Ataque de abelhas: do desespero na hora às reações do corpo após 15 picadas
Jornalista é acostumado a contar a história dos outros. É para isso que somos preparados —e é o que fazemos na prática. Mas tem dia em que o caçador de histórias vira a caça. E o meu dia chegou, culpa de um ataque de abelhas em plena parte urbana da Amazônia.
Eram por volta das 15h da sexta-feira (15/1), quando cheguei ao cemitério Parque de Manaus, no bairro do Tarumã, em busca de pessoas que haviam perdido entes queridos pela covid-19. Seria minha primeira pauta na cidade (cheguei às 11h30 daquele dia) para cobrir o colapso no sistema de saúde.
Na rua do cemitério havia muitos carros, e o Uber precisou parar um pouco antes da entrada. No caminho até lá, restos de uma árvore podada estavam no chão. Para minha infelicidade, no momento em que passei, uma retroescavadeira levantou esses restos. Pronto! Foi como uma bomba no meio do enxame onde elas estavam. Acho que as abelhas pensaram: foi esse cara que acabou com a nossa casa, vamos atacar.
Elas então vieram com tudo —e eram incontáveis. Curioso que você leva alguns segundos até entender a dimensão do que se passa. No começo, acha que é uma coisa menor, depois que a ficha cai.
Duas coisas são aterrorizantes no momento em que você é atacado por abelhas. O primeiro é psicológico: o zumbido imparável que elas fazem. Uma das abelhas, inclusive, tentou entrar no meu ouvido —mas foi retirada antes de conseguir.
Mas o maior pavor, sem dúvida, é não saber onde estão as inimigas. Isso impede você de se defender corretamente, e elas aparecem em todo lugar ao mesmo tempo: quando afastava as que estavam no rosto, sentia a picada na barriga; quando matava a que picou a barriga, a dor já era no braço, e por aí vai. Aliás, o medo é muito maior do que a dor no momento.
No meio disso, tirei a camisa para pedir que uma pessoa me ajudasse batendo com ela no meu corpo para espantar as abelhas. Mas a camisa estava cheia delas, e o "ajudante" passou a ser alvo também.
Por um instante, ao ver as pessoas correndo de mim para fugir das abelhas, pensei que não ia escapar. Pela primeira vez na vida pensei que ia morrer: vinha à mente a lembrança dos documentários em que a garganta de quem é picado fecha e você fica sem ar.
Mas ainda havia luta (nessa hora ninguém se rende), e para minha salvação tinha uma barraca de lanches na rotatória da entrada do cemitério. Levei cerca de três minutos (pareceu uma eternidade) para perceber que ali poderia estar a salvação.
Primeiro, ao chegar, a dona da barraca me deu barras de gelo, que passei no corpo. Ao ver que não ia adiantar totalmente, ela me apontou para um isopor grande e cheio de água já usada ao lado. Sem pensar, foi lá que mergulhei a cabeça até os ombros e joguei a água pelo resto do corpo. Aí, sim, consegui me livrar delas.
O saldo foram 15 picadas: quatro nos braços, duas na barriga, uma na perna, três nas orelhas, duas no rosto e três na cabeça.
"Vai fechar a garganta", pensei
Entrei no Uber sem ar e com a certeza que precisava de um hospital rápido: "Toca, motorista!". Mas havia um complicador: Manaus enfrenta um colapso na saúde e não havia qualquer certeza de que seria atendido. A solução mais prática seria uma farmácia, disse o Uber.
Resolvi então ligar para o meu irmão —que é médico— e contei o que houve. Mandei fotos também pelo WhatsApp, e ele me acalmou e indicou que tomasse 40 mg de prednisona (corticoide) e um comprimido de loratadina (antialérgico). Mais calmo, parei na farmácia e comprei os medicamentos. A farmacêutica também me deu a boa notícia: "Se fosse dar alergia já tinha dado."
Naquela tarde ainda tive vômito e dor de cabeça, mas passado o susto e as horas de incômodo, no outro dia tudo parecia sob controle, sem dor e inchaços que lembravam picadas de insetos do dia a dia. Por isso, tomei por apenas mais um dia os remédios (suspendi por conta própria, admito) e segui no trabalho.
E não é que elas voltaram a causar medo?
Voltei para Maceió na quarta-feira (20/1) de madrugada apenas com marcas avermelhadas e coceira moderada. Imaginava ter me livrado dos problemas. Mas não foi bem assim.
Na quinta-feira (21), acordei com os olhos muito inchados e com vários inchaços nos locais das picadas, dor e febre local. O susto ao me ver no espelho foi imediato.
Lembrei-me na hora de Vera Magalhães, doutora e professora na área de infectologia e doenças tropicais da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), que sempre me ajuda com entrevistas para reportagens. De repórter passei a ser paciente —e ela, de fonte, virou uma médica particular.
Enviei as fotos e de pronto ela identificou o que seria: uma reação tardia de alguém com alguma sensibilidade. Mandou retornar de imediato os remédios e fazer alguns exames para conferir taxas de fígado e rins. Após algumas horas, o efeito dos remédios aliviou os sintomas, e os inchaços reduziram significativamente. Ficaram apenas as coceiras—que duraram mais dois dias— e as manchas —que ainda estão comigo, mesmo que menos pigmentadas a cada dia.
"No Brasil, ocorrem de 10 a 15 mil acidentes com abelhas e 40 a 50 pessoas morrem por ano. Nos Estados Unidos, ocorrem de 50 a 80 óbitos ao ano. São números significativos", diz Vera.
Dicas após picadas
Existem orientações para quem leva picada de abelha. "Logo após o acidente, deve-se retirar o ferrão e lavar o local com água e sabão. Uso de gelo nos locais das picadas também alivia a dor", diz, citando que retirar o ferrão não é tão simples e exige cuidados.
"Às vezes não é fácil se retirar, mas esse ferrão contém veneno, e se tirar se interrompe a absorção. Mas se estiver subcutâneo se recomenda que não retire. Mas se não, tira com gaze ou levemente com a própria unha. Não se deve escarificar a pele com pinça ou similar", explica Vera Magalhães.
O maior problema, diz, está nos casos em que a pessoa tem alergia ao veneno da abelha. "Algumas pessoas podem desenvolver reação anafilática, que é uma falta de ar, um desconforto na garganta, tontura e, nos casos mais graves, uma sufocação. Esses são sinais de gravidade. Nesses casos, deve-se procurar o hospital imediatamente. Recomenda-se até que pessoas que sabem que têm alergia, e que podem ter contato com abelha, manter aquela seringa autoaplicável de epinefrina, para tratamento e reações mais graves", afirma.
No meu caso, ela diz que o inchaço nos olhos veio por conta da suspensão do medicamento e de uma reação leve de hipersensibilidade.
"As reações das picadas duram em média sete dias. Esse angioedema [referente ao inchaço nos olhos] mostrou uma certa hipersensibilidade, talvez pelo número de picadas que você sofreu. Acima de 15 é recomendável procurar um hospital porque a quantidade de veneno das abelhas é grande. Mas reação tardia não é o que a gente mais se preocupa, mas, sim, a reação imediata por anafilaxia", finaliza.
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