Pesquisa brasileira com IA pode ampliar acesso à detecção de retinopatia
Pesquisadores brasileiros desenvolveram uma metodologia que pode ampliar a detecção da retinopatia diabética —importante causa de cegueira entre pessoas de 20 a 74 anos. O modelo inova ao utilizar inteligência artificial e telemedicina no processo de avaliação de retinografias (exame de imagem para análise das estruturas do fundo do olho) captadas por meio de smartphones adaptados.
A eficiência do sistema foi comprovada por meio da avaliação de 824 pessoas, com diabetes tipo 2, inscritas na Campanha de Diabetes de Itabuna (BA) —evento anual de prevenção e combate a complicações do diabetes—, no ano de 2019, e validado pela comunidade médica internacional, por meio de artigo publicado em agosto de 2020.
Portabilidade e inteligência artificial
No estudo foram analisadas imagens captadas de 824 participantes quanto à qualidade (transparência dos meios oculares, foco e limites da imagem). Destas, 82,4% foram aproveitadas para avaliação diagnóstica.
A utilização de algoritmos de deep learning (técnica de aprendizado de máquina a partir de redes neurais artificiais) para análise eletrônica das imagens mostrou alto grau de sensibilidade, apresentando precisão diagnóstica de 71,3%.
"As imagens foram analisadas por especialistas e, em paralelo, por meio de softwares. Nem todas as pessoas que o sistema de inteligência artificial identificou como tendo retinopatia, de fato a tinham. Por outro lado, nenhum paciente com quadros graves deixou de ser identificado", comenta Fernando Malerbi, oftalmologista, membro do Departamento de Doenças Oculares da SBD e um dos autores do estudo.
Atualmente, a realização de exames de fundo de olho demanda a presença de um médico especialista. A avaliação da retina pode também ser feita por meio de retinógrafos tradicionais, cuja portabilidade é limitada.
Ao acoplar uma câmera especial, confere-se ao smartphone o poder de produzir imagens com qualidade equivalente ao de um retinógrafo tradicional. Contudo, caso um centro médico não disponha de oftalmologistas, equipes de assistência primária podem receber treinamento específico para a captação das imagens.
A portabilidade do aparelho ainda possibilita seu transporte a localidades afastadas ou a pessoas com dificuldade de deslocamento —seja em função da pandemia de covid-19 ou outra condição física limitante.
Elaborado por médicos e pesquisadores ligados à SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e IPEPO - Instituto da Visão, o método apresenta elevado potencial para ampliar o acesso da população ao exame ocular —sobretudo, a parcela residente em regiões distantes de grandes centros ou com escassa rede de saúde.
A articulação e adaptação dessas ferramentas digitais permitem maior acompanhamento epidemiológico de doenças oculares, identificação precoce de alterações que comprometam a saúde do olho e, sobretudo, a prevenção de complicações e posteriores casos de cegueira.
Telemedicina
A experiência em Itabuna também demonstra o papel do telemedicina e do trabalho colaborativo no diagnóstico da retinopatia. As imagens captadas por meio do dispositivo portátil e pré-analisadas por inteligência artificial foram validadas remotamente por profissionais oftalmologistas de diferentes centros de saúde do país.
"A utilização do algoritmo de IA potencializou nosso tempo para a realização dos laudos, pois o algoritmo automaticamente separava os pacientes potencialmente normais dos alterados. Com isso, pudemos focar e direcionar os casos mais graves primeiro e viabilizar rapidamente a convocação destes pacientes com retinopatia diabética mais grave, com maior risco de cegueira e outras complicações, para uma nova fase de avaliação —desta vez multidisciplinar", complementa Rafael Ernane Andrade, oftalmologista, idealizador do Mutirão do Diabetes de Itabuna e membro do membro do Departamento de Doenças Oculares da SBD.
Desafios
Malerbi aponta que, embora o padrão de classificação de lesões por meio de imagens esteja estabelecido há décadas, existe um complexo caminho até a aprovação do uso de inteligência artificial no apoio à análise diagnóstica.
"Temos uma série de desafios regulatórios até chegarmos à utilização desse modelo de avaliação na população".
Retinopatia diabética
Segundo a Academia Americana de Oftalmologia, a retinopatia diabética é uma das principais complicações do diabetes e a principal causa de cegueira entre pessoas de 20 a 74 anos.
A partir de 20 anos de convívio com a doença, cerca de 90% dos pacientes com diabetes tipo 1 e 60% das pessoas com o tipo 2 desenvolvem algum grau de retinopatia.
A Sociedade Brasileira de Diabetes aponta que, no Brasil, não há estudos que demonstrem, com exatidão, a prevalência da retinopatia diabética. Estudos realizados em diferentes regiões do país referem prevalência variando de 24 a 39%, sendo sua maior frequência em pacientes residentes em regiões não metropolitanas.
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