Palhaços reduzem ansiedade, estresse e até dor de crianças internadas
Resumo da notícia
- Estudo publicado em dezembro de 2020 comprovou eficácia dos palhaços em hospitais
- Os atores e voluntários ajudam a reduzir ansiedade, estresse, dor e biomarcadores relacionados à progressão tumoral
- As brincadeiras, além de distraírem crianças e adolescentes, também ajudam profissionais a explicarem procedimentos pelos quais pequenos irão passar
De jaleco branco, mas sem perder a graça, palhaços podem reduzir a ansiedade, o estresse e até a dor de crianças e adolescentes internados em hospitais, segundo um estudo publicado no periódico British Medical Journal em dezembro de 2020.
A pesquisa é uma revisão sistemática, que analisa e sintetiza os resultados dos outros estudos. Ao todo, foram avaliados 24 ensaios clínicos, publicados entre 1947 e 2020, dos quais participaram 1.612 crianças e adolescentes internados em hospitais de 10 países.
A ansiedade dos pacientes antes e durante procedimentos médicos foi analisada por 13 dos 24 ensaios clínicos incluídos na revisão. Todos apontaram a redução do sintoma dos pacientes após o contato com os palhaços.
Os "doutores da alegria" também foram capazes de amenizar o estresse dos pacientes em três dos quatro estudos que analisaram o sintoma, além de melhorar o bem-estar emocional das crianças e adolescentes que participaram de dois ensaios.
Quatro estudos apontaram ainda redução significativa da dor dos pacientes após a intervenção hospitalar dos palhaços, enquanto outros dois indicaram a diminuição da fadiga provocada pelo câncer.
A revisão foi conduzida pelo professor de enfermagem Luís Carlos Lopes Júnior, da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), a partir de sua tese de doutorado defendida na USP (Universidade de São Paulo), que avaliou a efetividade dos palhaços na diminuição do estresse e da fadiga de crianças e adolescentes hospitalizados com câncer e submetidos à quimioterapia no HC (Hospital das Clínicas) da USP de Ribeirão Preto (SP).
Em até 13 horas após o contato com os palhaços-doutores, os níveis de biomarcadores relacionados ao estresse e à fadiga, além da progressão tumoral e da metástase, reduziram significativamente —a análise foi feita a partir da coleta de oito amostras de saliva de cada paciente durante três dias.
Impacto psicológico
A professora Tereza Cristina Peixoto, que ensina psicologia hospitalar na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), avalia que os benefícios da terapia do riso surgem a partir das brincadeiras que os palhaços fazem com as crianças. "A brincadeira é terapêutica para ela, porque é uma forma de expressar seus desejos e buscar saídas para enfrentar o sofrimento", diz. "Projetos lúdicos em pediatria são muito bem-vindos. É pura saúde para a criança, porque alegria é vital".
Peixoto, que estudou em sua tese de doutorado as relações estabelecidas entre as crianças e os profissionais de saúde dentro de uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva), diz que a brincadeira pode ainda melhorar a comunicação dos pequenos com os adultos ao seu redor. "Os profissionais de saúde conversam com as crianças por meio de brinquedos. Explicam uma cirurgia que ela vai enfrentar, por exemplo, usando uma boneca. Com crianças, isso é mais eficaz do que simplesmente falar", explica.
A avaliação da professora ecoa na visão da psicóloga Danielle Zeoti, que hoje se dedica à clínica, mas passou 12 anos de sua carreira nos corredores do Hospital das Clínicas e de um hospital particular de Ribeirão Preto (SP) em contato com crianças e adolescentes. "A medicação é multifacetada. Existe o fármaco, existe a psicoterapia, o contato com amigos, familiares e com a equipe médica, mas existe também o lazer, que, apesar de ser diferente, também é uma medicação", afirma.
A psicóloga frisa que, além de tratar os sintomas clínicos, é preciso dar atenção à saúde mental dos pacientes submetidos a internações de longo prazo, que as distanciam de amigos e familiares e quebram suas rotinas. "Doente, a criança fica em alerta e gasta mais energia na sua autoconservação psíquica. Com isso, até a tolerância à dor diminui. Uma dor tolerável, numa situação de estresse, passa a ser insuportável. É por isso que, com a diversão, até o incômodo diminui. São fatores diretamente proporcionais", diz.
Terapia do riso
Apesar de a evidência científica mais robusta da terapia do riso ter sido publicada em dezembro de 2020, os palhaços adentraram os hospitais há muito tempo. Em 1908, o francês Le Petit Journal já estampava em sua capa um grupo de palhaços em um hospital de Londres.
O trabalho, porém, ganhou o mundo aos poucos. Espalhou-se pelo Brasil a partir de 1991, quando o ator e empreendedor social Wellington Nogueira, que fez parte do primeiro grupo de palhaços profissionais que visitavam crianças hospitalizadas, trouxe de Nova York para São Paulo a terapia do riso.
"Quando fui convidado para fazer parte do grupo nos EUA, achava que seria piegas, bobo, mas vi artistas extremamente competentes. Eu não tinha ideia do poder do palhaço. Ele transforma seu jeito de enxergar a vida. É um estado de espírito", diz.
Nogueira fundou a ONG Doutores da Alegria, hoje presente em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, que inspirou a criação de cerca de 1,5 mil projetos semelhantes em todo o país. Alguns são conduzidos por profissionais de saúde voluntários, enquanto outros, como os Doutores, contam com atores profissionais.
O trabalho varia de acordo com o grupo, mas as crianças costumam ser sempre atendidas individualmente. À frente do leito, uma música pode ser suficiente para alegrá-las, mas há casos em que é necessário um malabarismo artístico e até conversas de longa duração.
Mesmo com a pandemia, há grupos que continuam presentes nos hospitais, mas a maioria deles se adaptou para atender os pacientes à distância, com vídeo-chamadas ao vivo e vídeos pré-gravados. O trabalho, afinal, não pode parar.
"A medicina já cuida do que está doente, então o palhaço vai ao hospital para se ligar ao que está saudável. No hospital, o foco todo é no que está ruim e precisa ser curado. O palhaço surge para cuidar do que está bom e precisa ser estimulado", afirma Nogueira.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.