Covid-19: pesquisa não indica benefício do tocilizumabe em pacientes graves
Uma nova pesquisa brasileira traz um ponto de alerta sobre o uso do tocilizumabe para o tratamento de pacientes graves da Covid-19. Apontado pelo primeiro-ministro britânico Boris Johnson como uma esperança para salvar mais vidas naquele país, o medicamento para artrite não teve o benefício previsto em testes feitos no Brasil.
Em artigo publicado na última quarta-feira (20) no The British Medical Journal, pesquisadores da Coalizão Covid-19, responsável pelo estudo, relatam que as análises com o tocilizumabe precisaram ser interrompidas após 15 dias, depois de observarem um aumento das mortes entre pacientes que receberam a dose do remédio. Também não foi encontrado nenhum benefício da adição da droga ao tratamento padrão.
A Coalizão Covid-19 é uma aliança para condução de pesquisas formada por oito organizações de saúde do Brasil (Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Brazilian Clinical Research Institute - BCRI, e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva - BRICNet). Os resultados apresentados pelos brasileiros serão incorporados a uma meta-análise da Organização Mundial da Saúde (OMS), que reunirá uma série de outros estudos para avaliar se o tocilizumabe pode ou não ajudar no tratamento da Covid-19.
Atualmente, pesquisas em diversos países trazem resultados contraditórios. Um deles, do projeto britânico Remap-Cap, mostrou recentemente que a aplicação da droga 24 horas após a internação em UTI pode reduzir em 24% o risco de morte.
"No geral, os nossos resultados estão de acordo com a maioria dos estudos com tocilizumabe, exceto o Remap, que é um estudo maior do que o nosso e, até o momento, apesar de não publicado ainda, tem sido um caso atípico em termos de benefício de sobrevida", afirma o cardiologista Renato Lopes, diretor da BCRI e integrante do comitê executivo da coalizão.
Segundo Lopes, outro estudo em desenvolvimento no Reino Unido, o Recovery, deverá trazer uma conclusão mais definitiva sobre a droga, dado o tamanho da amostra usada nas análises. "Essa pesquisa ajudará tremendamente na compreensão do papel desse agente em pacientes com Covid. Mas, olhando a totalidade dos dados disponíveis e publicados até o momento, acho que o tocilizumabe tem um papel limitado no tratamento de pacientes com a Covid-19 e sem claro benefício na sobrevida."
Na visão do pesquisador Alexandre Biasi, diretor do Instituto de Pesquisas do HCor, o estudo traz uma importante contribuição para a meta-análise em desenvolvimento pela OMS. "Estamos oferendo mais uma peça para este quebra-cabeça. Os resultados ajudarão a construir diretrizes consistentes sobre o uso correto do medicamento. Esperamos que ele possa ajudar no tratamento da Covid, mas é preciso que isso seja feito com base em pesquisas, como esta que desenvolvemos na Coalizão", destaca o médico.
Viviane Cordeiro Veiga, coordenadora de UTI da BP e integrante da Coalizão Covid-19, lembra que, por enquanto, apenas a dexametasona foi comprovada como eficaz no tratamento da doença em casos graves. "Pensando em medicamentos que podem atuar na resposta inflamatória da Covid-19, mostramos que o tocilizumabe não foi efetivo em enfermos em estado crítico. Hoje, dentre os tratamentos aprovados, não temos nenhuma outra medicação com resultados inequívocos, a não ser o corticoide. Porém não de forma preventiva e sim em pacientes que estão usando oxigênio", reforça a médica intensivista.
Sobre a pesquisa
O tocilizumabe bloqueia uma substância produzida pelo sistema imunológico (interleucina-6), que pode estar associada a complicações relacionadas à inflamação na Covid-19. Para testar essa hipótese, os pesquisadores da Coalizão conduziram ensaio clínico randomizado comparando o uso do remédio para artrite incorporado ao tratamento padrão com o tratamento padrão sozinho, todos em pacientes da Covid-19 internados em estado grave ou crítico.
Quinze dias após a aplicação das doses, 28% dos pacientes do grupo com tocilizumabe estavam recebendo ventilação mecânica ou morreram. No grupo padrão, a proporção foi de 20%. O índice de óbitos no grupo com tocilizumabe foi de 17%. Já entre aqueles que receberam apenas o tratamento padrão, 3% morreram no mesmo período. Os resultados são baseados em 129 adultos relativamente jovens (idade média de 57 anos) com Covid-19 confirmado em nove hospitais brasileiros, entre 8 de maio e 17 de julho de 2020.
O aumento do número de mortes no grupo que estava recebendo tocilizumabe levantou preocupações de segurança e o ensaio foi interrompido precocemente. Em ambos os grupos, as mortes foram atribuídas a insuficiência respiratória aguda ou disfunção de múltiplos órgãos relacionada à doença.
Os pesquisadores brasileiros apontaram algumas limitações, incluindo o pequeno tamanho da amostra, que afeta as chances de detectar um efeito assertivo. No entanto, os resultados foram consistentes após o ajuste para os níveis de suporte respiratório necessários para os pacientes no início do estudo.
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