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Flerto, logo existo? Prazer excessivo em seduzir pode indicar síndrome

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Imagem: iStock

Sarah Alves

Colaboração para o VivaBem

09/02/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Síndrome de Don Juan ou Afrodite acomete pessoas viciadas em flertar e seduzir
  • Especialistas explicam que a condição se manifesta como um ciclo vicioso na busca pelo prazer de conquistar alguém
  • Síndrome pode causar solidão, falta de transparência nas relações e refletir necessidade de constante aprovação

A constante busca pelo prazer em flertar e seduzir alguém é a principal característica da síndrome de Afrodite ou Don Juan. Levando os nomes da deusa grega do amor e do histórico personagem espanhol conhecido pela fama de sedutor, a condição —também chamada de donjuanismo — pode ser bastante limitante para quem convive com ela.

Uma síndrome é desencadeada pelo comportamento disfuncional em alguma parte do corpo humano. No caso da de Don Juan ou Afrodite, a energia é canalizada para a sedução. As relações estagnam na fase da conquista e a necessidade é única e exclusivamente de despertar a atenção do outro —ou outros. Quando o interesse se concretiza e, portanto, o prazer, a graça acaba e então é a hora de encontrar um novo "alvo".

Em geral, a síndrome de Afrodite está associada às mulheres, enquanto o donjuanismo, aos homens. As formas de desenvolvimento, no entanto, não se delimitam pelo gênero: cada pessoa manifesta a condição como lhe convém. "O funcionamento geral depende do que a pessoa tem como atributo a ser enaltecido, seja no corpo, no intelecto, no jeito de ser. Depende do que cada um tem para apresentar como objeto de sedução", explica a psicóloga Bruna Andressa da Silva, mestre em psicologia clínica pela USP (Universidade de São Paulo).

Sinal de alerta

Fases com maior procura por interações amorosas são comuns na vida. O que diferencia a síndrome são a intensidade e a constância pela paquera, em alguns casos até diária. A condição torna a necessidade de flertar parte da rotina, independentemente do ambiente em que se esteja.

A necessidade compulsiva por sedução é refletida em relações rápidas sem muita intimidade. "O transtorno é caracterizado pelo fácil envolvimento sexual e frágil desenvolvimento íntimo, beirando o fracasso no envolvimento emocional, gerando breves relacionamentos ou a falta até do início de um propriamente dito, isto porque não há possibilidade de construção de intimidade", comenta a psicóloga Vanessa Karam, da BP - A Beneficiência Portuguesa de São Paulo.

Homens e mulheres reagem diferente ao flerte - iStock - iStock
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Porém, é importante observar que mesmo nos envolvimentos superficiais, quem sofre da condição muitas vezes pode iludir quem está do outro lado. Ou seja, da mesma maneira que os relacionamentos não são aprofundados, também não é como se fossem meros envolvimentos casuais.

"Quem sofre do donjuanismo geralmente apresenta múltiplos casos, ou seja, envolvimentos com várias pessoas", comenta o psiquiatra e coordenador do AISEP (Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo) do Hospital das Clínicas de São Paulo, Marco Scanavino. "Não é um comportamento, por exemplo, que se engaje em relacionamentos sexuais com pessoas anônimas, aventuras com quem não se conhece e não vai manter contato antes ou depois. Eles [portadores da síndrome] geralmente apresentam múltiplos casos, sequenciais ou em paralelo, com certo envolvimento", completa.

Don Juans e Afrodites

Não há um perfil completamente delimitado de quem possui a síndrome, mas especialistas destacam três padrões: pessoas com baixa autoestima, traços narcisistas e que carregam traumas. Eles também lembram que os primeiros sinais da condição podem aparecer durante a adolescência, fase em que normalmente os envolvimentos amorosos têm início.

O primeiro padrão citado coloca a insegurança como fator para a constante necessidade de autoafirmação, a partir de comportamentos que projetam o portador da síndrome como alguém desejável. "No fundo, é uma busca pela completude e uma forma errônea de se sentir menos ameaçado e com algum prazer. Há alta competitividade para se conseguir a meta, que é a atenção do outro por meio da estratégia comportamental da sedução, sendo o pano de fundo deste funcionamento psíquico a insegurança e carência afetiva", analisa Karam.

"Eu preciso que o outro me deseje e me queira para eu me sentir potente e confortável e, assim, desligar minha insegurança e meu medo".

Por outro lado, tendências narcisistas se expressam como uma forma de refutar o pensamento de superioridade perante aos demais, na incapacidade de reconhecer limitações e fragilidades. E o último padrão, sobre os traumas, relaciona situações de vulnerabilidade e abandono, com atenção sobretudo às histórias familiares.

De maneira geral, a prioridade das relações exclui o senso de compartilhamento. "Quem tem a síndrome de Don Juan não consegue estabelecer uma relação verdadeira com o outro, porque o outro não existe. Depois que se conquista, aí não há mais interesse e vai se conquistar outra pessoa. Não tem essa preocupação, um reconhecimento, uma valorização de quem é o outro", explica Silva.

Segundo a profissional, uma das vias de tratamento é focada na autoanálise, para experimentar novas percepções de si e a vivência com o outro. O resgate de vivências e busca por padrões do comportamento também são essenciais para entendê-lo, como explica a psicanalista Paula Sarmento Leite: "Podem ser pessoas que tiveram traumas importantes ou viveram situações de abandono, fragilidades de todas as ordens. No geral, a forma de tratamento que a psicanálise propõe é fazer um mergulho na história para que a pessoa possa se conhecer e entender."

Aplicativo de paquera mulher na celular - tommaso79/iStock - tommaso79/iStock
Imagem: tommaso79/iStock

Relações prematuras

Quando se fala das consequências da síndrome, o primeiro impacto é o não aprofundamento das relações, praxe nos relacionamentos saudáveis e importante para o amadurecimento amoroso. Permanecer no estágio inicial da conquista contribui para possíveis sentimentos de incompletude e solidão a longo prazo.

"Dificilmente uma pessoa que não se submeter a um processo terapêutico ou de autoanálise vai conseguir lidar com as emoções, as relações e os impactos, principalmente sociais, de não poder estabelecer essas relações mais profundas e verdadeiras", diz Silva. "Há um sofrimento muito grande, principalmente depois de alguns anos há um vazio, uma solidão e até medo, que implicam muito sofrimento."

Para além dos envolvimentos amorosos, em alguns casos as atitudes podem impactar amizades, relações familiares e de trabalho. Com a conquista e a necessidade de atenção já tão latentes, expandem-se os conflitos às demais áreas da vida. O tempo também pode ser inteiramente dominado pela necessidade de sedução, com pessoas dedicando horas excessivas todos os dias a aplicativos de relacionamento ou encontros, por exemplo.

O psiquiatra Marco Scanavino pontua ainda que, caso as relações amorosas se desenvolvam, elas podem ser pouco horizontais. "Esses relacionamentos geralmente não são comportamentos bastante integrados, muitas vezes carecem de maior transparência", explica.