Aos 23, ele foi internado na UTI de covid: "Chorei quando pude tomar banho"
Renan Konig, natural de Tubarão, em Santa Catarina, estava em home office quando descobriu que havia sido infectado pelo novo coronavírus em julho de 2020. Sua suspeita é que o vírus tenha sido transmitido por seu irmão, que trabalha em um aeroporto da região e também testou positivo para a covid-19, embora não tenha ficado em estado grave.
Somente seis meses após ter a experiência de ficar internado em uma UTI por nove dias e mais quatro no quarto da enfermaria, ele se sentiu confortável para compartilhar o que passou. Ao VivaBem, Renan, hoje com 24 anos, relata o que sentiu e o que observou enquanto recebia o tratamento intensivo e como foi sua recuperação gradual.
"Demorei para conseguir desabafar. É difícil encontrar, com detalhes, uma explicação da realidade nua e crua que é a UTI. Por isso, eu não tinha ideia de quão traumática é a experiência de ser um paciente crítico de covid-19, e muito menos esperava que acontecesse comigo, que tinha na época apenas 23 anos, e apesar de ter asma, é um grau leve.
Procurei uma UBS (Unidade Básica de Saúde) quando percebi que estava com sintomas de sinusite. Lá, os profissionais de saúde constataram que eu estava com alteração de pressão e a oxigenação um pouquinho mais baixa que o normal, mas nada muito preocupante. Não fui medicado e fui orientado a procurar um hospital.
Quando cheguei, já estava com 39ºC de febre, mas não pediram teste de covid-19 por serem sinais bem específicos de sinusite. Fui para casa com receita de antibióticos e como eu era o único da família com sintomas, não suspeitamos da infecção pelo Sars-CoV-2.
Senti que a doença avançava, mas minha família tinha medo da possível contaminação se fôssemos ao hospital. Depois de cinco dias, tive uma piora respiratória significativa e liguei para o meu irmão me levar até lá.
O primeiro passo foi checar a capacidade do meu pulmão, que estava operando entre 25 e 30%. Na mesma hora falaram 'Vamos intubar você'. Meu objetivo era só respirar, então nem pensei em nada. Quando dei entrada, não tinha leito e meu irmão assinou para uma transferência, mas em duas horas, não sei se por óbito ou por alta, surgiu um lugar para mim.
Pelo relato do médico, depois de internado, minha melhora foi gradual e bem positiva, mas nem por isso deixei de sentir um medo paralisante. Foram cinco dias intubado e, no total, nove na UTI. Nos últimos três dias eu estava bem consciente e fui capaz de observar tudo.
Quando acordei e percebi que estava no hospital, não entendia exatamente por que estava ali. Ainda delirava bastante.
Olhei para o meu corpo e vi meu peito cheio de eletrodos e senti o cateter de oxigênio no nariz. Estava de fralda, com o braço todo marcado pelos furos das agulhas e não sentia bem as pernas.
Também tinha machucados causados pelo tubo na boca, que estava muito ressecada, a língua cortada, e não conseguia falar. Me vi completamente entregue, impotente, na dependência do outro.
Durante a internação, você não vê luz do dia, a rua, televisão, não vê nada. Eu contava as horas pelas aparições de uma pela enfermeira gentil que comentou comigo que fazia turnos de 12 horas de trabalho por 36 horas de folga.
A rotina foi composta por observar os outros pacientes, sentir muito medo e vontade de me mexer e sair dali, o que, claro, eu não podia. Passei horas ouvindo e vendo os cuidados com outros pacientes, além de notar quando os que estavam em estado mais grave 'desapareciam' da sala.
Todos os dias, recebia um pouquinho de água com uma gaze molhada. A sede era grande e eu choramingava pedindo mais, mas não recebia. No leito de banho, me viravam de um lado e do outro.
O desespero e o medo me pegaram de tal forma que a todo profissional que passava eu pedia para pegar na minha mão. Eles perguntavam por que e eu respondia: 'Por que estou com medo de morrer.'
Pode soar horrível dizer isso, mas quando você está intubado, pelo menos não sente medo. Não sabe que não pode andar, não pode beber água ou se alimentar, só pode ver e ouvir sobre cuidados médicos. Quando eu dormia, tinha pesadelos. Mas ao acordar, as cenas da realidade se misturavam, e percebia que partes do pesadelo eram realidade.
Me sentia completamente sozinho e não falava com a família por vídeo nem por áudio, apenas me avisavam que eles estavam bem. Minha sorte é que um dos profissionais que fazia exame do tórax era amigo do meu irmão —acabou sendo meu contato com o mundo externo.
Na enfermaria, vi meu colega de quarto partir
Saí da UTI com a equipe batendo palmas, e eu, iludido, pensei que ia para casa.
Passei mais quatro dias na enfermaria, onde dividia o quarto com um senhor em coma acompanhado de um cuidador, provavelmente parte de sua família.
Após cerca de três horas no quarto, os aparelhos desse senhor começaram a apitar muito e o cuidador começou a cantar uma música religiosa. Até os médicos chegarem, ele já tinha falecido. Aquela cena me marcou, até por que eu ainda estava debilitado. A gente sabe que as pessoas morrem dessa doença, mas é um choque quando acontece assim, tão pertinho.
Assisti toda a preparação do corpo pelas enfermeiras. Elas iam falando 'ajeita ali, pega o saco, passa o tampão'. Tentei dormir, mas meu estado emocional não permitiu.
No dia seguinte, tive o meu primeiro banho de verdade desde o começo da internação. Não imaginava, mas foi uma emoção tremenda.
Na hora que comecei a sentir a água caindo em mim, desabei em choro, e em seguida ria por me perceber emocionado com algo tão simples. A partir desse momento, entendi que as coisas estavam começando a melhorar. Pude colocar uma roupa minha, pentearam meu cabelo... Já me sentia mais eu mesmo.
Depois, recebi a visita de diferentes profissionais: psicóloga, nutricionista, fisioterapeuta... Um cuidado que eu não imaginava que os pacientes recebiam.
Ao sair, meu maior medo eram as sequelas
Quando recebi alta, além do impacto emocional, meu corpo sentia as sequelas da covid-19. Espasmos na face, dificuldade de locomoção, falta de ar ao deitar de lado, calos vocais... Tudo isso fazia eu me perguntar: 'Será que eu vou andar direito novamente?' 'Conseguir subir uma escada?'.
Aos poucos, com o acompanhamento médico que faço até hoje, os sinais foram diminuindo. Mas ainda sinto, mesmo após seis meses, tontura, pressão atrás dos olhos, enxaqueca forte e sintomas que se assemelham à labirintite, além de não ter recuperado totalmente a força muscular.
A adaptação em casa também foi gradual. Na minha primeira noite, acordei de madrugada assustado, procurando a luz que ficava ao lado da cama do hospital para chamar a enfermeira. Passei os primeiros dias de fralda, fazendo pouca coisa sozinho. Me senti como um recém-nascido. Precisei reaprender a tomar banho sozinho, a comer algo além de comida batida... Foram nove dias que mudaram tudo para mim.
Ouvir histórias de outras pessoas, saber que não tem leito na minha cidade, essas coisas me causam aperto no peito, falta de ar, mas sei que é psicológico, são gatilhos.
Eu sempre fui uma pessoa grata, mais saí muito mais. Se puder dar um conselho para quem ainda não acredita na gravidade da doença, ou não acha que poderia acontecer consigo, seria o seguinte: antes de apagar o incêndio, o mais importante é impedir que ele aconteça. É melhor que ninguém precise passar pelo que passei. Não desejo isso nem para o meu pior inimigo".
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