Estudo avalia o uso de células-tronco para tratar lesões nos joelhos
As intervenções cirúrgicas disponíveis no sistema de saúde brasileiro para tratar lesões no joelho são invasivas, complexas e nem sempre resolvem o problema. A alternativa é o uso de células-tronco para a produção de membranas a serem implantadas na articulação. No Brasil, pesquisas com esse objetivo vêm sendo desenvolvidas por um grupo liderado por Tiago Lazzaretti Fernandes, cirurgião ortopédico que atua no grupo de Medicina do Esporte no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FM-USP).
Os cientistas já obtiveram resultados positivos em testes pré-clínicos (com animais) utilizando membranas produzidas a partir de células-tronco mesenquimais - encontradas em tecidos como medula óssea, tecido adiposo e revestimento da parede articular ou sinóvia. Ao se diferenciar, essas células podem formar tecidos adiposo (gordura), ósseo e cartilaginoso. "Em mais de 15 anos de pesquisa há raríssimas descrições de formação tumoral, algo que é apontado em estudos relacionados a certos tipos de célula-tronco como efeito adverso grave. São bastante seguras e muito utilizadas", destaca Fernandes, coautor de um artigo de revisão sobre o tema publicado na Frontiers in Immunology.
No estudo, os pesquisadores analisaram a eficácia de membranas produzidas a partir de duas fontes de células-tronco mesenquimais. Uma delas é a membrana sinovial, uma fina camada de tecido que reveste a parte mais interna das articulações. Esse tecido é responsável por produzir o líquido sinovial, cujo papel é fazer a lubrificação, evitando que as articulações sofram desgaste.
Outra fonte de células-tronco utilizada foi a polpa dentária, graças a uma parceria com Daniela Franco Bueno, do Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. Ela estuda essa metodologia para o tratamento de lábio leporino, malformação que afeta a região dos lábios e palato.
Segundo Fernandes, o uso das células-tronco mesenquimais é mais vantajoso em comparação a outras. "As células-tronco embrionárias envolvem uma série de conflitos éticos e religiosos que dificultariam a pesquisa", diz. "Poderíamos usar também as células-tronco pluripotentes induzidas, técnica que permite, a partir de uma célula adulta, produzir células semelhantes às embrionárias, mas as pesquisas indicam um risco maior de tumores e precisamos de mais estudos para esclarecer esse ponto", pondera.
Já as células mesenquimais têm a vantagem de se diferenciar em cartilagem, justamente o tecido alvo da pesquisa apoiada pela FAPESP. Além de Bueno, o grupo conta com Arnaldo Jose Hernandez, da FM-USP.
Alternativas mais efetivas
Três diferentes técnicas cirúrgicas estão entre as alternativas hoje disponíveis para tratar lesões da cartilagem do joelho, estrutura que recobre o osso internamente nas articulações. Esse tecido fibrocartilaginoso tem espessura de três a quatro milímetros e a função de diminuir a fricção e absorver o impacto. "Quando lesionada, na maioria das vezes, propomos ao paciente um trabalho de fortalecimento muscular e fisioterapia para tratar a dor e recuperar a função. Quando não há melhora, a cirurgia pode ser necessária", comenta.
De acordo com Fernandes, nenhuma das técnicas cirúrgicas praticadas hoje é 100% eficaz. Numa destas técnicas, o cirurgião faz pequenos orifícios na região da lesão, provocando um sangramento local. O sangue se acumula na região operada, formando uma fibrocartilagem. "É um reparo, não há formação de nova cartilagem, mas de uma cicatriz, o que permitirá ao paciente ficar bem por uns dois a três anos. Depois voltam a dor e os sintomas", relata. A segunda opção cirúrgica consiste em retirar um pequeno pedaço de osso e cartilagem de uma área do joelho que não sofre carga e enxertar na área da lesão.
Quando o defeito a ser reparado é maior do que o pedaço de cartilagem que poderia ser enxertado, os cirurgiões recorrem a uma técnica mais complexa: transplante de tecido. "Retiramos o material de doadores com morte encefálica, como se faz com outros órgãos", conta.
A terapia celular
Uma alternativa é o implante autólogo de condrócitos, uma terapia celular que utiliza células da cartilagem extraídas do próprio paciente. Disponível na Europa e nos Estados Unidos, mas não no Brasil, essa técnica se inicia com a artroscopia, procedimento para a coleta de cartilagem saudável do joelho de uma área que não sofre carga. As células são isoladas em laboratório, multiplicadas e introduzidas em uma membrana. Depois de 30 dias, essa membrana com as células é levada para o centro cirúrgico, onde será recortada no tamanho do defeito da cartilagem e colada no local da lesão no joelho do paciente", descreve.
A pesquisa coordenada por Fernandes utiliza técnica semelhante à de implante autólogo de condrócitos: avalia o uso de células-tronco mesenquimais presentes na membrana sinovial ou na polpa do dente de leite que são capazes de produzir a sua própria matriz extracelular ou membrana.
Os pesquisadores avaliaram inicialmente os processos de coleta, isolamento e crescimento das células extraídas da membrana sinovial do joelho, trabalho que resultou em um dos artigos publicado no Tissue Engineering . A pesquisa foi conduzida no Hospital Sírio Libanês, que conta com todas as certificações exigidas pela regulamentação científica e médica para processamento de tecidos para uso em humanos.
Um dos benefícios da produção de membranas pelas células-tronco mesenquimais é que essa técnica pode ser usada para tratar lesões maiores. Também não requer o uso de banco de tecidos e busca de doadores, pois as células são obtidas do próprio paciente. O objetivo, porém, não é regenerar ou formar um tecido igual ao existente antes da lesão. "Buscamos o reparo, ou seja, recuperar função, de forma a devolver os movimentos ao paciente e a tirar a dor", esclarece.
Outro braço da pesquisa avaliou o uso de células mensequimais extraídas da polpa do dente de leite. Todo o processo de produção da membrana a partir dessas células é semelhante ao aplicado com as células extraídas da membrana sinovial. O dente de leite, prestes a cair, é extraído pelo dentista, encaminhado para laboratório e armazenado em nitrogênio líquido para se ter um banco de células. A diferença está na quantidade de células extraídas da polpa e no crescimento das células em laboratório para gerar a matriz extracelular que será implantada no joelho. O grupo de pesquisadores fez uma grande revisão sobre o tema para entender as possibilidades de uso das células extraídas de polpa de dente no tratamento da cartilagem e que foi publicada no periódico Tissue Engineering.
Testes pré-clínicos
Após esses estudos, eles iniciaram os testes em animais de grande porte para avaliar se o implante poderia reparar uma lesão. Nessa fase, foram utilizados 14 porcos em miniatura, conforme descrito no periódico Stem Cell Reviews and Reports. "O joelho desse animal é muito parecido com o humano, do ponto de vista anatômico e fisiológico", diz. A terapia com células mesenquimais extraídas de polpa dentária foi administrada em sete porcos em miniatura. Os demais passaram pela terapia com células-tronco extraídas da membrana sinovial.
No experimento, os pesquisadores fizeram uma lesão de seis milímetros de diâmetro na cartilagem nas patas traseiras dos animais. Num delas, foi feito o tratamento com o implante de tecido e, na outra não. "Fizemos uma comparação estatística pareada: tudo que ocorreu do lado direito, aconteceu do lado esquerdo. A carga que os joelhos de ambas as patas sofreu foi a mesma em cada animal e eles não tiveram restrição de carga e movimentos."
As análises começaram seis meses depois da cirurgia de implante do tecido engenheirado, prazo suficiente para que a cartilagem se recuperasse. Os artigos científicos que trarão os detalhes da pesquisa ainda estão em processo de publicação, mas os resultados mostram que o uso da membrana permitiu melhor recuperação da lesão em ambos os tratamentos. Também indicam que é melhor trabalhar com a membrana sinovial como fonte das células-tronco do que utilizar as células da polpa do dente para o tratamento da cartilagem. Publicados os resultados, o próximo passo será fazer os testes em humanos, com pacientes que já apresentam lesões. O processo de aquisição das autorizações necessárias para a pesquisa em pessoas está em andamento.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.