Covid-19: promissor, estudo com tocilizumabe e corticoide não é conclusivo
Divulgado na última quinta-feira como pré-print (ainda sem a chamada revisão de pares e publicação em revista científica, o que garante que as informações foram avaliadas e "aprovadas" por cientistas isentos de interesse), um estudo parte do projeto de pesquisa Recovery, liderado pela Universidade de Oxford (Reino Unido), aponta que o uso do tocilizumabe associado com dexametosa (corticoide), beneficiou pacientes internados com casos graves de covid-19.
Utilizado para tratar artrite reumatoide, o uso do tocilizumabe em pacientes graves infectados com o coronavírus já havia investigado em um estudo brasileiro, feito pela Coalizão COVID-19*, assim como em algumas outras pequenas pesquisas. Mas os resultados foram na direção contrária da pesquisa de Oxford, apontando que o a droga não seria capaz de grandes mudanças nos quadros.
O novo trabalho britânico, no entanto, é a maior análise sobre os medicamentos já feita. "Ser um pré-print é uma limitação, mas na minha opinião, muito pequena", aponta Luciano Cesar Pontes Azevedo, médico intensivista e pesquisador do Hospital Sírio-Libanês.
"O grupo que fez o estudo é um dos maiores que tem atuado em pesquisas sobre a covid-19, dificilmente a publicação final será muito diferente do pré-print. Além disso, esse é um estudo bem mais robusto do que o brasileiro, que teve 120 pacientes. De ponto de vista de geração de evidências, ele é bem mais confiável", conclui Azevedo, que faz parte da Coalizão COVID-19.
Um outro ponto negativo, mas que na opinião do médico também não compromete de forma grave a qualidade do estudo, é que a pesquisa não foi feita na forma "duplo-cego", o que significa que nem os pacientes nem os médicos sabem o que está sendo administrado —e o que pode, de acordo com os critérios científicos, enviesar o resultado. No caso dos cientistas britânicos, eles sabiam quem recebeu os remédios.
O pesquisador aponta, ainda, que a diferença do percentual de morte entre os grupos que tomaram ou não o remédio foi de 4%, um número que não é tão alto e pode ser um dos motivos pelos quais estudos menores tiveram resultados divergentes. "Foi preciso administrar a droga em 25 pacientes para salvar uma vida adicional com o remédio. Então uma análise pequena, com 200, 300 pacientes, pode não ter sido capaz de identificar como uma grande mudança."
Como o estudo foi feito
- Entre 23 de abril de 2020 e 25 de janeiro de 2021, 4.116 adultos foram incluídos na avaliação do uso de tocilizumabe.
- Entre eles, 14% (562 pacientes) estavam recebendo ventilação mecânica invasiva, 41% (1.686 pacientes) estavam recebendo suporte respiratório não invasivo e 45% (1868 pacientes) não estavam recebendo nenhum suporte respiratório além de oxigênio.
- Durante os testes, 82% (3.385 pessoas escolhidas aleatoriamente) também estavam recebendo corticoides.
Resultados
A interpretação dos autores britânicos é que o uso do tocilizumabe e do corticoide melhorou a sobrevida e o quadro clínico de pacientes com covid-19 hospitalizados com hipóxia (falta de ar) e inflamação sistêmica, independentemente do nível de suporte respiratório recebido.
- No geral, 596 (29%) dos 2.022 pacientes que tomaram tocilizumabe e 694 (33%) dos 2.094 pacientes que não tomaram a droga morreram dentro de 28 dias.
- Resultados consistentes foram observados em todos os subgrupos de pacientes, incluindo aqueles que receberam corticoides. Os pacientes alocados para tocilizumabe tinham maior probabilidade de receber alta hospitalar com vida em 28 dias.
- Entre aqueles que não receberam ventilação mecânica invasiva no início do estudo, os pacientes que usaram tocilizumabe foram menos propensos a precisar de ventilação mecânica invasiva ou morte.
Uso de corticoides pode ter influenciado o resultado positivo
Apesar de ser um estudo grande e, de acordo com Viviane Cordeiro Veiga, intensivista, cardiologista e coordenadora de UTI da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, bem desenhado, os próprios pesquisadores deixam a ressalva que ainda são necessários estudo complementares.
"Apesar dos resultados bastantes promissores, sabemos que não é uma resposta final. Precisamos considerar que ele reforça o uso conjunto dos dois medicamentos (82% dos pacientes receberam corticoides), e os benefícios dos corticoides para quadros graves já está bem estabelecido —diversos estudos robustos apontam com unanimidade ganhos como menor tempo de internação, de uso de ventilação e até menos mortes. Por isso, precisamos levar em consideração que parte dos bons resultados podem ter sido pelo uso da dexametasona", aponta Veiga.
A médica, que também faz parte da Coalizão COVID-19, agora integra um grupo da OMS (Organização Mundial da Saúde) que prevê uma grande meta-análise sobre o tema. Para chegar a um resultado conclusivo, pesquisadores que têm estudado o tocilizumabe analisarão dados de diversos estudos publicados em diferentes países.
"Estamos fazendo reuniões desde novembro e em torno de um mês a 45 dias esperamos ter dados mais consistentes. Ao analisar diferentes pesquisas, a ideia é entender se o medicamento realmente tem benefício e para quem", diz.
Tocilizumabe e dexametasona só devem ser tomados com indicação médica
O tocilizumabe é uma medicação de alto custo e já comprovadamente eficaz para casos graves de artrite reumatoide. "Não é tomada por via oral, mas pela veia, então não é algo que as pessoas podem comprar na farmácia. Também é importante ressaltar que não há quaisquer evidências para a prevenção da covid-19 ou para melhora de casos leves, que representam 80% dos quadros", aponta Veiga.
Assim como a droga para artrite reumatoide, é essencial que a dexametasona só seja administrada caso haja indicação médica —o que ocorre para pacientes com casos graves de covid-19, e não para prevenção ou casos leves ou moderados.
"O uso indiscriminado pode causar imunossupressão, deixando a pessoa suscetível a outras infecções, levar ao ganho de peso, à disglicemia (valores de glicemia fora da normalidade), gerar hipertensão arterial e sintomas psiquiátricos e até psicóticos", explica Igor Marinho infectologista do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
*A Coalizão Covid-19 é uma aliança para condução de pesquisas formada por oito organizações de saúde do Brasil (Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Brazilian Clinical Research Institute - BCRI, e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva - BRICNet)
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