4 pontos para entender as novas mutações do Sars-CoV-2
Na Teoria da Evolução de Charles Darwin, todos os seres vivos se encontram em constante transformação, por meio de mutações em seus materiais genéticos. O ambiente, então, seleciona a forma mais viável de sobreviver dentro daquele contexto. E é isso que estamos vendo acontecer com o novo coronavírus.
O que se tem observado em relação ao Sars-CoV-2 é uma evolução convergente, em que diversas cepas isoladas, localizadas em diferentes regiões do mundo —como Reino Unido, África do Sul e Brasil —, apresentam as mesmas mutações, que dão vantagens de sobrevivência ao vírus.
Em entrevista à Agência Einstein, o patologista clínico João Renato Rebello Pinho, coordenador médico do Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, respondeu as principais dúvidas em relação às novas variantes do coronavírus.
O que mudou no vírus
O GISAID (Global Initiative on Sharing All Influenza Data), banco de dados que reúne os genomas já registrados do Sars-CoV-2 e do vírus Influenza, conta com cerca de 492 mil sequências do agente causador da covid-19. As mutações mais relevantes encontradas até agora são a N501Y e E484K, que receberam os apelidos de Nelly e Erick, respectivamente.
As letras e números seguem um código internacional para mutações, sendo que a primeira letra é o aminoácido original; o número representa a posição da proteína; e a segunda letra é o novo aminoácido. No caso da Nelly, a asparagina (N) na posição 501 foi substituída pela tirosina (Y). Já no Erick, a lisina (K) entrou no lugar do ácido aspártico (E) na posição 484.
O médico explica que essas mutações alteram a proteína spike que, por ser a região mais externa do vírus, é o principal alvo dos anticorpos neutralizantes. Essas mutações dificultam o reconhecimento do Sars-CoV-2 pelo sistema imunológico.
"A tendência é que o vírus se torne cada vez mais adaptado ao ser humano", alerta Rebello Pinho. "Essas mutações, especificamente, são capazes de aumentar a afinidade entre o vírus e o receptor das nossas células, estrutura que faz com que a partícula viral seja captada. Isso aumenta a capacidade de infecção e replicação viral".
O patologista clínico também observa que, quando as mutações são vantajosas para o vírus, elas têm propensão a aumentar sua frequência, como é o caso da Nelly, que surgiu com uma baixa porcentagem no número de sequências virais, mas hoje está presente em quase todas as amostras atuais na África do Sul.
Como as mutações interferem no combate à pandemia
De acordo com Rebello Pinho, com novas variantes surgindo, alguns testes podem não ser capazes de identificar o vírus. "O RT-PCR, por exemplo, que detecta o RNA viral, depende da sequência de determinadas regiões desse ácido nucleico. Se houver alguma mutação nelas, o vírus se torna mais difícil de ser reconhecido".
Mas ele ressalta que, para aumentar a precisão dos testes, são analisadas duas ou três partes do material genético do vírus, em vez de apenas uma. Assim, caso exista mutação em uma das regiões, as outras continuam detectáveis.
Outro aspecto impactado pelas mutações é o tratamento com anticorpos monoclonais. Criados em laboratório, eles reduzem os sintomas da covid-19 ao se encaixar na proteína spike e impedir que ela atinja as células. Assim como no caso dos testes, as novas variantes podem dificultar o reconhecimento do vírus, reduzindo a eficácia dos anticorpos monoclonais.
Vacinas e medidas de proteção
Por ser uma doença que circula entre os seres humanos há pouco tempo, Rebello Pinho afirma que ainda não se sabe por quanto tempo as vacinas podem oferecer proteção diante das novas variantes. Mesmo assim, enfatiza que elas são essenciais neste momento, e que é fundamental que toda a população se vacine.
O especialista diz que "para a maior parte dos vírus respiratórios, precisamos tomar imunizantes com uma frequência razoável para garantir uma resposta imune", e cita como exemplo o Influenza, que, por apresentar alta taxa de mutação, exige a produção de nova vacina a cada ano. "Mesmo com a vacina, ainda será preciso o uso de máscara e o isolamento social até que a gente descubra o melhor intervalo para tomar novas doses e se os imunizantes terão que ser modificados anualmente".
Monitoramento de novas mutações
O Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein realiza o sequenciamento de amostras colhidas aleatoriamente para monitorar o surgimento de novas mutações. "Estamos acompanhando o surgimento dessas diferentes mutações com o passar dos tempos", afirma Rebello Pinho. O laboratório já encontrou, entre a população do hospital, cepas que contêm a mutação Nelly.
O coordenador do laboratório reforça que é fundamental que exista no Brasil uma iniciativa de sequenciamento do vírus, seja na rede pública ou privada. Essa prática contribui para que os pesquisadores aprimorem o diagnóstico, acompanhem as possíveis vias de transmissão —ou seja, quem passou a doença para quem — e analisem casos de reinfecção e reativação do Sars-CoV-2.
"Estamos vendo a evolução em ação, então é importante aumentar o sequenciamento do vírus pelo mundo", diz. No Reino Unido, para cada mil casos de covid-19, 50 são sequenciados, enquanto esse número cai para 0,15 no Brasil. "Não temos ideia da diversidade do vírus e de novas cepas que possam estar surgindo aqui."
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