a ela o seu nome e o que conversam e fazem juntos. Entre as hipóteses, pode ser que a ausência de um ou ambos os pais esteja por trás dessa fantasia, utilizada como uma compensação. Outras possibilidades incluem uma resposta a traumas relacionados a separações, abusos ou mortes de familiares.

criança brincando com tinta; amigo imaginário - iStock - iStock
É normal crianças com amigos reais terem amigos imaginários, mas não é saudável que fiquem muito mais tempo isoladas
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Desaparecimento deve ser natural

Amigos imaginários perduram até por volta dos 6 anos de idade e o sumiço deles tem a ver com o amadurecimento cognitivo e a diferenciação entre subjetividade e realidade. Em paralelo, a criança também desenvolve sua segurança emocional e, devido ao convívio diário com amigos de carne e osso, acaba percebendo que manter a fantasia não faz muito sentido.

Essa transição é gradual e não deve ser acelerada com cobranças, castigos ou restrições ao uso de brinquedos. Mas se passados os 6 anos e a criança continuar com a crença de que vê, ouve e fala com seres irreais, ou se ainda apresentar delírios, paranoias e, novamente, se isolar, deixar atividades de lado e mudar de comportamento, os pais devem buscar ajuda médica.

"O fenômeno é facilmente diferençável da psicose, mas se desconfiar que essa interação passa dos limites ou se seu filho não quiser largar o amigo de jeito nenhum e por causa dele deixar de ir à escola, de se alimentar e de se entrosar, será preciso uma investigação aprofundada para descobrir a causa e tratá-la", recomenda Carla Guth, psicóloga especializada em neuropsicologia pela FCMSC-SP (Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo).