Uma semana após dar à luz gêmeos, mãe descobre que um deles tem Down
Após três anos tentando engravidar, a médica cardiologista, 45, Milena Ferraz Schmidt fez uma fertilização in vitro e engravidou da Maria e do Rafael. Com todos os exames na gestação mostrando que estava tudo bem com os bebês, ela teve os gêmeos, mas uma semana depois descobriu que um dos filhos tinha síndrome de Down.
"Depois de cinco anos morando juntos, eu e o meu marido, o Leandro, oficializamos o casamento e começamos a tentar engravidar. Tentamos por um ano de forma natural, mas não conseguimos. A cada teste negativo, me sentia ansiosa e frustrada.
Eu e meu marido fizemos alguns exames para ver se havia algum problema que impossibilitasse a gravidez, não foi identificado nada. Em um dos meus exames, sofri uma parada cardíaca e, posteriormente, tive uma embolia pulmonar. Nós demos uma pausa nas tentativas de gravidez durante o tratamento e só voltamos depois que acabou.
Com o tempo e a idade passando, nós decidimos fazer uma inseminação artificial, mas também não deu certo. Em dado momento, até cogitamos adotar uma criança, mas a ideia não avançou e continuamos tentando. Três meses depois, em fevereiro de 2013, fizemos a fertilização in vitro com a implantação de três embriões, e engravidei de gêmeos.
Notei uma pequena deformação na orelha do Rafa
Minha gravidez foi ótima, trabalhei até o sétimo mês, só parei porque a barriga estava muito grande e o médico recomendou repouso. O cuidado no pré-natal foi tanto que fazia um ultrassom para cada bebê em dias diferentes para o médico analisar tudo em detalhes. Os ultrassons obstétricos e os dois morfológicos apontaram que estava tudo bem com os gêmeos. Não foram constatadas alterações que sugerissem qualquer síndrome.
No dia 22 de novembro de 2013, os gêmeos nasceram de um parto cesárea. O Rafael nasceu com desconforto respiratório, a Maria não teve nada, mas eles foram levados para a UTI neonatal por precaução.
Ao visitar meus filhos na UTI, notei que o Rafael tinha uma pequena deformação na orelha, de primeira imaginei que ele pudesse ter alguma deficiência auditiva. Os médicos o examinaram minuciosamente e identificaram algumas outras características, como os olhos amendoados e a prega na mão única.
Eles suspeitavam que o Rafa tivesse síndrome de Down, uns diziam que achava que ele tinha, outros não. Isso nos gerou uma angústia, meu marido fez até promessa para que ele não tivesse.
Também não queria porque sabia que não seria fácil, que ele sofreria preconceito e também por causa das doenças associadas à síndrome. Tirava foto dele e ficava olhando para ver se ele tinha os olhinhos e as características de pessoas com SD.
Passei por um processo de negação
Demorou uma semana para eu receber o diagnóstico fechado, recebi no dia do meu aniversário de 38 anos e no dia em que a Maria estava de alta para ir para casa.
O Rafael estava fazendo o segundo ecocardiograma quando o ecocardiografista apontou para a tela e falou que aquilo era uma cardiopatia: 'Certeza que ele tem síndrome de Down'. Achei indelicada a forma como ele me deu a notícia e chorei inconsolavelmente.
Vários pensamentos, em um processo de negação, passaram pela minha cabeça: 'Eu não quero', 'Por que isso foi acontecer comigo?', 'A embolia foi um aviso para eu não engravidar, mas insisti', 'Eu não deveria ter feito a fertilização', 'Fiz vários exames e não acusou nada, não é possível'.
Encontrei meu marido fora do hospital, mas não consegui contar o que tinha acontecido. Ele me levou a um bosque e me perguntou por que estava daquele jeito. Nesse momento, uma mulher com duas crianças passou na nossa frente, voltou e disse assim: 'Moça, nem sei porque vou te falar isso, acredito em Deus, mas não sou de nenhuma religião. Veio uma coisa na minha cabeça para te falar que era para ele ser seu'.
Ela disse isso e saiu, na hora parei de chorar, fui atrás dela e perguntei por que ela havia dito aquilo, ela respondeu que não sabia.
Eu realmente acredito que Deus enviou aquela mulher para me mandar aquela mensagem. É como se ele estivesse me dizendo que eu precisava aceitar porque a batalha seria grande. Naquela hora, aceitei. Nós voltamos para o hospital e levamos a Maria para casa. O Rafael ficou internado por quatro meses e recebeu alta no dia 21 de março de 2014.
Um outro médico me culpou
Um novo mundo se abriu para nós, entrei para o grupo Família Down, de Taubaté e região, onde participo de reuniões, eventos, tenho contato com outros pais de pessoas com SD, trocamos ideias, informações e experiências.
Depois do diagnóstico do Rafael, levei-o a um médico que me culpou por ele ter nascido com síndrome de Down. Contei para ele que, antes de fazer a FIV, questionei o ginecologista se não deveríamos fazer uma análise genética dos embriões para identificar se haveria alguma alteração cromossômica ou genética hereditária, mas ele disse que não havia necessidade.
Esse outro médico disse que, como médica, deveria ter exigido essa análise, e que a culpa do meu filho ter nascido com SD era minha. Primeiro: me coloquei nesse processo como futura mãe e não como médica, segundo, desde quando ter um filho com SD é ter culpa?
O Rafa e a Maria tem um bom relacionamento, ela é carinhosa e protetora com o irmão, mas está em uma fase de perguntar por que ele é diferente. Eu explico que o Rafa nasceu com uma coisinha a mais dentro dele [o cromossomo 21] e isso faz com que ele tenha um pouco mais de dificuldade de aprender, mas que nosso papel é incluí-lo em tudo e ensiná-lo.
Também falo que é por essa coisinha a mais que ele tem que ele gosta tanto de abraçar a gente e, por isso, ele é o nosso master fofo, forma carinhosa como a irmã o chama. Hoje não me interessa mais saber por que o Rafael nasceu com SD, como disse aquela mulher, era para ele ser meu, eu digo, era para ele ser nosso".
Entenda a síndrome de Down
Por que os exames não identificaram a síndrome?
O ultrassom obstétrico serve para identificar o embrião e, posteriormente, o feto durante a evolução da gestação. Ele permite verificar informações como batimento do coração do bebê, quantidade de líquido amniótico, movimentação fetal, sexo, peso, além de visualizar estruturas em busca de malformações. Ele pode ser realizado semanalmente, mensalmente e até trimestralmente dependendo do caso.
Geralmente realizado no primeiro e terceiro trimestre de gestação, o ultrassom morfológico é um exame de imagem em que são realizadas diversas medidas específicas e avaliação criteriosa das estruturas, em busca de sinais diretos e indiretos que indiquem malformações, alteração no desenvolvimento ou possíveis síndromes genéticas.
Bebês com doenças ou síndromes genéticas, mesmo aquelas com características físicas bem típicas, como a síndrome de Down —ou também chamada de trissomia do cromossomo 21—, não necessariamente terão todas as características de forma bem delineada, que possam ser vistas nos exames ultrassonográficos. Nem todos vão apresentar, por exemplo, pescoço curto ou osso nasal pequeno, traços que são muito importantes de serem vistos para poder suspeitar da síndrome.
Vale ressaltar que todo exame, incluindo os ultrassons obstétrico e morfológico, podem apresentar níveis diferentes de sensibilidade e especificidade, sendo assim, alguns casos podem passar como normais.
Como é possível só um dos bebês nascer com síndrome de Down em uma gestação gemelar?
Porque na gestação dizigótica, que é considerada duas gestações diferentes, existem dois fetos que, por coincidência, estão dividindo o mesmo ambiente uterino, mas que geneticamente são dois irmãos distintos. Nesse sentido, são dois irmãos gemelares que apresentam diferenças e, sendo assim, um pode ter a síndrome e o outro não. Foi esse o caso da Milena, que teve os gêmeos Rafael e Maria.
Estatisticamente, a chance de uma mãe ter, em uma gestação gemelar, um dos filhos com uma malformação, é de 0,02%, ou seja, a cada 5.000 pessoas que tenham uma gestação gemelar dizigótica, uma terá uma das criança com alguma malformação. Se considerarmos que a síndrome de Down ocorre em aproximadamente 0,1% dos nascimentos, no mesmo cálculo podemos chegar na chance de 0,006%, ou seja, a cada 100 mil mulheres que tenham uma gestação gemelar dizigótica, uma terá um filho com síndrome de Down e o outro sem a síndrome.
Fonte: Rodrigo Ambrosio Fock, médico geneticista do Centro de Genética Médica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), mestre em tecnologias e atenção à saúde e membro titular da SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica).
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