Psicose pós-parto: ela ouvia vozes e teve um surto após dar à luz
A psicose pós-parto ou puerperal é um distúrbio psiquiátrico que uma mulher pode ter depois de dar à luz. Rara, ela acomete uma a cada mil pessoas. "Em comparação, uma a cada cinco mulheres pode desenvolver depressão pós-parto", comenta o psiquiatra Joel Rennó Júnior, coordenador do Programa de Saúde Mental da Mulher do IPq-USP (Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo).
Na condição, a mulher pode sofrer alucinações e o sentimento de desconexão com o bebê, por exemplo. Segundo Rennó Júnior, como qualquer doença mental, é difícil estabelecer uma causa. Porém, são considerados fatores de risco: gatilhos estressores e violências durante a gravidez, casos na família e partos traumáticos. Em mulheres com transtorno bipolar, a chance aumenta: 20% das gestações registram psicose puerperal.
"Dependendo do conteúdo do delírio, a mulher pode expressar algum afeto pelo bebê, mas ela não vai ter organização mental de cuidados com o filho", comenta o psiquiatra. "É como se ela vivesse em um mundo criado individualmente por ela e se vê que essa mulher não está no seu pleno juízo."
Ao VivaBem, a dona de casa Roberta Alves, 27, compartilhou seu relato após enfrentar a psicose na primeira gestação. No começo, tinha medo a todo o instante da filha morrer. Começou a ouvir vozes e teve um surto psicótico, depois de tentar suicídio. Hoje, conta a sua história na tentativa de ajudar outras mães na mesma situação.
"A minha primeira filha, Anna Clara, nasceu em 2014 e quando ela tinha 18 dias eu tive um surto psicótico. Fui internada em um hospital e, depois de uma semana, viram que eu não tive melhoras e fui levada para uma clínica psiquiátrica.
Para mim, as enfermeiras que me acompanharam no pré-parto foram quem desencadearam tudo de ruim que eu vivi. Não sei os motivos, mas eu fui muito maltratada por elas. Foi muita pressão psicológica. Chegavam perto de mim e falavam que o sangue estava estranho, com a cor diferente. Eu pensei que minha filha estava morrendo, meu maior medo era ela nascer morta, eu não aguentaria. Perguntei se estava tudo bem e elas me deixavam falando sozinha. Foi desumano.
Quando eu fui para a sala de parto, eu lembro de fazer três forças e a minha filha nascer. O pior foi o pré-parto mesmo.
"Na minha mente, alguém ia morrer"
Já no quarto, eu lembro de ter crises de choro. Era muita dificuldade para amamentar, a bebê chorava muito e eu ficava sem saber o que fazer. Os outros bebês eram calminhos. Eu não dormi, fiquei cheia de olheiras e saí toda roxa, por problemas nos acessos de medicação. Eu fiquei exausta e destruída.
Quando eu voltei para casa, comecei a ter um cuidado excessivo, ficava grudada na bebê 24 horas por medo de acontecer alguma coisa. Na minha mente, alguém ia morrer, eu, ela ou o meu marido. Eu já comecei a ficar paranoica ali. Não conseguia ficar sozinha com ela em nenhum momento, se meu marido fosse sair, eu começava a chorar, ficava em pânico. Eu mal dormia, porque ficava olhando para ela.
Minha madrasta viu que eu estava estranha, disse que não era normal alguém chorar assim. Eu não entendia, minha filha tinha sido muito desejada por mim, desde o primeiro momento. Fui ao psicólogo, minha madrasta me levou. Ele me perguntou se eu tinha pensamentos ruins com a minha filha, eu não tinha, e então ele não identificou como uma depressão pós-parto.
Ouvir vozes
Meu quadro evoluiu muito rápido e eu comecei a ouvir vozes. Foi muito confuso. Eu lembro que não ouvia nada nitidamente, eram como murmúrios, eu não conseguia entender, não parecia que falavam comigo. Comecei a ficar apavorada.
Não conseguia explicar para ninguém, eu falava para o meu marido, mas ele não entendia. Decidi sair da minha casa, porque achei que tinha alguma coisa errada lá, me sentia insegura.
Fiquei na casa do meu pai e, quando eu decidi voltar, as coisas ficaram piores. Um dia à noite algo me falava que não dava mais para aguentar o que eu estava passando, estava insuportável. Então, eu tentei suicídio. Eu nunca quis fazer mal para a minha filha e pensei primeiro em amamentá-la, porque eu sabia que tudo o que eu fizesse passaria pelo leite. Depois, a fiz dormir.
Eu acabei ligando para uma tia e ela estranhou, pediu para a minha irmã ir me ver, porque meu marido trabalhava à noite. Quando ela chegou, me levou ao pronto-socorro.
"Um enfermeiro falou que eu tinha ficado 'louca'"
No mesmo dia, eu voltei para casa e tive o surto. Lembro de ficar agressiva, bater no meu marido e ninguém entender o que estava acontecendo. Eu não sei explicar como começou, o que motivou, foi do nada.
Decidimos ficar uns dias na casa da tia do meu marido, para ela me ajudar a cuidar da bebê. Quando entramos na casa dela, eu falei que precisava voltar e que 'eles estavam me esperando'. Me perguntavam quem, eu não dizia e apenas repetia a frase. Como não queriam me deixar sair, comecei a sacudir, bater no portão para tentar ir, porque algo me falava que eu tinha que estar na minha casa. Já que eu não conseguia, fui ficando agressiva.
Uma ambulância chegou e lembro dos enfermeiros falarem que o meu marido tinha que autorizar que eles entrassem para me pegar, porque do jeito que eu estava me jogando contra as coisas, eu ia me machucar. Meu marido estava sem reação, em choque. A minha irmã foi quem autorizou. Pelo menos uns quatro enfermeiros me pegaram. Eu fui amarrada e gritei bastante, porque senti uma dor muito forte no peito, uma pressão, parecia que alguém estava me sufocando.
Me levaram ao hospital e ainda lembro de um enfermeiro falar que eu tinha ficado 'louca' e que eu não voltaria 'ao normal'.
"Eu chorava todos os dias"
No dia do surto eu não lembrava da minha filha. No hospital, eu já sabia que tinha uma bebê. Quando eu fui sentir mesmo a falta dela e chorar muito querendo tê-la novamente, foi na clínica. Quando eu entrei lá, foi um choque de realidade, não retomei minha consciência imediatamente, mas os meus pensamentos começaram a ficar mais reais, a sair das alucinações.
Eu chorava todos os dias. Quando o meu marido ia me visitar, eu pedia para ele me tirar de lá, mas eu sabia que ele não podia e eu tinha que esperar para receber alta. Ao mesmo tempo, eu tinha muito medo de ficar naquela clínica.
Fiquei 13 dias. Quando eu saí, podia passar o dia com a minha filha, mas à noite a minha irmã a levava, porque eu tomava medicamentos que me sedavam, eu precisava dormir. Todos os dias eu chorava quando a entregava, porque eu queria cuidar, mas também sabia que eu precisava de cuidado.
Nova gestação
Eu desenvolvi transtorno bipolar após a psicose pós-parto. Fazia tratamento até descobrir a gravidez do meu segundo filho, Bernardo. Quando eu engravidei, parei de tomar as medicações, porque não poderia mais.
Eu tenho uma consulta com a psiquiatra para ver como vou seguir. Meu filho fez um mês e, até o momento, eu estou bem. Passei a gravidez sem medicação e não tive crise nenhuma. Não tive nada parecido com o pós-parto da minha filha. Eu não queria me apegar ao fato do que eu tive na gravidez da Anna Clara, só que eu tinha medo de ter a psicose novamente. Mas, ao mesmo tempo, tive muita fé de que estava sendo cuidada. Falo que o Bernardo veio para ser a minha cura."
Supere a depressão pré e pós-parto
Essa reportagem faz parte da campanha de VivaBem Supere a Depressão Pré e Pós-parto, que tem como objetivo chamar a atenção para o transtorno e os impactos que ele pode trazer para a mãe e o bebê.
Ao longo da semana, uma série de reportagens e conteúdos especiais foram e serão publicados com o objetivo de ajudar a identificar e tratar o problema. Confira todo o conteúdo da campanha aqui.
Fique ligado: a campanha é a primeira de uma série de VivaBem que, ao longo do ano, trará conteúdos temáticos para auxiliar no combate a problemas que muitas pessoas enfrentam no dia a dia e contribuir para que você tenha mais saúde e bem-estar.
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