Transar no mesmo quarto onde filho dorme pode afetar saúde mental do bebê
Resumo da notícia
- Sexo envolve vários tipos de interações sonoras e físicas. Para alguns especialistas, a criança percebe, mas não entende o que está acontecendo
- Outros entendem que não existem estudos consolidados para avaliar impactos diretos no bebê, mas o ambiente íntimo dos pais deve ser reservado
- A prática sexual não deve ter o filho como espectador, é uma vivência a dois
A chegada de um bebê muda toda a dinâmica da casa. Os cuidados com o filho tomam tempo, é comum que ele passe mais tempo na cama dos pais do que no próprio berço e ainda há um afastamento natural da mãe após o parto. Pode levar anos até que a vida conjugal retome sua normalidade, seja pela adaptação aos hormônios ou pela carga emocional que traz o novo vínculo.
Para tentar estabelecer a chama acesa, muitos casais aproveitam quando a criança está dormindo para manter relações sexuais. No entanto, por mais que não haja um consenso entre especialistas sobre os efeitos dessa conduta, em um cenário ideal, isso não deveria acontecer, pois pode sim afetar saúde mental da criança.
Não existem estudos consolidados que avaliem impactos diretos no bebê, mas, por mais que os muito pequenos não possuam recursos racionais para pensar e interpretar as situações, eles já vivem sensações que geram sentimentos e emoções, com estímulos ativados no ambiente, e respostas que dependem de cada indivíduo.
A psiquiatra Denise Gobo diz que, sejam recém nascidos ou na idade da primeira infância, os filhos que presenciam relações sexuais dos pais podem absorver a situação traumática: "Ele não entende o que está acontecendo. Pode produzir traumas relacionados à própria sexualidade e ficar mais suscetível ao abuso sexual", conta.
Por outro lado, há quem assegure que o desenvolvimento ou não de transtornos psíquicos relacionados ao cenário em questão depende de diversos fatores, como perfil de personalidade da criança e dos pais, cultura, entre outros. "O que se pode dizer é que a criança não tem capacidade cognitiva e recursos emocionais para administrar esse contexto como um todo", alerta a psicóloga Larissa Paes Leme.
Como o sexo envolve vários tipos de intenções sonoras, físicas e motoras, a criança pode perceber que há uma movimentação diferente, mas não entende o que está acontecendo. Os especialistas afirmam que, ao captar estímulos à distância do ato sexual do pais, os pequenos ficam tensos e ansiosos, pois os sons ou a intensidade chegam como algo novo ou perigoso.
De acordo com os profissionais consultados, o ambiente íntimo dos pais deve ser reservado e os filhos precisam ser protegidos desse processo. "Uma família que cuida disso já demonstra preocupação com cada etapa do desenvolvimento do filho", opina o psiquiatra Luan Diego Marques.
Questões legais
Para a psiquiatra infanto-juvenil Jaqueline Bifano, o sexo na presença da criança é muito prejudicial, independentemente da idade que ela tenha: "Por volta dos três anos, ela começa a questionar as coisas, então, a partir dessa faixa etária, a vivência é intensamente absorvida e pode ser mais danoso ainda", afirma. Assim, por mais que casos de pais que mantêm relações sexuais enquanto os filhos dormem existam em muitas famílias, isso é algo que provoca dúvidas sobre a sua legalidade.
Existem no Código Penal Brasileiro e do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) inúmeros crimes descritos que foram criados com o objetivo de proteger menores perante ações sexuais. Entre eles, estão o estupro de vulnerável, a corrupção de menores, favorecimento à prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual de crianças e adolescentes.
Segundo o advogado, escritor e professor de direito penal Leonardo Castro, sobre a conduta específica desses pais há um dispositivo no Código Penal Brasileiro que parece se adequar ao fato, com alerta para o seguinte detalhe: a intenção do ato. Ele explica que o artigo 218A, adicionado em 2009 pela Lei 12.015 —que promoveu uma grande reforma nos crimes contra dignidade sexual—, trata a respeito da conduta típica e criminosa que é praticar na presença de alguém menor de 14 anos ou induzi-lo a presenciar conjunção carnal ou ato libidinoso a fim de satisfazer lascívia própria ou de outro.
"Quando você lê o artigo 218A dá a impressão de que é exatamente essa situação, mas é preciso ter cuidado na interpretação, porque esse crime é doloso, ou seja, exige do indivíduo que ele queira ter essa conduta, que queira manter a relação sexual na presença desse menor de 14 anos, sem que seja necessariamente seu filho. Existe o dolo da conduta, mas também da finalidade especial da satisfação", orienta Castro.
Por fim, o advogado conclui que na situação dos pais que mantêm relações sexuais na presença dos filhos por viverem em uma casa de um cômodo, por exemplo, não está caracterizado o crime. "Isso porque, primeiro, deixa de existir o dolo e tampouco há a busca pela satisfação em saber que tem alguém de menor de 14 anos presenciando. Claro que não é algo recomendável, mas, para fins penais, não tem qualquer importância".
Solução seriam quartos separados
Dormir longe do bebê que acabou de chegar em casa é algo que talvez nem seja considerado pelos pais. Não só isso, o puerpério —momento em que a mulher experimenta transformações físicas e psíquicas — revela dificuldades até então desconhecidas, e as decisões podem ser tomadas de acordo com o que é menos difícil para mãe e filho, a fim de favorecer o bem-estar de ambos. No entanto, é melhor que, desde o primeiro momento, a criança esteja no seu quarto, no seu espaço, no seu ambiente.
A separação dos cômodos tende a ser importante para o desenvolvimento da individualização da criança e estabelecimento das identidades. "A separação pode ser importante para o bebê se reconhecer como um outro corpo, e não como uma continuidade da mãe, dando início ao processo de individualização", diz a psicóloga Larissa Paes Leme.
Além disso, é importante educar a criança para que ela entenda a sexualidade como algo saudável. "A criança tem que saber que o papai e a mamãe namoram, que, quando a porta do quarto estiver fechada, tem que esperar", diz a psicanalista Ângela Mathylde Soares. Dessa maneira, o sexo passa a ser compreendido como natural e parte da rotina familiar. Soares lembra que existe uma fase do desenvolvimento infantil que a criança fica com ciúmes. Ou seja, quando o pai beija a mãe, a criança os separa, senta-se no meio dos dois e não quer que eles se beijem. Então, começam as birras do "não, eu não quero", "a mamãe é minha", ou "o papai é meu".
É uma luta por território, mas o casal tem que se estruturar, porque isso é uma fase e vai passar. Segundo ela, é preciso mostrar que a mamãe também é esposa e que o pai também é marido e objeto de amor. Quanto ao sexo entre os adultos, a psicanalista concorda que a criança não pode ser espectadora. "Essa cena tem que ser vista somente pelo casal, é uma vivência a dois".
Fontes: Ângela Mathylde Soares, psicanalista, doutora em psicanálise, saúde psicoemocional e psicopedagogia, conselheira nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia e proprietária da clínica Aprendizagem e Companhia-Saúde Integral; Denise Gobo, psiquiatra formada pela Universidade de Ribeirão Preto, com especialização em psiquiatria pela Santa Casa de São Paulo e Fellowship em Cefaléia pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo); Larissa Paes Leme, psicóloga clínica, com especialização em casal e família em processo na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo); Igor Duarte, neurocientista, professor universitário, mestre e doutor pela UMC (Universidade de Mogi das Cruzes); Luan Diego Marques, psiquiatra com residência médica pelo HUB/UnB (Hospital Universitário de Brasília), especialista em terapia interpessoal pelo Prove (Serviço de Assistência e Pesquisa em Violência e Estresse Pós-Traumático) ligado à Unifesp; Jaqueline Bifano, psiquiatra infanto-juvenil, graduada em Medicina pela UFF (Universidade Federal Fluminense), especialista em psicoterapia pelo IP-UFRJ (Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro), com residência de psiquiatria da infância e adolescência no Hospital das Clínicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); Leonardo Castro, advogado especialista em direito penal, professor e escritor.
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