Depressão gestacional: pobre sofre com a falta de diagnóstico e tratamento
Bruna Alves
Do VivaBem, em São Paulo
28/03/2021 04h00
Resumo da notícia
- Estima-se que uma em cada cinco mulheres tenham depressão perinatal, da gravidez contínua até o período de um ano após o nascimento do bebê
- Entre os principais sintomas da depressão gestacional estão a tristeza, alterações no humor e falta de vontade de fazer qualquer atividade
- Devido à dificuldade de acesso aos tratamentos de saúde mental, muitas mulheres periféricas não têm um diagnóstico fechado
- Os especialistas concordam que o tratamento deve começar no atendimento primário, ou seja, a doença deveria ser detectada durante o pré-natal
Conviver e enfrentar uma depressão é difícil em qualquer período da vida, mas na gestação pode ser ainda mais complicado, já que a mulher se encontra normalmente mais fragilizada. Agora, imagine uma mulher pobre, sozinha e sem apoio social. Frequentemente, elas não contam nem para a própria família o que estão sentindo, por medo de terem os sentimentos taxados como frescura ou por se sentirem culpadas por estarem nessa situação.
De uma maneira geral, muitas mulheres carentes (ou adolescentes) engravidam e não têm o apoio do companheiro e, às vezes, nem mesmo da própria família. Esse sentimento de solidão atrelado à falta de condição financeira e à baixa escolaridade são fatores de risco para o desenvolvimento de uma depressão gestacional.
A psicóloga Tania Granato, professora, pesquisadora da PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica de Campinas) e especialista em maternidade, descreve ainda que o abuso sexual é mais um risco para a doença. "Em uma clínica que atende pessoas que sofrem com a vulnerabilidade, não tem uma mulher que você conversa que ela não foi durante a infância abusada sexualmente", conta.
Além disso, a falta de um pré-natal adequado também pode ser um problema, pois uma diabetes gestacional não controlada, por exemplo, também aumenta o risco de depressão. "A gente atende uma população que mesmo grávida sofre violência física e psicológica e tem uma série de condições que podem aumentar o risco de depressão durante a gravidez", diz Joel Rennó Júnior, diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas de São Paulo e professor do Departamento de Psiquiatria da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
O que é a depressão gestacional
O problema não se difere muito da pós-parto, pois na maioria dos casos, a doença começa na gestação e vai persistindo. Os sintomas mais comuns da depressão gestacional (ou depressão pré-parto) são basicamente os mesmos de uma depressão comum:
- Tristeza;
- Fadiga;
- Alterações de humor como irritabilidade e crises de ansiedade;
- Perda de interesse das atividades diárias;
- Agitação ou lentidão nos afazeres;
- Perda de prazer nas coisas;
- Excesso ou até mesmo a falta de apetite.
É comum que as gestantes tenham alterações no humor e, inclusive, isso faz parte do período gestacional, mas o que caracteriza a depressão é a persistência dos sintomas. "Se a paciente falar para mim que está com sintomas há duas ou três semanas, já fecha um diagnóstico", relata Adriana Bittencourt Hassegawa, psiquiatra do Hospital Dia Rede Hora Certa M'Boi Mirim I, em São Paulo.
E caso a mulher já tenha tido depressão ou algum outro tipo de transtorno psiquiátrico antes da gravidez, a probabilidade de desenvolver a doença na gestação é maior.
Preconceito faz com que elas não peçam ajuda
Embora estigmatizada, a depressão hoje é considerada uma das principais doenças do século 21. E, quando inserida em um núcleo familiar onde não há conhecimento à respeito, logo surge o preconceito, e a mulher passa a sofrer sozinha, por medo de se abrir até mesmo com os mais próximos. "É o que a gente chama de psicofobia, que é o preconceito contra alguém que sofre de alguma doença mental", frisa o psiquiatra Rennó.
Há vários cenários: em um deles, as mulheres vulneráveis tendem a dizer para si mesmas que é normal não estar feliz com a gestação, já que a situação não está favorável, e elas não percebem que estão doentes. Em outra situação, elas até notam que precisam de ajuda, mas não conseguem buscar auxílio, porque o sentimento de culpa não deixa.
"Muitas não procuram ajuda por medo de serem julgadas, e são mesmo! Infelizmente tem um preconceito muito grande, principalmente quando não tem nenhum gatilho aparente", exemplifica Rennó, frisando também que a psicofobia acontece em todos os níveis sociais, ou seja, não é um problema que atinge exclusivamente as mulheres mais pobres.
Segundo a psicanalista Flávia Arante, mestre em saúde materna pela USP e fundadora do CESM (Centro de Educação e Saúde Mental), em São Paulo, muitas mulheres não sabem que têm o direito de procurar por ajuda de saúde mental. Nesse sentido, vale ressaltar que há também uma grande subnotificação da doença, pois as pacientes de baixa renda são menos diagnosticadas.
Um dos maiores problemas é a falta de acesso a serviços de saúde mental. "A gente sabe que existe uma dificuldade no acesso à saúde mental na rede pública. Isso ainda é limitado, embora existam alguns serviços pontuais", diz Rennó.
Quando a mulher está fazendo o pré-natal e o médico observa um comportamento diferente, o ideal seria questioná-la e, caso necessário, encaminhá-la para um serviço de saúde especializado. Isso até acontece em grandes centros urbanos, porém, às vezes, as filas são enormes e, quando chegam até o especialista, a mulher já está no fim da gestação.
"Quanto mais pobre e mais carente, mais distante a pessoa está da assistência. Ela vai sendo excluída, e isso vem desde a infância, ela não tem espaço para o afeto, para as necessidades psicológicas que todos nós temos", diz a psicóloga Granato.
Onde procurar ajuda?
Em São Paulo, por exemplo, o obstetra pode encaminhar essa paciente para uma avaliação em um dos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), disponíveis em diversos bairros, ou no ProMulher, 100% pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Vale lembrar que algumas UBS também contam com especialistas de saúde mental.
Outras fontes consultadas: Rodolfo de Carvalho Pacagnella, professor e obstetra da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Supere a depressão pré e pós-parto
Essa reportagem faz parte da campanha de VivaBem Supere a Depressão Pré e Pós-parto, que tem como objetivo chamar a atenção para o transtorno e os impactos que ele pode trazer para a mãe e o bebê.
Ao longo da semana, uma série de reportagens e conteúdos especiais foram e serão publicados com o objetivo de ajudar a identificar e tratar o problema. Confira todo o conteúdo da campanha aqui.
Fique ligado: a campanha é a primeira de uma série de VivaBem que, ao longo do ano, trará conteúdos temáticos para auxiliar no combate a problemas que muitas pessoas enfrentam no dia a dia e contribuir para que você tenha mais saúde e bem-estar.