Endometriose: dor a deixa meses sem transar com o marido e ela se culpa
Diagnosticada com endometriose aos 21 anos, Natasha*, tem sofrido com um dos sintomas mais comuns da doença, a dor durante a relação sexual. Casada, ela chega a ficar meses sem transar com o marido por medo de sentir dor e pela própria dor no ato em si. Aos 30, ela já fez três cirurgias e conta sua história.
"Perdi minha virgindade aos 16 anos, senti dor como a maioria das mulheres na primeira vez e depois passou. Aos 20, tinha uma vida sexual normal com o meu namorado da época, mas comecei a sentir dores durante a penetração. Não comentei nada, achei que fosse por não gostar mais dele, a relação tinha esfriado e a libido estava baixa. Pouco tempo depois, terminei com ele e conheci o meu atual marido, o Paulo*.
No início, o sexo com o Paulo era bom e prazeroso, mas a partir do quarto mês de namoro, voltei a sentir dores durante a penetração. Não achei normal, pois diferente do que era com o ex, estava super apaixonada pelo Paulo. Foi quando me dei conta a dor não tinha a ver com afinidade sexual.
Um dia estava me arrumando para trabalhar quando vi uma reportagem sobre endometriose. Um ginecologista estava explicando os sintomas, ele citou três com os quais me identifiquei: cólicas menstruais intensas, dor durante a relação sexual e comprometimento na qualidade de vida. Naquele mesmo dia, comecei a pesquisar sobre o assunto e marquei uma consulta com a ginecologista que me acompanhava.
Já senti dor no exame de toque, coisa que nunca tinha acontecido. Ela pediu um exame e quando saiu o resultado veio a confirmação da endometriose.
Receber esse diagnóstico aos 21 anos foi muito difícil, fiquei bastante apreensiva, meu maior medo era não realizar o meu sonho de ser mãe. A médica me tranquilizou e me encaminhou para uma especialista na doença.
Me senti humilhada e troquei de médica
Essa outra profissional me indicou um tratamento que consistia no uso contínuo de um anticoncepcional para parar de menstruar. Perguntei se havia algo para amenizar as dores na relação sexual, ela disse que não havia nenhum remédio milagroso, falou que era para eu usar lubrificante, relaxar e me indicou fazer fisioterapia pélvica.
Segundo ela, a fisioterapia iria trabalhar no relaxamento da musculatura que contraía quando sentia dor. No retorno com a médica, disse que não conseguiria fazer a fisioterapia pélvica porque só tinha no particular e perguntei se ela não poderia me operar.
Ela foi super agressiva, disse que não faria uma cirurgia em mim, com o risco de morrer numa cama de hospital.
Ela falou para eu fazer uma vaquinha entre a minha família, pedir um pouco de dinheiro para cada um para fazer as sessões de fisio. Me senti humilhada e troquei de médica.
Meu marido tinha cuidado e paciência
O Paulo ficou a par de toda a situação, mas não houve uma comunicação direta do que íamos ou não fazer, as coisas foram rolando. Ele sabia que sentia dor, tinha cuidado, paciência, ia devagar para não me machucar, mas não adiantava, não era algo que dependesse dele. Usamos o lubrificante algumas vezes, mas também não resolveu.
Com um ano de namoro, eu e Paulo nos casamos, a doença evoluiu e fiz a primeira cirurgia de endometriose em março de 2015. Fiquei bem cinco meses depois do procedimento até que a dor voltou. Tomei algumas novas medicações, mas como não teve efeito, o médico quis marcar a segunda cirurgia. Como operei da apendicite nesse meio tempo, resolvemos espaçar um pouco mais.
A essa altura, sentia dores muito fortes quando transava com meu marido, isso me causava muita angústia e me criou um bloqueio, não sentia mais a dor só durante o ato, tinha medo de sentir dor. Era um processo frustrante, pois tinha vezes em que queria tentar, em outras evitava fazer sexo, uma estratégia que usava era não deitar no mesmo horário que ele para escapar.
Fazia alguma outra coisa, ia tomar banho ou assistia TV na sala. Às vezes era direta e falava que não queria ou então a gente tentava, mas sentia dor e ele já parava.
O Paulo dizia que me entendia, mas no fundo via que ele ficava estressado, isso afetou a nossa vida como casal, nos afastamos, passamos a brigar mais por coisas bobas do dia a dia. De forma inconsciente, passei a ser menos carinhosa com ele.
Ele reclama que a gente não vive mais como um casal, que a gente fica meses sem transar, que os outros casais não são assim, que isso não é normal e que ele só aguenta tudo porque me ama. Reconheço que ele tem razão em algumas coisas, mas não faço isso porque quero, eu sinto dor.
Em 2016, nós conversamos e decidimos que iríamos tentar ter um filho antes da segunda cirurgia. Tentamos por quase dois anos. A gente só transava quando estava no período fértil. Em 2018, nós tivemos que dar uma pausa nas tentativas, fiz a segunda cirurgia de endometriose e comecei a tomar as injeções para fazer o bloqueio hormonal.
Seis dias antes de tomar a primeira injeção, fiz sexo com o Paulo sem a intenção de engravidar, mas acabei engravidando e só descobri com 12 semanas de gestação após fazer um ultrassom para acompanhar o quadro de endometriose e depois de ter tomado a terceira injeção. Não acreditava que estava grávida, a ficha só caiu quando ouvi o coraçãozinho do meu filho bater.
Durante toda a gestação, fiz sexo, no máximo, umas três vezes. Continuava com dor e não sentia a menor vontade. Depois que o meu filho nasceu, a situação permaneceu a mesma, cheguei a ficar meses quatro meses sem transar com meu marido. Não sei se é porque já me acostumei e porque o medo e dor falam mais alto, mas sendo sincera fico tranquila, não sinto falta.
Problema, de certo modo, está em mim
Como mulher, sei que a necessidade do homem é diferente e sei que para o meu marido é muito difícil ficar sem sexo. Não acho que ele tenha um caso, mas acho possível que ele já tenha dado uma escapada com alguma mulher apenas para suprir essa necessidade fisiológica.
Tenho esse pensamento prático, mas não é algo que fico pensando o tempo todo para não criar dúvidas, insegurança e desconfiança.
Tenho consciência de que o problema, de certo modo, está em mim e de que preciso me esforçar um pouco mais, mas só quem tem endometriose sabe a dificuldade que é.
Em 2020, com 29 anos, fiz a terceira cirurgia de endometriose e sigo com o tratamento tomando as injeções por seis meses. Após essa etapa, tenho planos de engravidar em 2021.
Tenho esperança que a doença vai se estabilizar, já estou saturada de viver com tanta dor. Recentemente comecei a usar uma pomada para reposição da testosterona e a libido melhorou um pouco. Espero reacender a paixão e o desejo do início do namoro, não sentir mais dor e voltar ter uma boa vida com o meu marido".
Saiba mais sobre a endometriose
Como a endometriose afeta a vida sexual da mulher?
Os principais sintomas da endometriose se relacionam à dor pélvica crônica, que pode se apresentar como cólica intensa na menstruação, dor mesmo fora do período menstrual e dor à relação sexual. Essa sensação constante ou recorrente de dor, muitas vezes, inibe a mulher, gera medo e reduz o desejo sexual, devido à sensação física e emocional do sexo como causa de sofrimento.
Quando a mulher tem dor durante ou após o sexo, uma das maneiras encontradas para reduzir esse sofrimento é evitando ter relações, de maneira contínua ou nos períodos de maior sensibilidade, assim como não praticando em posições que geram desconforto devido ao toque em uma região mais afetada.
Quais os tratamentos?
A mulher pode tentar o tratamento medicamentoso da endometriose, com remédios à base de progestagênios ou combinações de estrogênios e progestagênios, como as pílulas anticoncepcionais, por exemplo. O DIU hormonal, analgésicos e anti-inflamatórios também podem ajudar. Caso haja alívio suficiente dos sintomas, pode-se seguir com o tratamento clínico e acompanhamento ginecológico.
Se não houver melhora, a solução para as dores passa pelo tratamento cirúrgico, habitualmente realizado por laparoscopia ou laparoscopia robótica, para retirada das lesões de endometriose, do processo inflamatório e das aderências que se desenvolvem na região.
A endometriose causa infertilidade?
A endometriose causa infertilidade em aproximadamente 30% das mulheres com a doença, sendo responsável por uma parcela considerável das causas femininas de infertilidade.
A endometriose tem cura?
Mesmo quando se realiza cirurgia e o tratamento clínico para minimizar o retorno da doença, não se diz que houve cura definitiva, pois a mulher segue sujeita a recidivas, principalmente durante seus anos de vida reprodutiva, e algumas podem necessitar de novos tratamentos. A menopausa, por sua vez, vem a amenizar quase por completo essas manifestações e recidivas, devido à queda importante dos hormônios femininos a partir desse período.
Fonte: Mariano Tamura, ginecologista do Hospital Albert Einstein e da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), especialista em endometriose e em tratamentos por cirurgia minimamente invasiva e robótica.
*Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos citados na reportagem.
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