Composto reverte queda na produção de proteínas associada ao Alzheimer
Pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos identificaram uma estratégia que talvez um dia possa ser usada para reduzir a perda de memória característica do Alzheimer, doença neurodegenerativa que atinge quase 35 milhões de pessoas no mundo e permanece sem tratamento eficiente. Ela consiste em restabelecer a produção normal de proteínas nos neurônios, que se torna bastante diminuída na enfermidade.
Em uma série de testes realizados pelos grupos do bioquímico Sergio Teixeira Ferreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e do neurocientista Eric Klann, da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, o uso de um composto experimental chamado inibidor da resposta integrada ao estresse -ou Isrib, sigla de integrated stress response inhibitor- devolveu a camundongos que apresentavam sinais de esquecimento típicos de Alzheimer a capacidade de aprender e de se lembrar do que haviam aprendido. Os resultados dos experimentos estão descritos em um artigo publicado terça-feira (2/2) na revista Science Signaling.
"Esse trabalho é uma prova de conceito e indica que, em princípio, é possível usar um fármaco para restaurar a síntese de proteínas em um cérebro afetado pelo Alzheimer", afirma Ferreira, que há mais de duas décadas investiga as alterações bioquímicas e celulares produzidas na doença. "No futuro, talvez se torne viável usar em seres humanos alguma estratégia de tratamento semelhante à empregada agora nos roedores", conta o pesquisador.
Identificado em 2013 pelo bioquímico alemão Peter Walter, da Universidade da Califórnia em São Francisco, nos Estados Unidos, o Isrib parece restaurar a capacidade de memorização ao restabelecer a produção normal de proteínas nos neurônios, as células cerebrais responsáveis pelo processamento e armazenamento das informações. Apesar dos efeitos animadores observados nos experimentos atuais e anteriores que avaliaram seu efeito em outras enfermidades, é pouco provável que o próprio Isrib venha a ser administrado em pessoas. É que, para se tornar solúvel no sangue e poder ser administrado via endovenosa ou oral, ele precisa ser diluído em um solvente que, em altas concentrações, é tóxico para os seres humanos.
Ferreira se interessou em avaliar a ação do Isrib no Alzheimer tão logo Walter e seu grupo publicaram dados sugerindo que o composto poderia melhorar a memória de roedores por aumentar a síntese de proteína. Naquele mesmo ano, o grupo do Rio e o de Nova York tinham encontrado a resposta para uma dúvida que durava havia mais de uma década. Fazia algum tempo se sabia que tanto o cérebro de pessoas com Alzheimer como o de roedores que desenvolvem sintomas semelhantes aos da doença apresentavam uma diminuição na produção de proteínas. Não se sabia, porém, se esse efeito era consequência da enfermidade ou apenas uma coincidência. Trabalhando de modo independente, as equipes de Ferreira e de Klann constataram quase simultaneamente que, no Alzheimer, compostos tóxicos que se acumulam na superfície externa dos neurônios desencadeiam uma série de reações químicas que terminam por bloquear parcialmente a síntese de proteínas. Esses compostos tóxicos são os chamados oligômeros do peptídeo beta-amiloide, fragmentos de uma proteína importante para formar conexões entre neurônios. "A presença dos oligômeros põe a célula sob estresse, de modo semelhante ao que ocorre com a privação de nutrientes ou a invasão por um patógeno", explica o bioquímico da UFRJ.
Nessas condições, os neurônios, como quaisquer outras células, passam por uma revisão de prioridades: ocorre uma diminuição na síntese das proteínas responsáveis por seu funcionamento normal e um aumento da produção daquelas destinadas a resolver a agressão. "No balanço geral, os neurônios produzem de 30% a 40% menos proteínas na presença dos oligômeros", conta o neurocientista Mauricio Martins Oliveira, integrante da equipe de Ferreira e primeiro autor do artigo na Science Signaling. "É uma forma de as células pouparem energia, uma vez que fabricar proteína tem um custo energético elevado."
Eficaz em situações de estresse agudo, essa solução se torna prejudicial em caso de estresse crônico, como o causado pelo acúmulo dos oligômeros. Acredita-se que esses compostos se aglomeram ao longo de anos na superfície dos neurônios até formarem placas observadas no cérebro de pessoas com Alzheimer.
Os grupos do Rio e de Nova York decidiram juntar esforços para continuar os experimentos e coube a Oliveira verificar se o aumento da síntese proteica promovido pelo Isrib - e observado por outros grupos de pesquisa em animais saudáveis ou com outras doenças neurodegenerativas, como a esclerose lateral amiotrófica (ELA) - também poderia ocorrer no Alzheimer. O neurocientista injetou oligômeros diretamente no cérebro de camundongos, para simular o que ocorre nos estágios iniciais da doença, e depois os separou em dois grupos: metade foi tratada por 12 dias com Isrib, enquanto a outra metade recebeu apenas o diluente, que funcionou como controle. Em seguida, ele comparou o desempenho dos dois grupos em três testes de memória. Um avaliou se, a partir de pistas na parede, eles eram capazes de lembrar onde ficava uma plataforma submersa em uma piscina (memória espacial); outro verificou se se recordavam de um ambiente em que havia ocorrido um evento marcante (um leve choque nas patas), enquanto o terceiro testou se conseguiam distinguir objetos conhecidos de outros novos. Em todos os experimentos, os camundongos que receberam o composto ativo se saíram bem melhor do que os tratados apenas com diluente.
A presença dos oligômeros beta-amiloide costuma prejudicar muito o desempenho dos camundongos nos testes. Os que receberam Isrib, no entanto, se saíram tão bem quanto animais saudáveis, relataram os pesquisadores. "Esse resultado sugere que um composto que atue na mesma via bioquímica que o Isrib e restaure a capacidade normal de produção de proteínas poderia reverter, ou ao menos reduzir, o efeito deletério dos oligômeros", conta Oliveira, que atualmente faz um estágio de pós-doutorado com Klann, em Nova York.
Apesar dos resultados animadores, ainda há muito para se conhecer antes que um composto desse tipo possa ser testado em seres humanos. Segundo os pesquisadores, deve ser longo o caminho a ser percorrido até que se chegue a um composto seguro, eficiente e que não seja tóxico para as pessoas. "O efeito que observamos é promissor, mas esse foi só o primeiro passo", diz Ferreira.
*Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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